Quais os principais riscos da instalação de uma usina hidrelétrica?

A finalidade da barragem é interromper o ciclo natural do rio, criando um reservatório de água

Barragem, ou reservatório, é uma obra arquitetônica desenvolvida para represar e armazenar água, recurso utilizado para a produção de energia em uma usina hidrelétrica. Apesar de contribuir para a geração de um tipo de energia renovável, a construção de uma barragem está atrelada a diversos impactos socioambientais. 

De modo geral, uma barragem conta com infraestruturas de entrada, túneis ou canais, escoamento da água excedente e drenagem. Sua altura pode variar de dezenas a centenas de metros: estruturas com mais de 15 metros de altura, ou com uma capacidade de armazenamento superior a um milhão de metros cúbicos, são chamadas de grandes barragens. 

Usina hidrelétrica

Usina hidrelétrica é uma obra de engenharia que utiliza a força da água para produzir eletricidade. Também chamada de usina hidroelétrica ou central hidroelétrica, trata-se de uma grande estrutura que se aproveita do movimento dos rios para a obtenção de energia elétrica. No entanto, a instalação de uma usina hidrelétrica requer obras de engenharia complexas e que provocam diversos impactos socioambientais no local. 

Estrutura e produção de energia

Vídeo do canal complexotapajos

Para produzir eletricidade em uma usina hidrelétrica, é necessário que exista integração entre a vazão do rio, o desnível do terreno e a quantidade de água disponível. De forma resumida, a água armazenada no reservatório é canalizada e conduzida para as grandes turbinas. O fluxo de água faz com que as turbinas girem e acionem os geradores que irão produzir eletricidade. 

Dessa forma, há uma transformação da energia mecânica, proveniente do movimento da água, em energia elétrica. Depois de convertida, os transformadores aumentam a tensão da energia, permitindo que ela possa viajar pelos fluxos de transmissão e chegar aos estabelecimentos que precisem de energia elétrica. 

Na usina hidrelétrica, a barragem possui o objetivo de interromper o ciclo natural do rio, criando um reservatório de água. Além de estocar esse recurso, o reservatório cria o desnível de água em volume adequado para a produção de energia elétrica e regula a vazão dos rios em períodos de chuva e estiagem.

Principais impactos das usinas hidrelétricas e barragens

A construção de hidrelétricas e barragens causa diversos impactos sociais e ambientais negativos. Um dos impactos negativos da implantação de uma usina hidrelétrica é a mudança que provoca no modo de vida das populações que residem na região. É importante ressaltar que essas comunidades muitas vezes são grupos humanos identificados como populações tradicionais (povos indígenas, quilombolas, comunidades ribeirinhas amazônicas e outros), cuja sobrevivência depende da utilização dos recursos provenientes do local em que vivem, sobretudo dos rios, e que possuem vínculos de ordem cultural com o território.

Apesar de ser considerada uma fonte de energia limpa, a geração de energia hidrelétrica contribui para a emissão de dióxido de carbono e metano, dois gases que intensificam o aquecimento global.

Além disso, os rios tendem a possuir um equilíbrio dinâmico entre descarga, velocidade média da água, carga de sedimentos e morfologia do leito. A construção de reservatórios afeta esse equilíbrio e, consequentemente, causa mudanças de ordem hidrológica e sedimentar, não apenas no local de represamento, mas também na área do entorno e no leito abaixo da represa.

A formação dos reservatórios das usinas hidrelétricas geralmente atinge solos mais férteis e terras agricultáveis, desintegrando a população local, que perde suas características históricas, identidade cultural e relações com o lugar, além da alteração nos ecossistemas aquáticos e da destruição da fauna e da flora. 

Enquanto os países mais desenvolvidos têm diminuído nas últimas décadas a construção de grandes hidrelétricas, nações em desenvolvimento começaram a construir no mesmo período barragens ainda maiores. É o caso do Brasil.

Impactos ambientais – como o desmatamento e a perda da biodiversidade – e sociais – como o deslocamento de milhares de pessoas e os prejuízos econômicos causados a elas – não têm sido levados em conta e incluídos no custo total desses projetos. Além disso, esses empreendimentos têm ignorado os cenários de mudanças climáticas, que preveem a diminuição da oferta de água e, consequentemente, da geração de energia hidroelétrica.

O alerta foi feito por pesquisadores da Michigan State University, nos Estados Unidos, em artigo publicado em 5 de novembro na revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS).

O primeiro autor do estudo é Emilio Moran, professor visitante da pós-graduação em Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp. O pesquisador coordena um projeto, apoiado pela FAPESP na modalidade São Paulo Excellence Chair (SPEC), em que estuda os impactos sociais e ambientais da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, próxima à cidade de Altamira, no Pará.

“Argumentamos que se continuar a construção de grandes hidrelétricas nos países em desenvolvimento, precisaremos fazer uma avaliação do custo real dessas obras que inclua os impactos ambientais e sociais gerados por elas”, disse Moran à Agência FAPESP.

O professor Emilio Moran, coordenador do projeto: “Quando uma grande barragem é construída, o rio a jusante perde grande parte de espécies de peixes que são importantes para a população ribeirinha”

“Quando uma grande barragem é construída, o rio a jusante [direção em que correm as águas de uma corrente fluvial] perde grande parte de espécies de peixes que são importantes para a população ribeirinha. Aquelas comunidades terão que conviver com a diminuição de sua atividade de pesca ao longo de 15 ou 20 anos, por exemplo, e esses prejuízos econômicos e sociais não têm sido incorporados no custo desses projetos”, disse.

De acordo com os autores do estudo, a energia hidrelétrica tem sido a principal fonte de energia renovável em todo o mundo, respondendo por até 71% da oferta da energia proveniente de recursos naturais a partir de 2016.

Essa capacidade de geração de energia hidrelétrica foi iniciada na América do Norte e na Europa entre 1920 e 1970, quando milhares de barragens foram construídas. A partir do fim da década de 1960, contudo, grandes barragens deixaram de ser construídas em nações desenvolvidas. Algumas das razões foram que os melhores locais para construção de represas nessas regiões tinham sido ocupados e as crescentes preocupações ambientais e sociais tornaram esses projetos inviáveis.

O resultado disso foi que, hoje, passado seu tempo de vida útil, mais barragens estão sendo removidas do que construídas na América do Norte e na Europa. Só nos Estados Unidos, 546 represas foram removidas entre 2006 e 2014, exemplificam os pesquisadores.

“O custo para remover uma barragem, passada sua vida útil, é altíssimo, e também deve ser levado em conta na avaliação do custo total de um novo projeto de hidrelétrica”, apontou Moran.

“Se esse custo de remoção fosse incluído, muitas barragens não seriam feitas, porque seria muito mais cara a geração de energia por quilowatt-hora por uma usina elétrica com vida útil estimada entre 30 e 50 anos, como a das que estão sendo construídas no Brasil”, disse.


Impactos locais

Segundo Moran, as primeiras barragens construídas na América do Norte e na Europa tinham o objetivo de prover energia para áreas rurais e possibilitar o funcionamento de sistemas de irrigação. “Esses projetos tinham um objetivo social”, disse.

Já as usinas que estão sendo construídas ao longo dos rios da bacia Amazônica, na América do Sul, do Congo, na África, e Mekong, no Sudeste Asiático, são voltadas, em grande parte, para fornecer energia para empresas siderúrgicas, por exemplo, sem beneficiar as comunidades locais.

O caso mais emblemático é o da megausina de Inga, planejada para ser construída na homônima maior cachoeira do mundo em volume, no rio Congo. A barragem, que poderia aumentar em mais de um terço o total da eletricidade atualmente produzida na África, exportará a energia gerada para a África do Sul para atender às empresas de mineração.

“As pessoas afetadas por esses projetos acabam não se beneficiando do acesso ou da diminuição do custo da energia, por exemplo. No caso da usina de Belo Monte, o linhão de transmissão de energia passa por cima das pessoas afetadas e aquela energia vai para as regiões Sul e Sudeste”, disse Moran.

Segundo o estudo, tanto em Belo Monte como em Santo Antônio e Jirau, na Amazônia brasileira, onde também foram instaladas barragens recentemente, em vez de diminuir, a conta de energia elétrica da população no entorno das obras aumentou. E os empregos prometidos aos moradores no início das obras foram ocupados principalmente por pessoas de fora e desapareceram no prazo de cinco anos.

“Em Altamira, antes do início da construção da usina de Belo Monte, os moradores apoiavam a obra pois pensavam que ela beneficiaria enormemente a cidade. Hoje em dia ninguém apoia mais, porque a usina acabou com a tranquilidade da cidade e, em vez de benefício, só trouxe problemas para a maioria das pessoas”, disse Moran.

“Belo Monte foi tão caótico e afetou tão profundamente a vida dos moradores da região que contribuiu para repensar os projetos de construção de grandes barragens na bacia Amazônica”, disse.

Além dos problemas gerados para as comunidades a jusante, as novas usinas em construção na América do Sul, África e no Sudeste Asiático têm causado graves impactos ambientais.

Na bacia Amazônica, por exemplo, onde está sendo planejada a construção ao longo de seus 6 milhões de quilômetros quadrados (km2) de 147 barragens – das quais 65 no Brasil –, a construção de hidrelétricas tem afetado as populações e a dinâmica das cerca de 2,3 mil espécies de peixes encontradas na região. Após a instalação de barragens no rio Tocantins houve uma redução de 25% no número de peixes nesse curso d’água, que deságua na foz do rio Amazonas.

Na região da barragem de Tucuruí, o pescado diminuiu quase 60% imediatamente após a construção da barragem e mais de 100 mil pessoas que vivem no entorno do rio foram afetadas pela perda da pesca, da agricultura de irrigação por inundações e outros recursos naturais, destacam os autores do estudo.

“A maioria das espécies de peixe na bacia Amazônica são endêmicas [só ocorrem naquela região]. A perda dessas espécies representa um enorme dano para a biodiversidade mundial”, disse Moran.


Impactos das mudanças climáticas

As barragens que têm sido construídas na bacia Amazônica nos últimos anos também deverão ser fortemente impactadas pelas mudanças climáticas globais, projetam os pesquisadores.

Estima-se que as barragens de Jirau e de Santo Antônio, no rio Madeira, concluídas nos últimos cinco anos, produzirão apenas uma fração dos 3 gigawatts (GW) cada que eram projetadas para gerar em razão das mudanças climáticas e da pequena capacidade de armazenamento de seus reservatórios a fio d’água – com menor acúmulo de água.

Já a usina de Belo Monte, no rio Xingu, concluída em 2016, também produzirá 4,46 GW dos 11,23 GW que foi construída para gerar, mesmo em cenários otimistas, devido à variabilidade climática, a um reservatório relativamente pequeno e a níveis insuficientes de água, afirmam os pesquisadores.

Para agravar esse cenário, a maioria dos modelos climáticos prevê maior temperatura e menor precipitação nas bacias do Xingu, Tapajós e do Madeira.

“Depender só da água como fonte de energia em um futuro em que teremos menos esse recurso natural parece ser uma estratégia pouco confiável”, avaliou Moran.

“Para diminuir sua vulnerabilidade energética, em um cenário de mudanças climáticas globais, o Brasil precisa diversificar sua matriz, que ainda é muito dependente do setor hidrelétrico. É preciso que o país aumente os investimentos em outras fontes de energia renovável, como solar, biomassa e eólica”, disse.

Os pesquisadores também ressalvam que, de maneira similar às mudanças climáticas, os projetos de construção de barragens frequentemente não consideram os efeitos da mudança do uso da terra no potencial de geração de energia hidrelétrica por uma represa.

Outro estudo estimou que na bacia do Xingu, onde está localizada a usina de Belo Monte, a energia gerada estimada poderia cair para abaixo da metade da capacidade instalada da barragem com o desmatamento em torno da bacia. Isso porque o desmatamento pode inibir a chuva e a umidade do solo nas regiões tropicais úmidas da floresta.

Estima-se que metade da precipitação na bacia Amazônica seja devido à reciclagem interna de umidade. Dessa forma, o desmatamento pode reduzir as chuvas na região, independentemente do declínio esperado com as mudanças climáticas globais, afirmam os pesquisadores.

“A hidroenergia é uma entre várias soluções para evitar apagões de energia no Brasil. A solução é procurar diversificar as fontes de energia e adotar soluções inovadoras que possam reduzir os impactos ambientais e sociais das barragens”, disse Moran.

Uma das alternativas tecnológicas às usinas hidrelétricas em estudo pelos pesquisadores é a instalação de turbinas em linha, no leito ou submersas nos rios, que dispensam a necessidade de represamento da água.

A tecnologia poderia ser útil para a geração ininterrupta de energia para as comunidades ribeirinhas, a um custo baixo, e manteria a ecologia fluvial e não envolveria o reassentamento de comunidades e outros custos sociais das barragens.

“Essa solução poderia ser aplicada no país inteiro onde há rios pequenos, com água com velocidade de mais de um metro por segundo. Além disso, as turbinas também poderiam ser instaladas próximas de barragens para complementar a produção de energia e eliminar a necessidade de construir outras usinas”, disse o pesquisador.

O artigo

O artigo Sustainable hydropower in the 21st century (doi: 10.1073/pnas.1809426115), de Emilio F. Moran, Maria Claudia Lopez, Nathan Moore, Norbert Müller e David W. Hyndman, pode ser lido na revista PNAS em www.pnas.org/content/early/2018/11/02/1809426115.

Quais são os riscos da energia hidrelétrica?

As usinas hidrelétricas são consideradas poluidoras, uma vez que o alagamento provocado pela formação de barragens resulta na decomposição de vegetais presentes na região ocupada pela água. Desse modo, há a emissão de gases causadores do efeito estufa, como o metano, por meio do processo de decomposição vegetal.

Quais são as consequências negativas da construção de hidrelétricas?

Por serem construídas em regiões próximas a rios, as usinas hidrelétricas afetam o ambiente natural, extinguindo espécies terrestres e aquáticas daquele habitat, destruindo a vegetação nativa para a construção de barragens, aumentando a emissão de gases poluentes na atmosfera, especialmente o Metano, prejudicando ...

Quais são os principais impactos ambientais decorrentes da construção de usinas?

A construção civil é um dos setores que podem causar diversos impactos ambientais. Desde o consumo de recursos naturais para a produção de insumos para o canteiro de obras, passando por mudanças de solo, áreas de sol e vegetação, até os reflexos no aumento no gasto de energia elétrica, por exemplo.

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