O que ensina Canotilho sobre os direitos humanos?

*reprodução de artigo de 7.jan.2005

Em nome da clareza e da inteligibilidade, parece-nos necessário explicitar, desde já, o sentido da nossa intervenção. O título deste artigo, "Das constituições dos direitos à crítica dos direitos nas Constituições", insinua já a nossa rota argumentativa. Trata-se de explicar como é que da euforia em torno dos direitos fundamentais formalmente plasmados na Constituição se transitou, a pouco e pouco, para um cepticismo declarado quanto à chamada "inflação de direitos fundamentais".

O que ensina Canotilho sobre os direitos humanos?

É indiscutível que a teoria, a doutrina, a dogmática e a metódica constitucionais centraram os seus esforços no aprofundamento do regime jurídico-constitucional dos direitos constantes dos catálogos das leis fundamentais.

Esta atratividade científica acompanhada, muitas vezes, de uma simpatia revelada para com os direitos da pessoa, dos cidadãos e dos trabalhadores, nada tem de anormal. É compreensível que a regimes totalitários, autoritários e ditatoriais se sucedam transformações político-constitucionais especialmente centradas na recuperação do Estado de Direito, da democracia e dos direitos fundamentais, aniquilados ou severamente restringidos naqueles regimes.

Daí que após um decidido esforço no estabelecimento da juridicidade e da democracia como dimensões estruturantes do Estado, a juspublicística tenha dedicado muitas das suas preocupações científicas ao recorte e modelação do sistema de direitos fundamentais. Não admira, também, que, paulatinamente, se começasse a falar de "Estados de direitos fundamentais" e de "República dos direitos".

Deve reconhecer-se que a enfatização dos direitos começou por deixar na sombra o problema dos deveres fundamentais, geralmente associados a concepção e teorias funcionalistas dos direitos e os regimes políticos transpessoal e autoritariamente alicerçados. No entanto, quando hoje se analisa a crítica dos direitos nas constituições o que se pretende é contestar a topografia dos direitos semeados nos textos constitucionais e, bem assim, as interpretações extensivas desses textos que progressivamente fazem reentrar no âmbito de proteção de normas posições, atos e comportamentos que só uma incompreensível "demagogia de direitos" poderá explicar.

Procuraremos demonstrar que, em geral, as críticas dos direitos nas Constituições pecam pela historicidade redutora, pela precompreensão ideológica não hermeneuticamente reveladas, pela captação apriorística da ideia de fundamentalidade e não fundamentalidade. Acontece, até, que muitos dos críticos dos direitos nas Constituições não procuram sequer aprofundar o sentido dos novos deveres fundamentais — dever de defesa da identidade genética do ser humano, dever de defesa do ambiente, dever de defesa da paz. Interessa-lhes tomar a parte pelo todo, articulando críticas justas com críticas injustas e despropositadas, não disfarçando a sua animosidade perante as chamadas "repúblicas de direitos".

Muitas vezes, as críticas aos direitos convertem-se também em críticas a determinados tipos de Constituição. Referimo-nos às constituições programáticas com amplo catálogo de direitos e com inúmeras normas determinadoras de fins e de tarefas do Estado para a realização dos direitos fundamentais. Precisamente pelo que se acaba de dizer, talvez não seja despropositado começar por fazer um rápido bosquejo em torno dos problemas da programaticidade, normatividade e direção das normas constitucionais consagradoras de direitos fundamentais.

Basta um simples relance de olhos pela imensa literatura juspublicistica, brasileira e portuguesa, publicada depois da entrada em vigor da Constituição Portuguesa de 1976 e da Constituição Brasileira de 1988, para se concluir que os principais problemas da dogmática dos direitos fundamentais eram (e são!) basicamente os seguintes: 1. Discussão do carácter programático e do carácter normativo dos preceitos constitucionais consagradores de direitos fundamentais; 2. Distinção de uma dimensão subjectiva e de uma dimensão objectiva nas normas constitucionais positivadoras de direitos fundamentais; 3. Articulação dos direitos fundamentais com a força diretiva ou dirigente da constituição; 4. Especificidade da força normativa dos direitos fundamentais; 5. Justiciabilidade dos direitos fundamentais plasmados na Constituição e controlo jurisdicional das restrições legais e das intervenções restritivas individuais e concretas; 6. Dever de proteção dos direitos fundamentais através do Estado e eficácia radiante dos direitos constitucionais fundamentais na ordem jurídica privada.

Vejamos, per summa capita, algumas das acusações da doutrina quanto aos três primeiros problemas identificados. 1 Programaticidade e normatividade Relativamente à questão da programaticidade e da normatividade das normas constitucionais em geral das normas constitucionais consagradoras de direito em especial, para poder dar-se como assente o seguinte: (1) nenhuma norma da Constituição, mas, mais particularmente, as normas consagradoras de direitos, pode ser jurídica, dogmática e politicamente entendida como simples "programa", "proclamação", "desejo" e "aleluia jurídico" como pretendia uma significativa parte da juspublicistica antes da 2ª Guerra Mundial; ou como (2) programas constitucionais, eventualmente úteis para a conformação das políticas dos direitos mas imprestáveis para fornecer suporte jurídico imediato a qualquer densificação subjectiva.

No campo específico dos direitos fundamentais, as "liberdades-programa" deslocaram-se no sentido de "liberdades-normas". Isto não significa que o abandono da ideia de "programaticidade não vinculante" seja suficiente para explicar as dimensões jurídico-constitucionais da normatividade dos direitos fundamentais. Como salienta a doutrina mais recente, os "direitos fundamentais com mero sentido programático" e os "direitos fundamentais dotados de normatividade plena" correspondem a tipos tendencialmente ideais, articulando-se antes nas constituições a ideia de direitos fundamentais como direitos subjetivos dotados de um conteúdo garantido e determinado pela norma constitucional com a ideia de direitos fundamentais erguidos a "programas" e "imposições densificadoras" e fundamentalmente dirigidas aos órgãos políticos, sobretudo ao legislador. Isto é visível quando se discutem as funções objectivas dos direitos fundamentais. 2 Dimensão subjectiva e dimensão objectiva dos direitos fundamentais A positividade dos direitos fundamentais afirma-se, em primeiro lugar, na consideração destes direitos como direitos subjetivos, isto é, como posições ou pretensões individuais juridicamente accionáveis através de procedimentos e processos específicos previstos e regulados na ordem jurídica. A positividade está também presente quando se consideram as dimensões objectivas dos direitos fundamentais.

A Constituição ergue estes direitos a programa de ação dos órgãos estaduais (e, agora, também se pode dizer o mesmo no plano do direito internacional e o direito convencional). Em termos mais explícitos, pode dizer-se que os direitos fundamentais são "programa" desde logo quanto às suas dimensões fundantes — dignidade da pessoa humana, desenvolvimento da personalidade, igual dignidade de todos as pessoas—, pois estas dimensões têm de estar presentes nas tarefas concretizadoras levadas a cabo pelos órgãos políticos ou por quaisquer outras pessoas, individuais ou colectivas, encarregadas de concretizar esses direitos (ex.: empresas encarregadas de serviços de interesse público geral como telecomunicações, transportes, energia, etc.).

A dimensão objectiva avulta também na constitucionalização da ordem jurídica, ao exigir-se que a vários direitos — desde o direito civil ao direito do trabalho, passando pelo direito penal e processual penal pelo direito administrativo até aos direitos especiais como o direito do urbanismo e do consumo). Em terceiro lugar, a dimensão objectiva serve para reforçar dimensões subjectivas dos direitos. É o que se passa, por exemplo, com a eficácia irradiante dos direitos na ordem jurídica privada (Drittwirkung), com o dever de proteção dos direitos, a cargo do Estado, perante actos agressivos ou de ameaça de agressão por parte de entidades privados (Schutzpflicht).

Em quarto lugar, a dimensão objetiva assume centralidade nos direitos sociais, econômicos e culturais, pois aqui estes transmutam-se em programas justificadores e legitimadores de prestação (Leistungsrechte). Estritamente conexionada com esta última dimensão, assinala-se a ideia dos direitos como programa para a política, obrigando o legislador e outras autoridades competentes e responsáveis à criação de pressupostos absolutamente indispensáveis à sua efetivação (ex.: criação de tribunais, de esquemas de saúde e de segurança social, de estabelecimentos de ensino público).

Note-se ainda que é a dimensão objectiva que muitas vezes está subjacente à qualificação das normas consagradoras de direitos fundamentais como princípios objetivos da ordem constitucional, de decisiva importância metódica na solução de conflitos e na tarefa de ponderação que, muitas vezes, lhe está inerente (ex.: o princípio da liberdade de correspondência, o princípio da liberdade de concorrência, o princípio europeu, o princípio da amizade perante o direito internacional).

A função dirigente dos direitos fundamentais
Os desenvolvimentos anteriores possibilitam já a aproximação à ideia de direitos fundamentais como elementos integradores da Constituição dirigente. Não deixa de ser interessante que a ideia de constituição dirigente volte a ser agitada nas obras mais recentes sobre teoria da constituição e os direitos fundamentais. Nós próprios procuramos chamar a atenção para a natureza rasgadamente programática e dirigente do Projeto de Constituição Europeia. No recentíssimo "Manual de Direitos Fundamentais", em língua alemã, dirigido por Detlee Merton e Hans-Jürgen Papier, o tema da constituição dirigente em sede de direitos fundamentais é reapreciado por dois autores: Hans-Peter Schneider e Peter Badura.

Se alguma ideia pode ser reiterada com serenidade é a de que os direitos fundamentais — todos os direitos fundamentais — podem considerar-se como "dimensões dirigentes" de uma ordem constitucional democrática. Esta afirmação não é uma evidência e carece, por isso mesmo, de esclarecimentos. Dizer-se que os direitos fundamentais são dirigentes não significa que eles, pelo simples facto de estarem plasmados numa constituição, possuam autosuficiência normativa a ponto de dispensarem quaisquer outras densificações e complementações normativas.

Por outro lado, a atribuição aos direitos fundamentais de um carácter dirigente não significa que eles constituam um plano material esgotante e exclusivo susceptível de substituir todas as concretizações legislativas editadas pelo legislador no uso da sua liberdade de conformação legislativa. Neste sentido, a constituição dos direitos fundamentais será uma constituição dirigente na medida em que estabelece diretivas-quadro para a conformação, concretização, desenvolvimento e aplicação de todos os direitos fundamentais. A sugestão que acaba de ser feita permite-nos sustentar que, nesta perspectiva, a Constituição dos direitos fundamentais é imediatamente vinculante para todos os direitos. Desde logo para os direitos, liberdades e garantias (cf. CRP, artigo 18, 1).

Aqui, aspira fornecer uma disciplina suficientemente densificada e determinada para a partir das normas constitucionais consagradoras deste tipo de direitos se poderem recortar posições subjetivas juridicamente accionáveis. Relativamente aos direitos de liberdade, a dimensão dirigente reconduz-se à clara deslocação das liberdades-programa para as liberdades-regra.

O dirigismo constitucional não se reduz, porém, à garantia da dimensão subjectiva dos direitos, liberdades e garantias. Como se acentuou atrás, é a dimensão dirigente que faz ressaltar a dimensão objectiva destes direitos transmutando-os numa ordem de princípios (preferimos esta fórmula à saturada "ordem de valores") impregnadores de todo o ordenamento jurídico e vinculativos para todos os poderes (desde poderes internos como o poder legislativo, político, administrativo e judicial até aos poderes europeus, passando pelos poderes públicos exercidos por privados e poderes privados dotados de esquemas “coactivos” semelhantes aos poderes públicos).

A dimensão dirigente dos direitos fundamentais adquiriu contornos específicos no âmbito dos direitos econômicos, sociais e culturais. Não vale a pena discutir o que já está discutido — a natureza jurídica destes direitos — mas talvez não sejam despiciendas algumas suspensões reflexivas em torno da sua natureza normativamente diretiva. Em primeiro lugar, são dirigentes se e na medida em que as dimensões materiais — quadro positivadas na constituição constituírem um pressuposto normativo para a realização dos pressupostos indispensáveis à efetivação dos próprios direitos, liberdades e garantias. Mais uma vez se reconhece que só é livre quem utilizar ou poder utilizar a liberdade (cf., precisamente, o Preâmbulo da Constituição Suíça de 1999), só desenvolve a sua personalidade quem desfruta de condições fáticas e jurídicas para o "desabrochar" da pessoa, só tem uma vida compatível com a dignidade da pessoa humana quem pode desfrutar de condições econômicas de existência para viver essa vida humana.

Os direitos sociais, econômicos e culturais assumem ainda a "função dirigente" quando servem de "imposição" para a sua concretização. Assumem-se como normas impositivas e, dentro do econômico, social e culturalmente possível, fixam os pressupostos para a sua realização (criação de unidades de saúde, criação de estabelecimentos de ensino, criação de sistemas de segurança social). Perfilam-se como normas proibitivas quando os atos político-legislativos concretizadores de políticas públicas de direitos sociais se orientam num sentido diametralmente oposto ao prescrito pelo "programa constitucional". Isto é importante sobretudo no contexto do Estado regulador e da liberalização dos serviços incumbidos de assegurar as prestações existenciais indispensáveis à efetivação deste tipo de direito.

Se, por exemplo, a Constituição impõe a democratização do ensino com base num sistema público de ensino será inconstitucional a liberalização da rede de ensino como o recurso sistemático a "vouchers" destinados a financiamento em escolas privadas.

A inflação de direitos fundamentais
A "reconstrução dirigente" dos direitos fundamentais, que acaba de ser proposta, transporta, deve reconhecer-se, algumas dificuldades. A primeira e decisiva objecção que se pode colocar é a de que a diretividade normativo-constitucional dos direitos fundamentais assenta, em grande medida, numa objectivação de todo o sistema, de que a teoria da eficácia (direta ou indireta) no âmbito das relações jurídico-privadas (Drittwirkung) e a teoria do dever de proteção a cargo do Estado (Schutzpflicht) seriam meros corolários. Além de ser discutível que esta panfundamentalização objetivista, de cariz rasgadamente germânico, possa ser transposta para todas as ordens jurídicas, ela é, algumas vezes, associada à hipertrofia jusfundamentalista.

Aqui está uma das críticas mais repetidas em diversos quadrantes culturais. A radicalização subjetivista dos direitos acompanhada pela expansão objectivo-principial dos mesmos conduz a que todo e qualquer ato, comportamento e situação do indivíduo se transforme ipso facto em dimensão do conteúdo garantido de um qualquer direito constitucional-fundamental. A "inflação de direitos fundamentais" acabará por ter resultados claramente perversos a ponto de um autor contemporâneo (M. Jestaedt) não se coibir de afirmar que a "inflação dos direitos devora os seus próprios filhos".

Esta "inflação de direitos" radicaria, desde logo, no desprezo da raiz da fundamentalidade. Verdadeiramente fundamentais seriam apenas: (1) os direitos referentes aos valores e princípios fundantes da pessoa e da dignidade humana; (2) os direitos dotados de universalidade, isto é, direitos de todos, e não os direitos ligados a determinadas categorias de pessoas (trabalhadores, jovens, doente, deficientes etc.).

A estrita observância destes postulados permite a uma significativa parte da doutrina negar dimensão de fundamentalidade à totalidade dos direitos sociais, econômicos e culturais, conhecidos como uma "entidade não identificada", algures entre o direito e a política. Arrancando de posições próximas a esta, uma outra corrente doutrinal avança mesmo fórmulas matemáticas para quantificar a desproteção dos direitos em consequência da sua inflação: a proteção dos direitos fundamentais diminui em sentido proporcionalmente inverso ao da sua multiplicação. Quantos mais direitos, menos proteção. Por fim, avulta uma outra crítica estritamente relacionada com dimensões metódicas de aplicação e concretização dos direitos fundamentais.

O recurso sistemático ao alargamento do âmbito de proteção da norma de direitos fundamentais conduz inevitavelmente também à extensão dos respectivos limites. Mais do que isso: o jogo de alargamento da proteção/alargamento de limites terminará com o poder judicial a fazer sistematicamente de árbitro no incerto juízo de ponderação de direitos e de bens.

Não é este o lugar adequado para dar resposta desenvolvida à crítica dos direitos. Deixaremos registradas algumas notas. Uma vezes, a crítica radica numa pré-compreensão conservadora dos direitos e que se reconduz a um conceito ético-material de liberdade indissociável do uso verdadeiro da liberdade. Aqui radica logo a sua fraqueza congênita, pois teorético-cognitivamente é difícil fornecer um fundamento para o "verdadeiro" uso de liberdade e mais difícil é ainda a revelação dos critérios intersubjectivamente válidos para se aferir da "justeza" de um uso da liberdade.

Noutros casos, a crítica ao alargamento dos direitos, mesmo que arranque do critério da fundamentalidade pessoal, está longe de despir-se de conceitos apriorísticos e ideológicos. Assim, por exemplo, condena-se o registro constitucional de direitos como o direito do trabalho, o direito ao ambiente, o direito à saúde, mas silencia-se, ou, o que é pior, aplaude-se a inclusão da publicidade comercial nos direitos, liberdades e garantias e proclama-se a bondade do “direito à pistola” como um direito fundamental.

A ordem constitucional dos direitos é uma ordem aberta e, por isso, o dever de estar aberto ao tempo, leva-a a incluir os "direitos historicamente necessários" no catálogo da fundamentalidade (ex.: direito à identidade genética, direito à proteção perante a informática, direito enquanto consumidor, direito ao ambiente).

A metódica do possível
A terceira ordem de observações críticas conduz-nos a discussões metódicas que exigiriam uma ampla suspensão reflexiva. Referimo-nos concretamente àquilo que na doutrina alemã se designa como "passagem" das teorias do "âmbito de proteção alargada" para as "teorias do conteúdo estrito protegido" em sede de dogmática da restrição de direitos.

Os direitos fundamentais como "direito de aprendiz"
Uma perspectiva radicalmente diversa das críticas anteriores, mas, de qualquer modo, prenhe de acentuações críticas à dogmática dos direitos fundamentais, é aquela que acusa as impostações teoréticas, dogmáticas e metódicas dos juristas, serem construções indiferentes à contingência dos conteúdos e de permanecerem anacrônicas em face dos novos desafios do direito. Uma dessas críticas tem como alvo a constituição dirigente de direitos, econômicos, sociais e culturais enquanto programa de políticas públicas, tributárias, em maior ou menor medida, de concepções socialistas e sociais democratizantes.

Elas continuam a apoiar-se na regulação estatal da socialidade, ignorando que um dos agentes dinamizadores da economia — o capital financeiro — obedece, no universo globalizador, a incontornáveis lógicas de eficiência, racionalização e lucro. O mercado e a concorrência colocariam, assim, a constituição dirigente dos direitos fundamentais, mas sobretudo, dos direitos econômicos, sociais e culturais, perante a procura de novas vias ("terceira via", "para além da direita e da esquerda", "esquerda moderna").

O problema reconduz-se então em saber se a constituição dirigente dos direitos fundamentais ainda pode ser dinamizada e concretizada por um Estado regulador que deixou de ter empresas e serviços públicos e que obedece à lógica da economia do mercado e da livre concorrência privatizando os próprios serviços encarregados de fornecer prestações existenciais aos cidadãos.

Invoca-se aqui que o Estado socialmente regulador não deixou de ter responsabilidades sociais, antes se transformou num Estado garantidor que prefere garantir resultados sociais (maior riqueza, melhores serviços, melhor distribuição) do que assumir, ele próprio, a produção de bens e a execução das tarefas que, com mais racionalidade, eficiência, economicidade, produtividade e controlo, podem ser exercidos por entidades privadas ou por parcerias público-privadas.

Como se poderá intuir, a discussão do problema conduzir-nos-ia a uma análise dos complexos processos de globalização. Limitar-nos-emos, pois, também aqui, a algumas considerações elementares. A primeira é a de que a constituição dirigente de direitos fundamentais só pode continuar a dirigir se se revelar uma ordem aberta quer a novos quadros normativos de interconstitucionalidade (ex.: Constituição europeia) quer a novas experiências constitutivamente conformadoras da sociedade contemporânea (sociedade de informação, sociedade de risco).

Neste contexto falam alguns autores (Ladeute, Calies, Hoffmman-Riem) do direito como um "direito que aprende" e tem necessidade de aprender. No núcleo desse direito deverá incluir-se o direito constitucional e, dentro deste, a clássica "constituição dirigente dos direitos fundamentais".

Entramos, assim, no último ponto da nossa problemática, precisamente aquela que deu o mote ao presente colóquio: os direitos fundamentais no novo milênio. Se o direito dos direitos fundamentais é um direito que aprende. Vejamos como se desenham algumas linhas desta aprendizagem. a) Eficácia dos direitos fundamentais na ordem jurídica global Como vimos nas considerações anteriores, a problemática da eficácia irradiante dos direitos fundamentais na ordem jurídica privada e a questão da sua dimensão objectiva continuam a suscitar complexos problemas jurídicos e dogmáticos. A nosso ver, no novo milênio esses problemas ganharão novos contornos e nova complexidade quando a ordem jurídica global for o palco normativo dos comportamentos individuais e colectivos.

Neste sentido, a eficácia dos direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas deverá colocar-se no plano da "sociedade civil global" e do "Estado-rede". Com efeito, a existência do ciberespaço coloca com acuidade a questão de saber se e como se poderá estender a eficácia dos direitos e liberdades aos novos entes soberanos. Além disso, passa também a questionar-se a forma como as instâncias políticas (nacionais e internacionais) podem e devem impor a outras entidades privadas a observância dos direitos fundamentais (ex.: imposição a um lost provider comercial que possibilita ao contente provider em rede o acesso a websites de pornografia e de propaganda nazi". Por outras palavras: haverá possibilidade de uma ciber-Drittwirkung nas relações jurídicas privadas desenvolvidas através da internet?

Os conhecidos casos do portal Yahoo em França (venda de objetos relativos ao regime nazi e ao nazismo, a divulgação, via internet, do livro do presidente Miterrand, feito por médico particular, revelam que as chamadas vinculações de entidades públicas e privadas através dos direitos, liberdades e garantias irá colocar nos próximos tempos problemas relacionados quer com a universalidade e universalização dos direitos quer com a operacionalidade da regulação intra-estadual e internacional de dimensões humanitárias básicas (ex.: combate estadual e internacional aos websites de pedofilia).

Direitos fundamentais e proteção jurídica internacional
A segunda ideia a salientar é a da defesa dos direitos fundamentais (e dos direitos humanos) através da cooperação judiciária internacional. A criação de um Tribunal Penal Internacional aponta nesse sentido. Deve, porém, assinalar-se que a institucionalização de uma justiça penal internacional pode colocar problemas de restrições de direitos fundamentais.

No que respeita aos direito português, a doutrina tem salientado dois pontos importantes: (1) as normas de jurisdição do TPI contrariam o princípio da soberania judicial do Estado; (2) as normas de individualização das pessoas constantes do Estatuto de Roma consagram a possibilidade de prisão perpétua em manifesta colisão com as normas constitucionais positivas.

Direitos fundamentais no contexto de comunidades pluralmente inclusivas
Direitos fundamentais e mercado

Embora per summa capita cumpre fazer uma mensal à radical transformação dos pressupostos de realização dos direitos fundamentais. Vamos limitar-nos ao exemplo do direito ao ensino. O paradigma constitucional europeu assentava, como é sabido, na ideia de rede de estabelecimentos públicos de ensino, criados pelo Estado (ou por outros entes territoriais como estados federados, regiões).

O ensino compreendia-se como um serviço público e o bem ensino como um bem público. A privatização dos serviços públicos encarregados de fornecer prestações existenciais aos cidadãos acabará por ter especial incidência na compreensão do direito constitucional ao ensino.

Em primeiro lugar, coloca-se o problema de saber se a progressiva privatização da rede não implicará a neutralização de imperativos constitucionais de criação de rede de estabelecimentos públicos estatais de ensino. Em segundo lugar, o sistema pluralístico consagrado na Constituição portuguesa (ensino público, particular e cooperativo) arranca do princípio fundamental da liberdade de ensino e de criação de escolas particulares.

Este pluralismo é hoje interpretado por alguns sectores doutrinas como sinônimo de consonância no ensino em que as famílias se convertem em árbitros do mercado de ensino através do exercício do direito à escolha de escola. Todo o sistema de ensino se converte, assim, numa empresa educacional centrada nos problemas de utilização de recursos e de gestão de qualidade e na garantia de resultados formativos em consonância com as exigências da procura e oferta do mercado de trabalho para jovens.

É óbvio que a empresarialização do ensino coloca em crise o direito ao ensino concebido nos moldes de "constituições dirigentes". O ordenamento do ensino passa de dado normativo imperativo a escolha segundo critérios econômicos.

José Joaquim Gomes Canotilho é jurista português, catedrático da Universidade de Portugal, em Coimbra.

O quê Canotilho ensina sobre direitos humanos?

Gomes Canotilho ensina que a função de defesa ou de liberdade dos direitos fundamentais tem dupla dimensão: "(1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implica, num plano ...

Qual é a função dos direitos humanos?

Os direitos humanos são normas que reconhecem e protegem a dignidade de todos os seres humanos. Os direitos humanos regem o modo como os seres humanos individualmente vivem em sociedade e entre si, bem como sua relação com o Estado e as obrigações que o Estado tem em relação a eles.

Por que devemos estudar sobre os direitos humanos?

Garantem direitos fundamentais, como à vida, à liberdade, à saúde e à segurança das pessoas, bem como o direito à defesa e ao justo julgamento a quem for acusado de um crime. Ainda hoje existem desrespeitos aos Direitos Humanos, o que atesta a necessidade de que a luta e o ativismo pelos direitos nunca acabem.

Quais são as principais características dos direitos humanos?

De uma maneira geral, com o estudo do Direito Constitucional e do Direito Internacional acerca dos Direitos Humanos pode-se se afirmar que estes apresentam as seguintes características: Historicidade, Universalidade, Relatividade, Essencialidade, Irrenunciabilidade, Inalienabilidade, Imprescritibilidade, ...