Qual o significado da expressão Vem vamos embora que esperar não e saber Quem sabe faz a hora não espera acontecer?

No final dos anos 1960, ficou muito conhecida uma música chamada “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré, que simbolizou os movimentos contrários à ditadura no Brasil. Essa música continha uma mensagem muito forte em seu refrão: “vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

Essa parte da letra deixa claro o quanto é importante tomarmos as rédeas das nossas vidas ao invés de ficar esperando que alguém o faça por nós. Mostra o quanto é importante fazer acontecer, pois é só assim que ocorrem as mudanças e que os sonhos se tornam realidade. Essa abordagem serve para mostrar que há uma diferença muito grande entre destino e futuro, pois apesar destas duas palavras serem utilizadas para tratar do que vem pela frente em nossas vidas, a diferença principal está na forma como nos comportamos em relação a isso e as atitudes que vamos tomar (ou não) para fazer com que as coisas aconteçam.

Muitas pessoas confiam no destino, ou melhor, confiam ao destino o desdobramento de suas vidas. Partindo da premissa de que nada adianta fazer contra as forças do destino e que por causa disso é mais fácil “deixar a vida me levar”, é justamente nesse momento futuro de nossas vidas chamado de destino que ocorrem as fatalidades, os imprevistos, os desvios de percurso.

É claro que fatalidades e imprevistos acontecem para todas as pessoas, mas para muita gente o resultado de tudo o que acontece em suas vidas é obra do destino ou uma fatalidade que era para acontecer. Assim, destino é o que acaba acontecendo a quem prefere ficar na zona de conforto, adotando um comportamento passivo para com a sua própria vida. É comum a quem prefere ficar reclamando ou lamentando ao invés de pensar e agir diferente para mudar o estado atual e, consequentemente, sua vida.

Por outro lado, há o futuro. De uma forma bem simples, podemos afirmar que o futuro não existe; ele precisa ser construído. O futuro acontece quando idealizamos o que queremos e colocamos em prática as ações necessárias para que as coisas sejam exatamente como desejamos. Ser pró-ativo e ter capacidade de planejamento e execução são características presentes em quem deseja um futuro para sua vida, ao invés de destino. Muitas pessoas acreditam em futuro porque também creem que existe uma inegável relação de causa e efeito em todas as coisas, ou seja, tudo o que eu fizer hoje resultará na forma como será minha vida no futuro. É como diz o ditado: colhemos o que plantamos!

Para construirmos o futuro de acordo com nossos sonhos e objetivos não se pode negar a existência da relação de causa e efeito, porque ao não acreditarmos nela estamos negando também o nosso livre-arbítrio, que é a condição do ser humano de agir e tomar decisões de acordo com sua moral e seus valores. Em outras palavras, não só delegamos a responsabilidade pelo que vai ocorrer com nossas vidas, mas também nos sujeitamos a viver de acordo com o código de valor e moral de outras pessoas.

Embora essa afirmação seja forte, mais forte ainda é constatarmos que muitas pessoas vivem num permanente estado de angústia ou insatisfação sem saber que em muitos casos o real motivo está em sua negligência para com sua própria vida. Quando isso acontece, o que resta a fazer é enfrentar as consequências do destino ao invés de aproveitar o futuro construído por suas mãos. É no destino que encaramos as consequências do fato de no passado termos negligenciado aspectos importantes da nossa vida, quando deixamos de sonhar e de perseguir nossos sonhos e quando delegamos para terceiros as responsabilidades sobre tudo que nos acontece.

Vale a pena comentar que a música citada no início do texto marcou uma época em que as pessoas não se resignaram com a situação em que se encontravam e decidiram construir o seu futuro ao invés de deixar as coisas como estavam e esperar tranquilamente pelo seu destino.

No ano de 1968, o Brasil viveu um dos momentos mais conturbados da história do país; desde que os militares tomaram o poder, em 1964, a opressão aos movimentos sociais e culturais foi se intensificando até se concretizar através do AI-5

Neste cenário de ditadura, Geraldo Vandré criou a música Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores, também conhecida como Caminhando. 

Geraldo Vandré / Créditos: Divulgação

A canção tinha a letra perfeita para os manifestantes da época, tanto que acabou sendo censurada e o cantor precisou sair do país, em exílio, para se proteger.  

Vamos analisar juntos esse hino de resistência? 

Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores concorreu no III Festival Internacional da Canção e conquistou o segundo lugar na premiação. 

A censura era tão pesada e a canção tão simbólica que isso rendeu consequências aos jurados, que tiveram seus carros quebrados e sofreram insultos por causa da escolha.

Ouça e confira a análise da letra:

Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção

O primeiro verso descreve nitidamente como ocorre uma manifestação pacífica: caminhando e cantando e seguindo a canção. 

Observamos que o compositor se refere a todos como iguais, pois estão dentro de um mesmo contexto e lutando por algo em comum: o direito à liberdade

Essa interpretação é reforçada a seguir, quando ele coloca as escolas, ruas, os campos, ou seja, todas as instituições e todos os cidadãos. 

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Neste verso, a música ganha ainda mais um tom de chamado, como se fosse uma convocação para que todos saiam às ruas, pois não se pode mais esperar. Ao longo da música, o refrão é muito repetido, mais do que o normal, para dar essa ideia.

Artistas da MPB em protesto contra a Ditadura Militar / Créditos: Divulgação

Era um momento que pedia união, por isso o compositor foi muito genial ao criar uma letra que parece conversar com um povo. 

As duas frases finais expressam uma certa urgência; o Brasil e o seu povo não podem mais esperar, é preciso agir agora para que algo mude de verdade.    

Pelos campos há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas marchando
Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão

Ao dizer indecisos cordões, Geraldo Vandré se refere às divergências de opiniões dos grupos que tentavam se articular para fazer alguma coisa. Alguns acreditavam que um posicionamento pacifista poderia resolver, porém, na visão do compositor, isso seria uma ilusão

Esse conceito fica mais claro no trecho acreditam nas flores vencendo o canhão, em que o compositor se refere ao movimento de contracultura hippie da década de 60, marcado pela imagem de uma mulher segurando uma flor branca diante das tropas americanas.

Créditos: Divulgação

A foto foi feita pelo fotógrafo Marc Ribound e repercutiu o mundo. 

Há soldados armados
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam
Uma antiga lição
De morrer pela pátria
E viver sem razão

Este trecho mostra o olhar sensível do compositor em relação aos soldados armados. Muitos poderiam encará-los como inimigos, até mesmo pelo contexto de luta, violência, perseguição, mas Vandré nota que eles também estão perdidos. Estão apenas cumprindo as ordens e as táticas ensinadas no quartel

Créditos: Divulgação

A música fecha o verso de forma poética ao mencionar que eles são ensinados a morrer pela prática e a viver sem razão. Ou seja, não conseguem se permitir qualquer reflexão sobre seus atos

Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição

Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores queria passar, principalmente, uma mensagem de urgência. É como se o compositor estivesse clamando, gritando para que todos entendessem que não seria possível fazer revolução munidos de flores

Por isso a música foi tão marcada e perseguida durante o período ditatorial: ela fala nitidamente sobre se organizar, ela chama ao movimento e convoca a todos

Todos estão no mesmo barco e é por isso que precisam lutar juntos. Porém, deixando as flores no chão e seguindo em frente. 

Créditos: Divulgação

Só assim seria possível aprender e ensinar algo novo, tomando consciência que a militância era o único caminho para se vencer. 

Saiba mais sobre Geraldo Vandré 

Geraldo Pedrosa de Araújo Dias nasceu em João Pessoa, em 1935, e assumiu o nome Geraldo Vandré logo no início da carreira. Além de cantar e compor, ele se formou em Direito e também costumava escrever poesias

Sua participação na época da Ditadura Militar foi de grande importância, principalmente quando compôs Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores, não apenas pelo conteúdo artístico, mas principalmente pela mensagem que trouxe de conscientização e de transformação social, que era urgente.

Créditos: Divulgação

Inclusive, há especulações de que a música, por conta da grande repercussão, teria acelerado o Ato Institucional Nº 5 (AI-5).

A músicaacabou censurada e o compositor foi perseguido e precisou se esconder por um tempo, até se exilar no Chile. Depois, mudou para a Europa e só voltou ao Brasil em 1973. 

Apesar de sua carreira ter sido pouco explorada comercialmente mesmo após sucesso de Caminhando, Vandré lançou 5 discos entre 1967 a 1973. 

Geraldo Vandré hoje

Hoje, aos 84 anos, Geraldo Vandré vive em São Paulo, casou-se com Bianca Beatriz e leva uma vida reclusa.

Havia informações controversas sobre se ele teria sofrido tortura na época da ditadura, mas durante uma entrevista ao Globonews, em 2010, ele afirmou que não sofreu violência. 

Créditos: Divulgação

Afastado da música, ele chegou a afirmar que essa escolha não se deu por conta da perseguição que sofreu, e sim por não sentir motivação para continuar compondo

Confira a análise da música Apesar de Você

Chico Buarque compôs Apesar de Você em 1970, na época da ditadura militar, e a canção também acabou sendo censurada. Conheça melhor a história e a análise da música Apesar de Você, importante composição de Chico. 

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Qual o significado da expressão Vem vamos embora que esperar não e saber?

Isso significa que não podemos ficar parados e esperar as coisas acontecerem ou se resolverem, temos que fazer algo e não somente esperar, se queremos que as coisas mudam.

Quem sabe faz a hora e não espera acontecer?

Existe uma relação muito íntima entre saber e fazer. Quem sabe, sente-se seguro, avança e realiza. Quem não sabe, fica indeciso, protela e acaba não atingindo seus objetivos.

Quem sabe faz a hora e não espera acontecer o que essa frase pode nos ensinar sociologicamente?

O que ele quis dizer quando cantou: “Vem, vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecerpode ser entendido de acordo ao contexto de cada época, mas em um âmbito mais geral serve para qualquer pessoa que queira ter sucesso na vida.

O que representa as frases Caminhando e cantando e seguindo a canção Somos todos iguais braços dados ou não?

Caminhando e cantando e seguindo a canção / Somos todos iguais braços dados ou não: representa as passeatas que reuniam, em sua maioria, jovens que tinham consigo um desejo de mudança, ambições e sonhos, eram movidas a cartazes de protestos, a vozes gritantes que entoavam hinos e músicas.

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