“Elas não têm gosto ou vontade Show A aprovação da Lei Maria da Penha, em outubro de 2006, trouxe à tona à toda a sociedade o tema da violência doméstica. Resultado de diversas pressões sociais internas e externas ao país, tal lei é a primeira, no Brasil, que reúne aspectos civis, processuais e penais de modo a combater a prática de violência perpretrada por familiares ou por quem tem relações de intimidade às mulheres. 2. Estudo de gênero. Butler, então, invoca categorias foucaultianas para negar a duplicidade das categorias, que vem com um discurso heterossexista. Aponta a existência de gêneros, no plural, reltivizando então a concepção etnocêntrica de feminino/masculino como sendo os únicos gêneros possíveis, advindos do sexo biológico. “(...) de um sistema dicotômico de conceitos, quais sejam: ativo-passivo, reflexivo-emotivo, competente-sensitivo, poder-simpatia, objetivo-subjetivo, abstrato-contextualizado, orientado para os princípios-personalizados. Esses pares de conceitos são, a um só tempo, relacionados com o gênero e hierarquizados” . Infere-se, dessa forma, que se dividem homens e mulheres, rotulando-os com características pré-definidas, nitidamente hierarquizando-os: os primeiros são postos numa categoria superior, relegados à esfera
pública, enquanto as mulheres o são à esfera privada . Daí decorre a feição masculina do Direito: regulam-se, em especial do Direito Penal, “as relações de trabalho produtivo (...). A esfera da reprodução, da troca sexual de um casal, da procriação, da familia e da socialização primária, em outras palavras, a ordem privada, não é objeto do controle exercido pelo direito penal” . 3. Violência doméstica. “Se nos voltarmos para os debates sobre o fenômeno do poder, descobriremos logo que existe um consenso entre os teóricos políticos da esquerda e da direita de que a violência nada mais é do que a mais flagrante manifestação do poder”. Ainda, ao diferenciar a esfera pública e a privada, percebe a autora que “a vida privada se caracteriza pela desigualdade, pelo
comando de alguns – os cidadãos – sobre os demais (mulheres, filhos e escravos)” . É na esfera privada, doméstica, que predomina o uso da força. É um espaço sem liberdade, onde deve haver a dominação do senhor sobre os outros, sendo ele, o cidadão, livre na medida em que pode deixar o lar e entrar na vida pública; nunca, contudo, livre no âmbito doméstico, marcado pela violência. “Os agressores utilizam-se da relação de poder e da força física para subjugar as vítimas e mantê-las sob o jugo das mais variadas formas de violência. Assim, uma simples divergência de opinião ou uma discussão de somenos importância se transformam em agressões verbais e físicas, capazes de conseqüências danosas para toda a família” . Não se pode negar a relação entre a violência e os estigmas formados. O estigma, que era expresso na Grécia como um sinal que se fazia no corpo, fosse por meio de cortes ou de fogo, para marcar o traidor, o escravo, o criminoso, é essa forma de discriminação por meio de marcas. Segundo Goffman, a sociedade estabelece padrões, caracterizando grupos de pessoas onde se encontram determinadas características ou comportamento. Estes se tornam parte
do imaginário social, formando preconcepções que são transformadas em expectativas normativas. Denomina-se estigma, contudo, aquelas características que se referem “a um atributo profundamente depreciativo” . Pode-se relacionar o termo popularmente conhecido como preconceito , que denota um conjunto de opiniões formado previamente ao conhecimento individual. Rotula-se o grupo com determinações incontestáveis, beirando o natural. A relação violenta é inerente à própria concepção de estigma ou
preconceito. A desvalorização de certas características, consideradas inerentes a grupos específicos, resultam em desigualdade, medo e comportamento violento. A dominação dos grupos predominantes aos excluídos é o que caracteriza, em primeiro lugar, a noção de violência. A violência de gênero, portanto, não se limita a casos individuais e/ou isolados. Não se dá apenas em determinadas famílias, nem é privativa de determinadas classes
sociais ou nações . É um fenômeno generalizado e que atinge inúmeras mulheres em todo o mundo. “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. É importante distinguir violência contra a mulher de violência doméstica. Os tratados acima mencionados referem-se, de modo geral, às violências perpetradas contra as mulheres, o que Saffioti denomina violência de gênero. Esta abarca a violência doméstica, porém não é limitada a essa.
Na Convenção Interamericana, supracitada, dividem-se em três classificações, grosso modo, as violências contra a mulher: (1) as cometidas em âmbito familiar e/ou conjugal – a violência doméstica; (2) as compreendidas fora do espaço íntimo, como no trabalho, na escola, o tráfico de mulheres, a prostituição forçada; (3) e as cometidas ou toleradas pelo Estado ou seus agentes . “Estudos populacionais e em serviços indicam maior risco de agressão às mulheres por parte de pessoas próximas, como parceiros e familiares, do que por estranhos. A violência física na vida adulta vinda de um parceiro, por exemplo, que é a situação melhor estudada, atinge cerca de 20% a 50% das mulheres ao redor do mundo ao menos uma vez na vida”. Para definir o que é violência doméstica de forma mais clara, cite-se a Lei 11.340/06, a Lei Maria da Penha, que, em seu art. 5. °, diz o seguinte: Não obstante as dificuldades em se coletar dados e informações, tentam-se traçar perfis da vítima e do agressor, de modo a levar adiante o estudo complexo que é o da violência doméstica. Para tanto, há a necessidade de trabalho multidisciplinar, contando muitas vezes com dados de profissionais da saúde , já que é, devido aos fatores já mencionados, por vezes o único local
ao qual as vítimas desse tipo de violência recorrem. Nesses casos, a mulher não revela a real causa dos ferimentos, cabendo ao profissional de saúde lidar com a situação. “Entre os fatores que fazem parecer que a violência é própria da camada baixa está o ocultamento dos crimes pela camada alta, que recorre a advogados de renome e com habilidade”. Ainda sobre a afirmação, Blay ressalta que mesmo que em números absolutos a quantidade seja maior em classes baixas, proporcionalmente a classe mais
abastada, 1% da população, apresenta um significado semelhante. Mencionando a pesquisa da autora , a critério de comparação e complemento às feitas por Cavalcanti, cerca de 50% das mulheres assassinadas tinha entre 18 e 40 anos. Em aproximadamente metade dos casos, o homicídio se dá por alguém com relação íntima (marido, companheiro, namorado – atuais ou ex – ou parentes), o que revela que a violência doméstica muitas vezes ocasiona a morte da vítima. Quando a autora extrai algumas notícias dos
jornais, de nove casos citados, sete apresentam vínculo afetivo/familiar . 4. Aspectos jurídicos: a Lei Maria da Penha. “(...) tem por finalidade salvaguardar os interesses das vítimas de violência doméstica, possibilitando a aplicação de medidas efetivas de proteção e punir com mais rigor os agressores. Reuniu toda a legislação sobre a matéria, definindo o crime de forma adequada, estabelecendo procedimento especial para a tramitação das ações, a competência para processar e julgar, além de medidas de assistência e proteção às vítimas”. Em seu art. 5. º, supracitado, a Lei define o que é Violência Doméstica. A definição não limita o homem como agressor, nem relações heterossexuais, o que representa uma noção avançada de gênero . Embora a maioria das agressões, conforme demonstrado, se dê por homens, grande parte maridos ou companheiros, a Lei não limita a agressão doméstica a
esses casos. A definição se dá lendo o art. 5. º em conjunto com o art. 7. º, pois este define as formas de violência doméstica; interpretando os artigos conjuntamente, excluem-se as críticas de que a definição é por demais genérica e abrangeria qualquer crime ou ofensa contra a mulher; ora, os dois artigos definem que a violência doméstica é um dos tipos descritos no art. 7. º, quando em âmbito doméstico ou quando há relação familiar/afetiva entre a vítima e o agressor . 5. Considerações finais. Referências Bibliográficas. ALMEIDA, Ligia Martins de. Lei Maria da Penha: na imprensa, só estatísticas. Publicado no Observatória da Imprensa, 12/08/08. Disponível em <http://www.patriciagalvao.org.br/novo2/textoligiaalmeida8.htm> Acessado em 24/07/2009. ALMEIDA, Rosemary de Oliveira. Mulheres que matam. Universo Imaginário do Crime no Feminino. Rio de Janeiro, RJ: Relume Dumará: UFRJ, Núcleo de Antropologia da Política, 2001. ARENDT, Hannah. Sobre a Violência. 3.ª. Ed. Tradução de André Duarte. Rio de Janeiro, RJ: Relume Dumara, 2001. BARATTA, Alessandro. O paradigma do gênero. Da questão criminal à questão humana. Em: CAMPOS, Carmen Hein de (Org.) Porto Alegre: Sulina, 1999, p. 26. BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2003. _______________. Variações sobre Sexo e Gênero: Beauvoir, Wittig e Foucault. Em: BENHABIB, Seyla. CORNELL, Drucilla. (Coord.). Feminismo como Crítica da Modernidade. Releitura dos Pensadores Contemporâneos do Ponto de Vista da Mulher. CAVALCANTI, Stela V. S. F. Violência Doméstica. Análise da Lei “Maria da Penha”, n. º 11.340/06. Salvador: Ed. Podivm, 2007. DESLANDES, Suely. GOMES, Romeu. SILVA, Cosme Marcelo Furtado Passos da. Caracterização dos casos de violência doméstica contra a mulher atendidas em dois hospitais públicos do Rio de Janeiro. Cad. Saúde Pública, vol. 16, n. 1, Rio de Janeiro, RJ, Jan./Mar. 2000. 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-Falta de equipe multidisciplinar: Em casos de violência física, é necessário realizar exame de corpo de delito. Muitas vezes a vítima é atendida por peritos, o que causa um constrangimento nas mulheres. - Inseguranças na hora de registrar a ocorrência.
Qual a importância de ter a Lei Maria da Penha?Não é simples identificar o que é violência, inclusive pela própria vítima. A Lei Maria da Penha representou um importante marco jurídico na defesa dos direitos das mulheres brasileiras, por tratar de forma integral o problema da violência doméstica.
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