Quais os requisitos necessários para que um Estado seja reconhecido como tal pela comunidade internacional?

REVISTA JURÍDICA DIREITO & PAZ. ISSN 2359-5035

SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO: UM PROCESSO EVOLUTIVO DE RECONHECIMENTO

SUBJECTS OF PUBLIC INTERNATIONAL LAW: AN EVOLVING PROCESS OF RECOGNITION

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Artigo recebido em 22/01/2018 Revisado em 28/02/2018
Aceito para publicação em 03/03/2018

Ana Carolina Souza Fernandes
Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)

Vladmir Oliveira da Silveira
Pós-Doutor pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutor e Mestre em Direito pela PUC/SP.
Professor de Direito na PUC/SP. Professor Titular de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo principal tratar do processo de reconhecimento dos sujeitos de direito internacional público. É sabido que, por suas próprias características, o Estado é, por excelência, sujeito originário do direito internacional público. Porém, a partir do século XX, organizações internacionais passam a contracenar com o Estado, para fins de se atingir a finalidade para a qual a Organização das Nações Unidas fora criada em 1945, no Pós-Segunda Guerra Mundial. Estes, em conjunto, formam atualmente os chamados sujeitos de direito internacional público, porquanto criam direitos e obrigações na ordem internacional. Porém, o Direito Internacional em sentido lato, como em qualquer outro ramo do Direito, acompanha o processo evolutivo da sociedade e, portanto, não se pode querer restringir o alcance ou os destinatários das leis internacionais. Neste contexto, sob uma perspectiva bibliográfica doméstica e internacional, como também jurisprudencial, utilizando- se do método dedutivo de pesquisa, perquirir-se-á neste artigo somente acerca do processo evolutivo de reconhecimento dos sujeitos de direito internacional público.

PALAVRAS-CHAVE: Sujeitos de Direito Internacional Público. Reconhecimento Internacional. Direito Internacional Público. Direitos Humanos Fundamentais. Teoria da Democracia. Estado Constitucional Cooperativo.

ABSTRACT: This article has as its central object to deal with the process of recognition of the subjects of public international law. It is known that by its own characteristics, the state is, per excellence, ordinary subject of public international law. But from the twentieth century, international organizations have begun to act along with States, as a result of achieving the purpose for which the United Nations was created in 1945, in the Post-World War II. These two together form the so-called subject of public international law, since both create rights and obligations in the international order. The fact is that International Law in the broad sense, as in any other branch of law, follows the evolutionary process of society and, therefore, it may not want to restrict the scope or subjects of international law. In this context, under domestic and international literature perspective, as well as case law studies, using the deductive method of research, this article aims to assert only about the evolutionary process of recognition of subjects of public international law.

KEYWORDS: Subjects of Public International Law. International Recognition. International Public Law. Fundamental Human Rights. Democracy Theory. Cooperative Constitutional State.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Uma Breve Análise da Diferenciação entre Sujeito de Direito Internacional e Sujeito de Direito Internacional Público. 3 Os Sujeitos de Direito Internacional Público. 3.1. Estados Soberanos. 3.2. Organizações Internacionais. 4. O Possível Reconhecimento Internacional de Outros Sujeitos de Direito Internacional Público. Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Assim como ocorre no Direito doméstico, o Direito Internacional também reconhece que para ser um sujeito de direito é imprescindível a existência de personalidade, traduzida na ideia de capacidade de possuir direito, deveres e obrigações, respectivamente, na ordem civil e na ordem internacional. Para os fins do presente artigo, nos interessam aqueles sujeitos que possuem direitos e obrigações internacionais (os sujeitos de direito internacional) e aqueles sujeitos que criam direitos e obrigações para os sujeitos de direito internacional, por possuírem capacidade para firmar tratados internacionais (os sujeitos de direito internacional público).

Por suas próprias características e elementos constitutivos (povo, território e soberania), de acordo com a teoria clássica do Estado-Nação, bem como a natureza do sistema internacional, os Estados são exemplos de sujeitos originários de direito internacional público por excelência, como decorrência do princípio da igualdade soberana. Este princípio, surgido no Tratado da Paz de Vestefália e consolidado no Concerto Europeu, não mais é do que reconhecer a horizontalidade das relações estatais, na qual cada Estado-Nação, dentro da perspectiva da Teoria Geral do Estado, goza de determinados direitos intrínsecos à soberania.

Este entendimento, todavia, se viu alterado a partir do século XX, com a substituição da Liga das Nações pela Organização das Nações Unidas, em 1945, no Pós-Segunda Guerra Mundial. Mais que isso, para transformação teórica necessária após os horrores da Segunda Guerra Mundial, se fez fundamental proteger o indivíduo, inclusive contra o seu próprio Estado. Para tanto, construiu-se a Teoria da Democracia que visa tutelar e proteger o indivíduo, além da tutela doméstica.

Pelo constante no preâmbulo de sua carta constitutiva (Carta de São Francisco), os Estados, em conjunto, decidiram estabelecer uma organização internacional denominada Nações Unidas, com vistas a preservar novas gerações decorrentes dos flagelos da guerra. Enquanto entidade internacional e com vocação política universal, seus principais objetivos são manter a paz e segurança internacionais.

Instituiu-se um importante marco para o direito internacional público, erigindo-o a uma disciplina jurídica autônoma e de extrema relevância para lidar com os correntes e vindouros problemas globais. O Direito Internacional em sentido lato, como em qualquer outro ramo do Direito, deve acompanhar o processo evolutivo da vida em sociedade.

Os sujeitos de direito internacional público não podem e nem devem ser entendidos como taxativos ou exaustivos em si mesmos, sob pena de engessamento, mesmo que classicamente só se admitam os Estados. Se assim fosse, a União Europeia ou o Mercosul, por exemplo, jamais poderiam celebrar tratados internacionais porquanto não são enquadrados no conceito de Estado.

Ato contínuo, tem-se o aparecimento de um sub-ramo do direito internacional denominado Direito Internacional dos Direitos Humanos, com vistas a proteger – universal ou regionalmente – os direitos pertencentes ao ser humano e, em última análise, garantir direitos que possibilitem ao indivíduo a viver de forma minimamente digna. Por tais razões é que se buscou diferenciar tais sujeitos dos sujeitos de direito internacional público. Em outras palavras, o indivíduo (ser humano) só passou a ser sujeito de direito internacional (com direitos e obrigações internacionais), a partir do momento que se reconheceram as organizações internacionais como sujeitos de direito internacional público, capazes de firmar tratados internacionais e garantir direitos.

Por conta do exposto, far-se-á uma análise doutrinária e jurisprudencial, utilizando-se do método dedutivo de pesquisa, acerca do processo evolutivo de reconhecimento dos sujeitos de direito internacional público. Há alguma limitação legal que restrinja o reconhecimento de outros sujeitos de direito internacional público que não somente os Estados e as Organizações Internacionais?

Para que a problemática seja respondida, o presente artigo foi estruturado da seguinte forma. Em um primeiro momento, há que se fazer uma breve análise sobre a diferenciação conceitual entre sujeitos de direito internacional e sujeitos de direito internacional público. Em um segundo momento, será tratado o reconhecimento – tanto material quanto formal – dos sujeitos de direito internacional público. E, em um terceiro momento, será abordada a possibilidade de se reconhecer outros sujeitos de direito internacional público.

2 UMA BREVE ANÁLISE DA DIFERENCIAÇÃO ENTRE SUJEITO DE DIREITO INTERNACIONAL E SUJEITO DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

Antes de prosseguir com o presente artigo, faz-se necessário analisar uma questão que é pouco debatida pela doutrina nacional e que geralmente é tratada como sinônimo, causando confusão quanto ao seu alcance específico. Referimo-nos à diferenciação entre direito internacional e direito internacional público e, consequentemente, o conteúdo de cada um, bem como seus sujeitos, ou seja, quem são os destinatários dos direitos e obrigações na seara internacional.

A expressão “direito internacional” foi utilizada pela primeira vez por Jeremy Bentham, em 1789, em sua obra An Introduction to the Principles of Morals and Legislation, opondo-se às expressões jus gentium e ao law of nations. O jus gentium era um conjunto de normas do Direito Romano aplicáveis aos estrangeiros em suas relações – notadamente comerciais – com o povo romano, ou, nos dizeres de Slim Laghmani (LAGHMANI, 2003, p.11), o jus gentium regulava as relações entre diferentes gentes1, ou seja, de diferentes nacionalidades. O jus gentium era, em última análise, o direito aplicado a estrangeiros dentro do território romano e se contrapunha ao jus civile, que correspondia ao conjunto de normas e instituições voltadas exclusivamente aos cidadãos romanos. Não se tratava, pois, de um direito internacional propriamente dito com os contornos atualmente conhecidos.

Por sua vez, a expressão law of nations foi alcunhada por Emer de Vattel (VATTEL, 2004, XLVII), em sua obra Le Droit des Gens, ou Principes de La Loi Naturelie, Appliques à la Conduite et aux Aifaires des Nations et des Souverains 2, em um contexto histórico de transição que teve como pano de fundo a formação e consolidação de Estados nacionais com o final da guerra dos trinta anos e a Paz de Vestefália. Consolidam-se algumas características do Estado3, a saber: (i) o princípio da igualdade jurídica entre os Estados, porquanto instituições dotadas de soberania e (ii) o princípio de não intervenção em assuntos internos.

Para Vattel (VATTEL, 2004, LXXI-LXXII), o law of nations era equivalente a uma ciência do direito que, diferentemente do jus gentium, designava um direito comum a todos os homens decorrente da lei da natureza4. Assim, também não há que se falar em direito internacional, muito embora se entende que é a partir dos princípios acima referidos que se formam as bases para o que é o direito internacional na atualidade.

1 No original: “le jus gentium qui réglait les rapports entre les différents gentes”.
2 Vale dizer que na versão em inglês Le Droit des Gens é traduzido como Law of Nations e na versão em português como O Direito das Gentes, que, por vezes, é utilizado como sinônimo de direito internacional público (ACCIOLY, 1993:1 e CUNHA, 1993:15, por exemplo).
3 “§ 4°. COMO SE CONSIDERAM AS NAÇÕES OU ESTADOS: Desde que as Nações são compostas de homens, que por sua natureza são livres e independentes, e que antes do estabelecimento das sociedades civis viviam juntos no estado de natureza, as Nações ou Estados soberanos devem ser considerados também como pessoas livres que vivem juntas em estado de natureza. Prova-se em direito natural que todos os homens recebem da natureza uma liberdade e uma independência que não podem perder senão por consentimento deles próprios. Desse direito os cidadãos não usufruem plena e absolutamente no Estado porque eles o submeteram em parte ao soberano; mas o corpo da Nação, o Estado, desde que não esteja voluntariamente submetido a outras Nações, permanece absolutamente livre e independente em relação a todos os demais homens e Nações estrangeiras”.
4 “§ 3°. DEFINIÇÃO DO DIREITO DAS GENTES: O objetivo desta obra é estabelecer solidamente as obrigações e os direitos das Nações. O direito das gentes é a ciência do direito que tem lugar entre Nações ou Estados, assim como das obrigações correspondentes a esse direito. Será visto neste tratado de que maneira os Estados, como tais, devem regular as suas atividades. Avaliaremos as obrigações de um povo para consigo mesmo e para com os demais, e, desse modo, consideraremos os direitos resultantes dessas obrigações. Pois não sendo o direito senão a faculdade de fazer o que é moralmente possível, ou seja, o que é bom em si, o que é conforme ao dever, é evidente que o direito nasce do dever, ou da obrigação passiva, da obrigação de agir desta ou daquela maneira. É pois necessário que uma Nação conheça as suas obrigações, não somente para evitar transgredir os seus deveres, mas também para conhecer com precisão os seus direitos, ou aquilo que possa legitimamente dos outros exigir”.

O law of nations de Vattel passou por uma reanálise de conteúdo, porquanto não refletia exatamente o estudo da relação entre Estados soberanos e sim entre os indivíduos e os Estados. Neste desiderato, Bentham, pretendeu criar uma disciplina autônoma em que há a personificação do Estado como um agente moral (DEUCHARS, 2014, p. 11), na qual a lei emanaria dos Estados e não dos indivíduos: nasce a ideia de direito internacional. Assim, é em Bentham que se atribui o surgimento da expressão “sociedade internacional”, formada inicialmente por Estados soberanos. Por tal razão, é que se diz que os Estados soberanos são, de forma inquestionável, sujeitos primeiros – ou por excelência – de direito internacional.

Adicionalmente, a expressão “direito internacional”5 foi uma forma de distinguir este do chamado direito nacional ou interno, cuja principal fonte é a lei editada pelo Estado, conforme procedimentos específicos, que têm vigência e eficácia nos limites do território nacional e através do qual se busca um controle social (BOBBIO, 2011, p.102). Depreende- se, pois, que o direito interno condiciona seus destinatários aos ditames contidos em suas normas, sob pena de sanção, por meio de uma estrutura bem definida, correspondente aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (estrutura vertical). Já no clássico plano internacional não existe autoridade superior nem milícia permanente. Os Estados se organizam horizontalmente, e dispõem-se a proceder de acordo com normas jurídicas na exata medida em que estas tenham constituído objeto de seu consentimento (REZEK, 2010, p.1).

Mas, afinal, o que vem a ser direito internacional? E o que o diferencia do direito internacional público? Celso D. de Albuquerque Mello (MELLO, 2001, p.67) esclarece que sua definição depende do critério que se tome como ponto de partida. E esse ponto de partida pode levar em consideração diversos critérios como, por exemplo, evolução histórica, fontes, fundamentos, dentre outros. Por isso que não há classificação certa ou errada, mas útil e inútil.

5 Em sua obra, Bentham explica o porquê da expressão “direito internacional” nos seguintes termos: “The word international, it must be acknowledged, is a new one; though, it is hoped, sufficiently analogous and intelligible. It is calculated to express, in a more significant way, the branch of law which commonly goes under the name of the law of nations: an appellation so uncharacteristic that, were it not for the force of custom, it would seem rather to refer to internal jurisprudence. The chancellor D’Aguesseau has already made, I find a similar remark: he says, that what is commonly called droit des gens, ought rather be termed droit entre les gens” (BENTHAM, 1984:nota de rodapé).

Porém, o que se percebe é uma recorrente utilização de ambas as expressões como sinônimas, sem se atentar ao fato da existência, por exemplo, do direito internacional privado que abrange a disciplina de 04 (quatro) matérias distintas: a nacionalidade; a condição jurídica do estrangeiro; o conflito de leis e o conflito de jurisdições (DOLINGER, 2003, p.1). Assim, este ramo do direito busca estabelecer regras peculiares concernentes às relações de direito privado, em havendo conexão internacional (RECHSTEINER, 2008, p.1-3).

A despeito desta pequena digressão, voltemos ao cerne do presente item. É possível entender o direito internacional com certa abrangência, ou seja, como um conjunto de regras e princípios de aplicação geral que tratam da conduta dos Estados e das organizações intergovernamentais e suas relações entre si, bem como com algumas de suas relações com pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas6 (McKEEVER, online). Ou também como o conjunto de normas jurídicas que regulam as relações mútuas dos Estados e, subsidiariamente, as das demais pessoas internacionais, como determinadas organizações, e dos indivíduos (ACCIOLY, 1993, p.4). Tem sua origem quando se estabelecem relações com certa estabilidade entre grupos com poder de autodeterminação (TRUYOL Y SERRA, apud LITRENTO, 1997, p.18).

Por outro lado, se o ponto de partida se resumir tão somente à atuação e vontade dos Estados, o direito internacional público pode ser entendido como um conjunto de normas jurídicas que regem as relações entre todos os componentes da sociedade internacional (CUNHA, 1993, p.15). Ou, é o conjunto de normas que regula as relações externas dos atores que compõe a sociedade internacional (MELLO, 2001, p.48). Tem-se que o direito internacional público está de certa forma relacionado com uma sociedade que esteja politicamente organizada.

Verifica-se, pois, que o direito internacional contemporâneo permite que outros atores sejam considerados sujeitos de direito internacional, tal como o indivíduo, organizações não estatais, empresas, etc. Isso porque, à medida que se reconhecem as organizações internacionais como sujeito de direito internacional público, possibilita-se o reconhecimento do indivíduo, por exemplo, também como sujeito de direito internacional.

Em se tratando do direito internacional público, seus sujeitos e objeto de estudo são mais restritos, limitando-se a primeiramente reconhecer os Estados e, em um segundo momento, as organizações internacionais, como resultado das Convenções de Viena de 1969 e de 1986, respectivamente, que serão tratadas nos itens a seguir.

6 No original: “International law, as used in this Restatement, consists of rules and principles of general application dealing with the conduct of states and of international organizations and with their relations inter se, as well as with some of their relations with persons, whether natural or juridical”.

A justificativa que convém demonstrar para essa diferenciação é pautada pelos conceitos de personalidade e capacidade internacionais. Com exceção dos Estados, enquanto sujeitos originários, e das organizações internacionais, enquanto sujeitos derivados da vontade dos Estados, os demais (como, por exemplo, organizações não estatais, indivíduos, empresas) não têm o poder de criar normas na seara do direito internacional público, tampouco recorrer a foros internacionais e, principalmente, criar e garantir direitos por meio da celebração de tratados internacionais.

Esse entendimento não é de todo pacífico na literatura pátria, na medida em que há quem defenda que a sociedade internacional evoluiu, e, portanto, novos atores contracenam com os protagonistas do direito internacional público. Paulo Henrique Gonçalves Portela (PORTELLA, 2016, p.170) defende que indivíduos, empresas e ONGs possuem personalidade jurídica internacional, não obstante não reúnam todas as prerrogativas dos Estados e organismos internacionais. Inclusive, o mesmo autor (PORTELLA, 2016, p.170) argumenta que a falta de personalidade e capacidade internacionais não justificaria a exclusão, principalmente porque a legislação internacional permite aos indivíduos, por exemplo, recorrer a certos foros internacionais. Todavia, é por tal razão que indivíduos, por exemplo, são considerados sujeitos de Direito Internacional (e não sujeitos de Direito Internacional Público).

São essas nuances que causam a confusão em torno de quem seriam os sujeitos de Direito Internacional e os sujeitos de Direito Internacional Público. De fato, a sociedade internacional evoluiu e novos atores passam a fazer parte do cenário internacional. Mas tal fato, por si só, não inclui os indivíduos, as empresas e as organizações não governamentais como sujeitos de Direito Internacional Público (e sim como sujeitos de Direito Internacional).

Os sujeitos de Direito Internacional Público são os Estados e as organizações internacionais. No caso dos Estados, pelas razões já expostas, pelas suas próprias características são sujeitos por excelência de Direito Internacional Público. Por sua vez, as organizações internacionais foram materialmente consideradas sujeitos de Direito Internacional Público a partir do reconhecimento dos Estados, para, dentre outros objetivos, elaborar normas e garantir direitos fundamentais no âmbito internacional 7.

7 De fato, os direitos humanos eram considerados tão somente expectativas e não direitos positivos. Estes serão efetivamente direitos a partir do momento em que as organizações internacionais são reconhecidas formal e materialmente como sujeitos de direito internacional público.

Note-se que após a Segunda Guerra Mundial, observou-se que o Estado-Nação era um grande garantidor, mas também um grande violador de direitos. E para se proteger, a sociedade, principalmente o indivíduo nos momentos mais dramáticos, entendeu-se necessária a tutela complementar das organizações internacionais, que possuíam até então uma atuação demasiadamente política, mas não jurídica.

Todavia, importante destacar, em sentido contrário, o pensamento de Francisco Rezek. Para o autor (REZEK, 2010, p.159), o acesso ao foro internacional não decorre exclusivamente do fato de se ter uma condição de indivíduo; mas pela existência de um vínculo jurídico entre este e o Estado. Assim, os raríssimos foros internacionais acessíveis a indivíduos – ou mesmo a empresas – são-no em virtude de um compromisso estatal tópico, e esse quadro pressupõe a existência, entre o particular e o Estado co-patrocinador do foro, de um vínculo jurídico de sujeição, em regra o vínculo de nacionalidade. Por outro lado, é ilusória a ideia de que o indivíduo tenha deveres diretamente impostos pelo direito internacional público, independentemente de qualquer compromisso que vincule seu Estado patrial, ou seu Estado de residência.

É verdade que a dinâmica da sociedade internacional não justifica um engessamento. Entretanto, convém esclarecer que não há que se confundir o escopo de estudo do Direito Internacional Público e do Direito Internacional. Se o Direito Internacional tem sua matriz histórica nos costumes, a partir das grandes navegações, que tornaram mais complexas as relações entre os Estados soberanos; o Direito Internacional Público, por outro lado, tem sua origem, principalmente, a partir do surgimento das primeiras organizações internacionais e do processo de codificação do Direito Internacional.

3 OS SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

É importante fazer um destaque a respeito do tema no âmbito doméstico antes de adentrarmos na seara internacional. O ordenamento jurídico brasileiro expressamente concede poder ao Estado para fins de representação perante a sociedade internacional e às organizações internacionais de modo geral, porquanto pessoas detentoras de personalidade e capacidade jurídicas internacionais derivadas da vontade dos Estados.

Para tanto, basta a leitura do artigo 42 do Código Civil que dispõe que “são pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público”. Via de regra, a própria legislação pátria exclui, por exemplo, os indivíduos e outras organizações não estatais como sujeitos de Direito Internacional Público. Ato contínuo, a Constituição Federal de 1988 determina que compete privativamente ao Presidente da República, enquanto chefe de Estado, “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional” (artigo 84, inciso VIII).

Portanto, é com base nessas premissas que passamos agora a tratar do reconhecimento internacional dos sujeitos de Direito Internacional Público – tanto material quanto formal –, a saber: os Estados e as organizações internacionais.

3.1. Estados Soberanos

A Liga das Nações, antecessora da Organização das Nações Unidas (“ONU”), foi criada em 1919, sob o Tratado de Versalhes, documento que oficialmente encerrou a Primeira Guerra Mundial. A ideia por detrás da criação desta organização internacional teve origem nos Quatorze Pontos de Woodrow Wilson que advogava que a Europa somente se reconciliaria se as Nações se associassem para manter a paz. Este tratado foi entendido como uma nova era da diplomacia mundial, muito embora não tenha sido assinado pelos Estados Unidos, por falta de apoio no Congresso.

Todavia, o término da Liga das Nações se dá ao fato de que os protagonistas de sua criação não cumpriam as determinações estipuladas por eles mesmos. Por exemplo, o artigo 11 de seu tratado constitutivo dispunha que “qualquer guerra ou ameaça de guerra é um assunto que diz respeito à Liga e a Liga deverá tomar as devidas medidas que salvaguardem a paz”, o que não ocorreu tendo em vista a eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Não obstante, o desgaste nas relações durante as negociações do Tratado de Versalhes, o crescente sentimento nacionalista de algumas Nações europeias (por exemplo, na Itália), o peso das responsabilidades alemãs no pós-guerra (principalmente financeira), a Revolução Russa, a incapacidade de resolver pequenos conflitos na Europa, como foi o caso da Manchúria, da Abissínia (atual Etiópia), da Renânia, dentre outros, podem ser apontados como causas que levaram à substituição da Liga das Nações pelas ONU.

A discussão sobre a criação dessa nova organização internacional teve início a partir da Carta do Atlântico (1941)8, prosseguiu durante a Conferência de Moscou (1943)9 e foi concluída com a Conferência de Dumbarton Oaks e Yalta (1944-1945). Inclusive, foi nesta última Conferência que se alcunhou pela primeira vez oficialmente a expressão “Nações Unidas” e se estabeleceram os propósitos e princípios que seriam incluídos na Carta das Nações Unidas, por meio da Conferência de São Francisco (1945), também conhecida como seu tratado constitutivo.

Nesse sentido, a Carta das Nações Unidas10 reconheceu materialmente o Estado como sujeito de direito internacional público, principalmente ao estabelecer que: (i) a ONU “é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros” (artigo 2°, item 1) e (ii) a ONU não intervirá “em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução” (artigo 2°, item 7).

Vale dizer que a Carta das Nações Unidas não foi o primeiro documento a efetuar esse reconhecimento. Antes disso, a Convenção sobre Direitos e Deveres dos Estados e sobre Asilo Político (1933)11 já predispunha em seu artigo 1° que: “O Estado como pessoa de Direito Internacional deve reunir os seguintes requisitos: I. População permanente; II. Território determinado; III. Governo; IV. Capacidade de entrar em relações com os demais Estados”. Depreende-se, pois, que o Estado, sujeito originário de direito internacional público, ostenta três elementos conjugados: uma base territorial, uma comunidade humana estabelecida sobre essa área, e uma forma de governo não-subordinado a qualquer autoridade exterior (REZEK, 2010, p.163).

8 Este documento não é, de fato, um tratado internacional para fins de criação de uma organização internacional, mas um gentleman’s agreement (acordo de cavalheiros), ou seja, uma declaração de vontades entre os Estados Unidos e o Reino Unido, na qual ambos os chefes de Estado “julgaram conveniente tornar conhecidos certos princípios comuns da política nacional dos seus respectivos países, nos quais se baseiam as suas esperanças de conseguir um porvir mais auspicioso para o mundo”.9 O item 4 desta Conferência estabelece que os Estados: “reconhecem a necessidade de se estabelecer uma data o quanto possível para a criação de uma organização internacional geral, baseada no princípio da igualdade soberana de todos os amantes da paz, e aberto à participação de todos esses Estados, grandes ou pequenos, para a manutenção da paz e da segurança internacionais”.10 Incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n. 19.841, de 22 de outubro de 1945.11 Incorporada ao ordenamento jurídico pelo Decreto n. 1.570, de 13 de abril de 1937.

Por outro lado, à ONU é conferida e reconhecida materialmente, no momento de sua criação, personalidade e capacidade jurídicas internacionais (o que não deve ser confundida com soberania, elemento exclusivo dos Estados), posto que sem esses atributos restaria impedida de realizar as funções para as quais foi criada e à realização de seus propósitos, nos termos dos artigos 2° e 1°, respectivamente. Assim, a ONU, como qualquer outra organização internacional criada ou a ser criada, é uma entidade composta por Estados por meio de tratado, com arcabouço institucional permanente e personalidade jurídica própria, com vistas a alcançar propósitos comuns. Contam com ampla capacidade de ação no cenário internacional e, por isso, são reconhecidas como sujeitos de Direito Internacional Público, podendo, por exemplo, celebrar tratados12 e recorrer a mecanismos internacionais de soluções de controvérsias (PORTELA, 2016, p.172).

São, portanto, consideradas sujeitos de Direito Internacional Público derivado (da manifestação de vontade dos Estados em lhe conferir este caráter), porquanto são os Estados que estabelecem os limites de sua atuação, ou seja, sua natureza, seus propósitos e seus poderes. A esse respeito também cumpre informar que o reconhecimento material da ONU como sujeito de direito internacional público pode ser encontrada, igualmente, na jurisprudência internacional da Corte Internacional de Justiça (“CIJ”).

Em sede de parecer consultivo no caso conhecido como Reparação de Danos Sofridos a serviço das Nações Unidas, datado de 1949, a CIJ considerou que a ONU era uma pessoa internacional, embora não um Estado e, portanto, não possui os mesmos direitos e deveres deste. Argumenta que suas funções e poderes são tão importantes que a ONU não poderia alcançá-los se não tivesse algum grau de personalidade internacional. De fato, a ONU pode praticar atos jurídicos, tais como celebração de acordos com Estados-membros e com outras organizações internacionais, contratos e recorrer a tribunais internacionais. Tal capacidade para praticar esses atos decorre, ou, ao menos, é um pré-requisito da personalidade jurídica internacional13.

3.2. Organizações Internacionais

12 É o caso, por exemplo, do Acordo de Sede (1947) celebrado entre a ONU e os Estados Unidos, o que reitera, em nosso entendimento, o reconhecimento material da ONU como sujeito de direito internacional público.13 A íntegra do caso pode ser encontrado no seguinte sítio eletrônico: <http://www.icj- cij.org/docket/index.php?p1=3&p2=4&k=41&case=4&code=isun&p3=4>. Acesso em 04 de junho de 2016.

Por muito tempo, o costume era a fonte mais comum do direito internacional público, ou seja, a forma pela qual se fundamentava a obrigatoriedade no cumprimento do que foi estipulado entre os Estados na seara internacional. Tal cenário foi alterado a partir em 1920, com a promulgação do estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional e, posteriormente, substituído pelo estatuto da CIJ, em 1946, instituindo os tratados internacionais como consequência do processo de codificação do direito internacional público, além de importante fonte do direito internacional público, ao lado dos costumes e dos princípios gerais de direito14.

Vale ressaltar que antes mesmo do advento das Convenções de Viena, o continente americano pode ser considerado pioneiro na tentativa de regulamentar o direito dos tratados. Por ocasião da Sexta Convenção Internacional Americana (1928) foi firmada a Convenção de Havana sobre Tratados, contendo 21 (vinte e um) artigos com vistas a estabelecer regras que devem reger os tratados celebrados entre os Estados-membros, tais como ratificação, interpretação, entrada em vigor, denúncia, etc., sendo ratificada por 20 (vinte) Estados, incluindo o Brasil15. No entanto, referida Convenção tinha um alcance mais regional do que global e, talvez, por essa razão, não obteve os efeitos esperados.

Entre 1966 e 1968, foi submetido à Assembleia Geral da ONU um projeto de artigos sobre o Direito dos Tratados, que acabou originando a primeira Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969)16. Nesse primeiro momento, a Convenção de 1969 voltava-se apenas aos Estados (artigo 1°), considerados como os únicos atores no cenário internacional, porquanto, reitera-se, serem sujeitos de Direito de Internacional Público por excelência. Todavia, referida Convenção somente entrou em vigor em 1980, depois de cumprido o requisito para sua validade, ou seja, “no trigésimo dia que se seguir à data do depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou de adesão”, nos termos de seu artigo 84.

A contemporaneidade proporcionou o surgimento de outras entidades jurídicas internacionais, cuja participação as elevou, igualmente, como sujeitos de Direito Internacional Público. Sendo assim, em 1986, uma segunda Convenção de Viena sobre o Direito dos

14 Ao se referir à jurisprudência e à doutrina, o estatuto da CIJ as definem como “meios auxiliares” para a determinação do direito. No mesmo sentido, ao tratar da equidade (“ex aequo et bono”), o estatuto da CIJ adverte que assim o será se e somente se as partes envolvidas estiverem de acordo. Portanto, sua aplicação dependerá da manifestação expressa das partes envolvidas, não sendo mandatória de plano.
15 Incorporada ao ordenamento jurídico por meio do Decreto n. 18.956, de 22 de outubro de 1929.
16 Incorporada ao ordenamento jurídico por meio do Decreto n. 7.030, de 14 de dezembro de 2009.

Tratados (1986)17 foi elaborada, incluindo em seu rol as organizações internacionais, estabelecendo em seu artigo 1° que a Convenção aplica-se: (i) a tratados entre um ou mais Estados e uma ou mais organizações internacionais; e (ii) a tratados entre organizações internacionais.

Acerca das Convenções, Antônio Augusto Cançado Trindade (TRINDADE, 2003, p.185) sintetiza da seguinte forma: os principais dispositivos dos dois tratados deixam bem clara a congruência existente entre elas. O artigo 1° de cada uma, por exemplo, cuida da competência em razão da pessoa (ratione personae), ou seja, delimita quais os sujeitos de direitos obrigados por suas normas. No caso da Convenção de 1969, o texto é claro ao mencionar somente os Estados. Já a Convenção de 1986 menciona duas hipóteses: tratados celebrados entre Estados e organizações internacionais e tratados celebrados entre organizações internacionais. O artigo 2° de ambas as convenções, por sua vez, cuida da competência ratione materiae, definindo o que se deve entender por “tratado”. A Convenção de 1969 define “tratado” como acordo por escrito entre dois ou mais Estados. A definição da Convenção de 1986 é quase idêntica: “tratado” é acordo por escrito entre um ou mais Estados e uma ou mais organizações internacionais ou entre organizações. Da mesma forma, o artigo 4° dos dois instrumentos jurídicos internacionais cuida da competência ratione temporis, prescrevendo a aplicação da convenção desde o momento em que esse texto legal entrou em vigor para o Estado que a assinou, no caso da Convenção de 1969, ou ainda desde o momento em que a organização a assinou, no caso da Convenção de 1986.

17 Não obstante, a Convenção de 1986 ainda não encontrou vigência na ordem interna, porquanto somente em 2015, o Ministério das Relações Exteriores se manifestou no sentido de sua ratificação, argumentando interesse de política externa, “na medida em que dará maior segurança jurídica à assinatura e implementação de acordos entre o País e as Organizações Internacionais. Com a ratificação, o crescimento da participação do Brasil nos foros multilaterais, que se reflete no aumento do número de atos firmados com esses organismos, será fortalecido do ponto de vista jurídico-institucional, consolidando, ademais, a posição do país na codificação do Direito Internacional”. Disponível em: <www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=1427770>. Acesso em 04 de junho de 2016. Todavia, há que frisar que a assinatura constitui aceite precário e permite o tratado internacional ser usado no ordenamento pátrio como costume internacional, exatamente como vem sendo utilizado e como também foi utilizada a Convenção de 1969 antes da promulgação do seu reconhecimento formal no Brasil.

De toda forma, para Cláudio Finkelstein (FINKELSTEIN, 2010, p.144), a Convenção de Viena é um marco na codificação do direito internacional, com o fim de reger o destino de todos os demais tratados entre Estados. Representou o coroamento de 20 (vinte) anos de estudos e debates na Assembleia Geral e na Comissão de Direito Internacional da ONU. Representa o repertório mais completo e orgânico das normas geralmente consagradas nesta matéria e ponto de referência natural no tratamento do assunto, mesmo para os Estados que dela não são partes.

Reconhece-se e consagra-se, assim, formalmente tanto os Estados (em 1969) quanto as organizações internacionais (em 1986), como sujeitos de Direito Internacional Público, a partir da promulgação das referidas Convenções de Viena. Por outro lado, antes disso, reconhecem-se e consagram-se materialmente os Estados e as organizações internacionais a partir da Carta de São Francisco (em 1945) e, posteriormente, a jurisprudência da CIJ, de 1949, reitera a personalidade e capacidade jurídicas internacionais das organizações internacionais.

4 O POSSÍVEL RECONHECIMENTO INTERNACIONAL DE OUTROS SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

Este último tópico tem como intuito tratar do reconhecimento de entidades especiais como sujeitos de direito internacional público. São elas: a Ordem de Malta e a Santa Sé.

A Ordem Soberana e Militar Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta, também conhecida simplesmente como Ordem de Malta, foi fundada durante as Cruzadas à Terra Santa como uma associação militar e médica (McKEEVER, online). Atualmente, é uma organização internacional humanitária, de origem cristã, a qual, dotada de status extraterritorial (tal como ocorre, por exemplo, com representações diplomáticas), estabeleceu bases em Roma, desde 1834.

Fato é que a Ordem de Malta foi reconhecida como sujeito de direito internacional público em meados do século XVI, em um contexto histórico e jurídico completamente diferente do que, hoje, se entende como tal, conforme explicamos ao longo do presente artigo. Antes da invasão de Malta e a decisão do Congresso de Viena de 1814, reconhecendo Malta como território britânico, não havia qualquer discussão acerca de eventual personalidade jurídica internacional desta organização (IVANOV, 2014, p.7)18.

18 Importante mencionar que mesmo a Ordem de Malta tenha perdido seu território para o Reino Unido, a Ordem em si manteve sua soberania, na medida em que fez com que a Ordem voltasse às suas origens iniciais. Para maior aprofundamento, ver: (IVANOV, 2014:4-10).

Contudo, em virtude de atos de reconhecimento, os Estados acabaram por expressar suas posições em 02 (dois) importantes aspectos: 1. A ausência de um território não é mandatório para a Ordem de Malta obter personalidade jurídica internacional; e 2. O reconhecimento se deve às condições históricas diferenciadas e para propósitos outros que não os propósitos de um Estado (IVANOV, 2014, p.9), ou seja, a característica inicial humanitária religiosa (de origem católica) da Ordem de Malta e não por esta ser efetivamente um Estado. Esses também são os argumentos utilizados para reconhecer, igualmente, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha como sujeitos de Direito Internacional Público.

A Santa Sé, cujo nome oficial é Estado da Cidade do Vaticano, representa a cúpula da Igreja Católica Apostólica Romana. É chefiada pelo Papa e é composta pela Cúria Romana, conjunto de órgãos que assessoram o Sumo Pontífice em sua missão de dirigir o conjunto de fiéis católicos na busca de seus fins espirituais (PORTELA, 2016, p.172). Sua estrutura não permite qualquer intromissão por outros Estados dentro do Vaticano. Isso porque, com o Tratado de Latrão (1929), concordata19 assinada entre a Itália e o Vaticano, este passou a ser enquadrado como Estado, possuindo, portanto, território (0,44 km²), povo (funcionários papais) e soberania (representado pelo Papa).

Da mesma forma que a Ordem de Malta, a Santa Sé é reconhecida como sujeito de direito internacional público por razões históricas. Remontam à época em que o poder temporal do Papado era amplo e abrangia a capacidade de estabelecer regras de conduta social válidas para o mundo inteiro, de resolver conflitos internacionais e de governar os Estados Pontifícios (PORTELA, 2016, p.173).

Ademais, é também reconhecida sua capacidade e personalidade jurídicas internacionais, podendo, como consequência, celebrar concordatas e de participar de algumas organizações internacionais, como, por exemplo, a Organização Internacional do Trabalho, a Organização das Nações Unidas, Organização Mundial da Saúde, Organização Mundial do Comércio, dentre outros, como membro.

19 Concordata é o nome que se dá ao tratado internacional sempre que uma das partes envolve a Santa Sé.

CONCLUSÃO

Um dos temas ainda muito controversos para o direito internacional público é estabelecer quem são, de fato, os seus sujeitos. Há na doutrina uma grande confusão em diferenciar os sujeitos de Direito Internacional e os sujeitos de Direito Internacional Público. O presente artigo teve como objetivo específico buscar propor uma forma correta dessa diferenciação.

O direito internacional deve ser entendido como uma espécie de “ramo” do Direito que se contrapõe ao direito nacional ou interno. E, guardadas as devidas ressalvas e proporções, dentro da grundnorm de Kelsen, o direito internacional é subdividido em diversos ramos, dentre os quais, por exemplo, tem-se o direito internacional público, o direito internacional privado, o direito internacional do meio ambiente, o direito internacional dos direitos humanos, etc. E em cada um desses ramos, há um objeto, um sujeito e um destinatário que não se confundem, muito embora possam ser comuns.

Neste desiderato, o Direito Internacional consiste em um conjunto de regras e princípios gerais voltados a regular condutas não somente dos Estados, mas também, atualmente, de suas relações com outras organizações intergovernamentais e com os indivíduos. O Direito Internacional permite que outros sejam considerados sujeitos de direitos, tal como o indivíduo, organizações não estatais, empresas transnacionais, etc.; seu objeto de estudo é mais ampliado, haja vista limitar-se à ideia de direitos e obrigações internacionais.

Em se tratando do Direito Internacional Público seus sujeitos e objeto de estudo são mais restritos, limitando-se a reconhecer material e formalmente os Estados e, em um segundo momento, as organizações internacionais. Assim, o Direito Internacional Público busca reger tão somente as relações entre Estados e organizações internacionais, ou seja, aqueles que podem criar e garantir direitos no âmbito internacional.

A partir do estabelecimento dessas premissas, desenvolvemos o presente artigo focando tão somente no reconhecimento internacional dos sujeitos de direito internacional público, sem, contudo, desmerecer a importância de outros sujeitos.

Sob o ponto de vista material, a Carta das Nações Unidas é o documento em que se reconheceu o Estado como sujeito originário, porquanto, por meio de uma unificação de vontades, criou-se a ONU e tantas outras organizações internacionais de suma importância nos dias atuais. Via de consequência, a ONU, pela vontade dos Estados, recebeu os atributos necessários para ser considerado um sujeito de Direito Internacional Público. A partir desse reconhecimento é que foi possível vislumbrar o indivíduo, por exemplo, como sujeito de Direito Internacional, na medida em que certas organizações internacionais voltaram-se a garantir e proteger direitos fundamentais internacionalmente.

Sob o ponto de vista formal, a ONU, na tentativa de codificar o direito internacional público, reconheceu – ainda que em momentos e contextos históricos distintos – Estados e organizações internacionais, respectivamente em 1969 e 1986, como sujeitos de direito internacional público. Ainda sob o ponto de vista formal, o ordenamento jurídico brasileiro reitera tais entendimentos, a partir da leitura e análise da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002.

É possível concluir que, de certa forma, a legislação pátria limita o reconhecimento de outros sujeitos de direito internacional público, na medida em que seu próprio texto traz tais elementos restritivos. A um, a Constituição Federal de 1988 dispõe que somente os Estados têm competência para celebrar tratados por meio do Presidente da República. A dois, o Código Civil de 2002 determina que são pessoas jurídicas de direito público externo, os Estados e demais pessoas que forem regidas pelo Direito Internacional Público. E, tal como informado ao longo do presente artigo, somente as organizações internacionais, atualmente, são formalmente reconhecidas como sujeitos de Direito Internacional Público e regidas por normas decorrentes do Direito Internacional Público.

Por razões históricas, todavia, os Estados passaram a reconhecer entidades outrora já existentes e que não decorreram de sua manifestação de vontade, tal como a Ordem de Malta e a Santa Sé, como sujeitos de Direito Internacional Público. Tal fato, a despeito de tantas outras justificativas, pode estar lastreado tanto nos costumes internacionais que também são entendidos como fontes de direito, quanto nos propósitos humanitários.

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O que um Estado precisa para ser reconhecido como personalidade internacional?

A Convenção Pan-Americana sobre Direitos e Deveres dos Estados (Montevidéu, 1933) considera que o Estado é pessoa internacional deve ter os seguintes requisitos: a) povoação permanente; b) território determinado; c) governo; d) capacidade de entrar em relações com os demais Estados.

Quais são os três requisitos para que um Estado seja reconhecido como tal pelos outros Estados?

Em seu artigo 1º, a convenção estabelece quais são os requisitos que um Estado deve possuir para ser considerado como tal, quais sejam, população permanente; território determinado; governo; capacidade de entrar em relações com os demais Estados.

Quais as características do reconhecimento de um Estado?

O reconhecimento de um Estado implica apenas que aquele que reconhece aceita a personalidade do reconhecido com todos os direitos e deveres determinados pelo Direito Internacional, como diz o artigo 8 da Convenção de Montevidéu.

São requisitos para existência do Estado reconhecimento da ONU?

Apenas a soberania e o território são elementos constitutivos do Estado. São os únicos dotados de soberania, por isso são os únicos com capacidade de celebrar tratados. O reconhecimento do Estado pela ONU é pré-requisito para sua existência.