O papel da interdisciplinaridade é complementaridade na formação do homem novo

O papel da interdisciplinaridade é complementaridade na formação do homem novo

No volume 1, número 1, a revisita ao passado apresentou o Centro Universitário Ítalo Brasileiro, cujo objetivo foi enfatizar sua trajetória e importância na Educação, história e pesquisa. Um dos pontos fortes e emocionantes foi resgatar o desejo e encaminhamento de três gerações no comando da Instituição. Em relação à pesquisa, reconhecemos no FIQUE e em seus pesquisadores e convidados a dedicação aos estudos que deixaram resultados de pesquisas inovadoras, no Centro Universitário Ítalo Brasileiro.

No volume 1, número 2, a revisita ao passado questiona a Interdisciplinaridade na formação dos profissionais.

Qual a importância da Interdisciplinaridade na formação, contribuição de seus mais renomados estudiosos, com destaque às práticas diferenciadas e projetos interdisciplinares inovadores.

EDUCAFOCO – Revista Eletrônica Interdisciplinar Internacional: Educação, Pesquisa e Formação continuada, do GEPESI receberá até dia 30 de maio de 2021, artigos científicos completos, ensaios, entrevistas, relatos de experiência dos pesquisadores interdisciplinares que desejem participar e ampliar a compreensão reflexiva acerca do tema: 

Educação, pesquisa e formação em um momento de pandemia.

Autores: Ana Maria Ramos Sanchez Varella e Jerley Pereira da Silva

Volume 1, número 2, 2ºsemestre de 2020.

A EDUCAFOCO apresenta o tema: Educação e formação

Título: Interdisciplinaridade na formação dos profissionais.

É importante pensar em formar profissionais com olhar diferenciado para a atualidade? Qual a importância dos estudos da Interdisciplinaridade? Quais seus desafios na formação dos profissionais? 

A EDUCAFOCO, neste número, tem o objetivo de estimular parcerias, desenvolvimento de projetos e contribuir com inovações e novos olhares. 

EDITORIAL

Caro Leitor

A EDUCAFOCO apresenta o tema escolhido Educação e formação, com o título: Interdisciplinaridade na formação dos profissionais.

Esse tema irá provocar os profissionais, porque vai requerer deles a vontade de atualizar-se para complementar continuamente a sua formação profissional e obter aprimoramento.

Escrever sobre esse tema é um presente, porque nos dedicamos a esses estudos há muitos anos, incluindo as práticas de projetos interdisciplinares para várias faixas etárias e empresas.

Revisitar o tema Interdisciplinaridade e priorizar textos e ideias de autores que contribuíram e contribuem para fundamentar caminhos para um remodelado jeito de pensar a educação dará a oportunidade ao leitor de elaborar sua própria reflexão.

Nenhuma profissão tem a formação por completo.  No campo de atuação, surgirão as dificuldades que exigirão competências e habilidades que não haviam sido testadas. Por esse motivo pensar em linhas mais amplas de entendimento, de abordagens, de contatos, de vivências é imprescindível. O profissional da atualidade, seja de qualquer área precisa conseguir envolver-se com outros profissionais de outras áreas, em um diálogo de profunda construção.

É a Interdisciplinaridade abraçando os profissionais e ensinando uma das palavras mais importantes desse processo, o diálogo.

Buscaremos responder o que significa a Interdisciplinaridade no Brasil. Qual sua importância na educação brasileira? Quais seus fundamentos, metodologia, práticas? Como a Interdisciplinaridade se fundamenta na Formação de profissionais? Quais exemplos de práticas poderiam demarcar a possibilidade de novos olhares para a educação?

A EDUCAFOCO é uma Revista Interdisciplinar e o conceito de Interdisciplinaridade possui várias definições, porque é um neologismo, portanto, explicado de diferentes formas.

Quando tocamos no tema interdisciplinaridade e formação, destacamos Ivani Catarina Arantes Fazenda e Hilton Ferreira Japiassu. Ambos com vasta contribuição, com vários livros escritos e muitas orientações em pesquisas. O assunto Interdisciplinaridade na formação dos profissionais requer muito estudo, sem preguiça de conhecer e ler o que já foi escrito.

Para Fazenda, o que se pretende na interdisciplinaridade não é anular a contribuição de cada Ciência em particular, mas apenas uma atitude que venha a impedir que se estabeleça a supremacia de determinada Ciência, em detrimento de outros aportes igualmente importantes.

Além de revisitarmos os nossos escritos, os de Fazenda e Japiassu convidamos, especialmente para fazer parte desse movimento interdisciplinar três pesquisadores que consideramos respeitados e conhecedores da Interdisciplinaridade no Brasil, que escreveram especialmente para a EDUCAFOCO. Agradecemos o carinho de três amigos queridos e competentes: Jucimara Silva Rojas, Fernando César de Souza e Maria de Fátima Gomes da Silva.

A EDUCAFOCO valoriza a educação, pesquisa e formação como base da evolução individual e coletiva.

Ana Maria Ramos Sanchez Varella e Jerley Pereira da Silva

Educação, formação e interdisciplinaridade

Ana Maria Ramos Sanchez Varella

http://lattes.cnpq.br/9470675519276604

Na Educação, as pessoas vivem cada uma em seu mundo de verdades, às vezes absolutas. Acomodam-se com títulos acadêmicos recebidos e permanecem em seu próprio mundo em escala de poder único, voltados para si mesmas, sem pensar em contribuir com a sociedade em que vivem. O estudo tem de ser continuado, não se pode deixar de lado as inovações e reflexões.

Nas Instituições de Ensino, alguns colegas mais próximos não nos enxergam, nem compartilham ideias, muitas vezes desvalorizam ou não dão importância a algumas ações que tentam desenvolver. Além disso, não desejam participar de nada que não tenha partido deles, bem como se acomodam e não desenvolvem ações transformadoras.

As surpresas acontecem quando saímos dos locais onde estamos e nos deparamos, em eventos, com profissionais que, como nós, também desenvolvem trabalhos diferentes, mas são pouco compreendidos. São esses encontros que alimentam nossa alma e propiciam trocas de algumas ações já desenvolvidas em nosso dia a dia. Isso é incrível!

Infelizmente é assim que acontece, as palavras e ideias transgressoras incomodam, porque mexem com o mais profundo ser e são necessários grandes movimentos. Precisamos querer nos iluminar para enxergar o que está ao nosso redor.

Muitas vezes, não entendemos o porquê de não conseguirmos sucesso de transformação, mas não podemos desistir, é imprescindível resistir. Como resistir no processo educativo se os olhares agora são captados na distância de uma câmera? Quem se preparou para educar para a tela?

Estamos vivendo um momento único de abertura de sentidos para nos transformar e transformar tudo o que nos rodeia. São muitas pessoas querendo um mundo mais justo, equilibrado, responsável. Temos energias suficientes para gerar projetos inovadores. O que será projeto inovador quando quem está do outro lado da tela não se deixa ver?

Optei resgatar meus estudos obtidos por fontes importantes nas decisões do país, em relação à educação interdisciplinar. Ao lado de Ivani Fazenda, durante muitos anos e sob sua supervisão, ouvi profissionais, participei de muitos encontros pelo Brasil, para entender quais eram os pontos a se pensar para o futuro da educação brasileira.

De 2012 a 2014 aconteceram esses encontros acadêmicos, cuja temática foi Interdisciplinaridade, possibilidades de mostrar novos sentidos para a Educação, localizá-la no espaço-temporal e mostrar suas proposições. Em relação às Instituições de Ensino Superior, a CAPES teve a iniciativa de iniciar discussões sobre o tema Interdisciplinaridade no Encontro Acadêmico Internacional Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade no Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação, Ambiente e Saúde. A partir desse evento ocorrido em 2012, outros cinco encontros foram propostos para 2013, para contemplar as cinco regiões brasileiras. A proposta foi levar a temática Interdisciplinaridade nas instituições de ensino superior, nas categorias Ensino – Graduação e Pós-graduação – Pesquisa e Extensão. Um levantamento do que as universidades pensam e fazem com a Interdisciplinaridade, sejam cursos, projetos, estratégias, pesquisas.

Tudo se inicia com um Encontro realizado pela CAPES, em Brasília, para dialogar com gestores a respeito da Interdisciplinaridade. Ela já havia proposto essa temática há 10 anos e pouco as universidades desenvolveram, por esse motivo, ela resolveu dialogar com as 5 regiões brasileiras, para conhecer pesquisas e propostas das universidades públicas nessa área.

As reformas na Educação Brasileira apontavam desde o ano 2000, para a necessidade de desenvolver projetos com seguimento interdisciplinar. Como desenvolver projetos, quais etapas contemplar? Questões que angustiavam e ainda permanecem. Gestores e professores se perguntam como fazer, o que é, como implantá-la etc., quando na verdade deveriam se perguntar como praticá-la, que modificações poderiam ser realizadas para que os estudantes pudessem realmente aproveitar o tempo na escola para desenvolverem seus repertórios e poderem exercer a criatividade.

Em todos os lugares onde estivesse presente a temática Interdisciplinaridade, lá estava, para poder refletir sobre questões importantes que emergiram. Sempre atenta, com a escuta afinada, procurarei mencionar em cada detalhe minha preocupação com a forma como o tema é recebido pelas plateias.

Darei ênfase a análises pessoais, contando os detalhes dos questionamentos, de como fomos recepcionados por professores, gestores, coordenadores pedagógicos. Foram muitos os questionamentos, muitos embates, discordâncias. Tudo o que vivi, ouvi, senti deram subsídios para aprofundamentos nos estudos sobre as questões que envolvem a Interdisciplinaridade, na atualidade.

Há publicações sobre reformas curriculares, no Brasil, que apresentam forte tendência em privilegiar a Interdisciplinaridade. Visam à reorganização de modelos conceituais e operacionais, associados a concepções ligadas ao sistema convencional das disciplinas científicas. Existem, também, outros modelos organizacionais que partem de princípios diversos e procuram romper com essas concepções. Qual seria a melhor das hipóteses?

No limiar do século XXI, no contexto da internacionalização, caracterizada por uma intensa troca entre os homens, a Interdisciplinaridade assume um papel de grande importância. Além do desenvolvimento de novos saberes, ela favorece novas formas de aproximação à realidade social e novas leituras das dimensões sócio culturais das comunidades humanas, motivo pelo qual a nova legislação brasileira outorga à Interdisciplinaridade, um lugar destacado. Na área da Educação, seus pesquisadores estão em constante atenção para atenderem às novas propostas de um mundo que exige comunicações rápidas, sem consistência, tornando-as prazerosas e consistentes. O movimento iniciado, ao final dos anos 60, ampliou-se consideravelmente.

Recorrendo à história, nas décadas de 60, 70 e 80, o número de pesquisas na temática da Interdisciplinaridade era reduzido e sua bibliografia pouco difundida, o que felizmente hoje não ocorre. Sua compreensão era bem limitada, o que não mudou muito até hoje. Nos Estados Unidos, a partir dos estudos de Klein da Wayne State University e William Newell da Miami University, as pesquisas sobre Interdisciplinaridade percorreram o país inteiro. Disseminadas, interferiram diretamente nas reformas educacionais.

Encontro Acadêmico Internacional Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade no Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação, Ambiente e Saúde – Brasília, 2012.

No final de 2012, pesquisadores estiveram presentes, inclusive eu, no Encontro Acadêmico Internacional Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade no Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação, Ambiente e Saúde. Foram quatro dias intensos de envolvimento e participação. Esse encontro organizado pela CAPES, reuniu profissionais de diferentes áreas do conhecimento do Brasil, do México, França, Alemanha, Inglaterra a fim de debater aspectos teórico-conceituais que fundamentam a Interdisciplinaridade e a Transdisciplinaridade como concepções de produção do conhecimento e de práticas. Além disso, procurou ensejar uma aproximação entre a Educação Superior e a Básica com estratégias pedagógicas, que potencializassem a apropriação do conhecimento científico e tecnológico. Seu objetivo também foi mostrar a Interdisciplinaridade e a Transdisciplinaridade como concepções fundamentais para o estudo dos fenômenos complexos em todas as áreas do conhecimento, institucionalizando-as nas práticas de ensino, pesquisa e extensão na graduação e na pós-graduação brasileiras. A Interdisciplinaridade foi, portanto, colocada numa ampliação de espaços de reflexão, foi mencionada como uma necessidade de organização do currículo e de busca de articulação de conhecimento. Durante três dias, mais de 20 palestrantes e suas temáticas foram apresentadas à plateia permeadas de conceitos e indagações.

Algumas ideias apresentadas no encontro em Brasília se encaixaram nos pressupostos elencados por Ivani Fazenda, entre eles a escuta, o desafio, o diálogo, entre outros. Destacou-se a importância do professor que tem a possibilidade de abrir todos os campos do conhecimento para que o aluno possa ir além e conseguir ser independente. A universidade tem de priorizar o aprendizado e não o ensino, para isso será necessário reduzir carga horária e reorganizar o currículo básico, as grandes linhas orientadoras. O que não pode faltar é ousadia para inovar nas pesquisas, o que possibilitará evolução nas Ciências.

É importante que o professor apresente suas produções e que destas possam surgir maior cooperação entre os profissionais, há áreas pouco desenvolvidas no país. O ideal seria que cada um pudesse inteirar-se do campo do conhecimento do outro e que as disciplinas se relacionassem. Mesmo com abertura de fronteiras internacionais para os estudantes, é necessário prepará-los para esse enfrentamento cultural, pois eles vivem em um mundo diferenciado, permeado de informações múltiplas. Precisarão ser preparados por profissionais que os ajudem a entender e viver em uma sociedade pluridisciplinar e marcada por inovações tecnocientíficas.

O encontro em Brasília, em novembro de 2012, organizado pela CAPES, foi um começo para os que conseguiram se manifestar, quebrar barreiras e para que outras vozes pudessem ser ouvidas.

Encontro CAPES – Região Oeste: Seminário Interdisciplinaridade: desafios institucionais

Participamos do Evento Seminário Interdisciplinaridade: desafios institucionais, realizado na Universidade Federal de Goiás. O Evento compôs um dos 5 encontros realizados nas regiões brasileiras, com a iniciativa da Capes.

A mesa escolhida para análise apresentou o tema: “Formação Interdisciplinar: da Pós-Graduação ao ensino básico”. Fazenda abriu essa mesa agradecendo à CAPES, a intenção de se abrir para um futuro mais justo, humano, para a Educação Brasileira. Iniciou afirmando que por ser o tema Interdisciplinaridade tão importante, muitas questões poderiam ser abordadas, porém, optou por resgatar um pouco de sua história como pesquisadora. Fez um breve histórico de sua militância nas questões da Interdisciplinaridade. Como iniciou sua carreira, com quem dialogou, as pesquisas realizadas. Destacou seu interesse por conhecer e compreender o que era currículo interdisciplinar. No início de sua carreira, pensar nisso era algo novo e a partir desse questionamento, dedicou-se à pesquisa, aprofundou-se nos estudos e pode perceber o que estava acontecendo no mundo. Descobriu que pessoas com notório saber participavam desse comitê que pensava em Interdisciplinaridade no ensino, desde a creche até Pós-graduação, entre eles Piaget, Gusdorf e outros. O que seria Interdisciplinaridade para eles? A Interdisciplinaridade somente poderia acontecer a partir da língua e por esse motivo Gusdorf incentiva a construção de um dicionário, a fim de haver um consenso para palavras ainda desconhecidas, interdisciplinaridade, pluridisciplinaridade e outras. Escolhiam-se palavras e cada um escrevia sobre ela. O que é Interdisciplinaridade? É junção, justaposição? O que é disciplina? Onde nasce, onde ocorre, onde se desenvolve?

Segundo FAZENDA (2006, p. 49) ao tratarmos da Interdisciplinaridade há uma relação de reciprocidade, de interação que pode ajudar no diálogo entre diferentes conteúdos, desde que haja uma intersubjetividade presente nos sujeitos. Para ela, integrar conhecimentos significa apreender, disseminar e os transformar. Na década de 70, salientou que a Interdisciplinaridade surgiu como uma nova pedagogia capaz de identificar o vivido e o estudado, capaz de construir conhecimento a partir da relação de múltiplas e variadas experiências. Falava também na possibilidade de a Interdisciplinaridade construir um novo perfil de profissional capaz de estar aberto a novos campos de conhecimento. Fazenda anuncia a possibilidade de a Interdisciplinaridade constituir-se em incentivo à formação de pesquisadores e pesquisas numa direção diferenciada, a fim de propor a unidade dos objetos que a fragmentação dos métodos separou, com isso uma abertura a diálogos entre as disciplinas, condição para uma educação permanente. A autora já mostrava que a educação é uma forma de compreender e modificar o mundo e que o homem é agente e paciente desta realidade, que precisa ser investigada em seus mais variados aspectos. Hoje, reafirma a importância do diálogo para a eliminação das barreiras entre as disciplinas.

No final dos anos 80 e início dos anos 90, começaram a surgir centros de referência reunindo pesquisadores em torno da Interdisciplinaridade na Educação, em países como Canadá com o CRIFPE- Centro de Pesquisa Interuniversitária sobre a Formação e a Profissão/Professor e o GRIFE, Grupo de Pesquisa sobre Interdisciplinaridade na Formação de Professores, coordenado por Lenoir, na França o CIRID- Centro Universitário de Pesquisas Interdisciplinares em Didática, coordenado por Sachot, assim como Grupos de Pesquisa sobre a Interdisciplinaridade na formação de professores em outros países. Esses grupos influenciaram e direcionaram às reformas de ensino de primeiro e segundo graus em diferentes países.

Na década de 90, Fourez, na Bélgica e Pineau, na França, ampliaram seus estudos sobre as questões da Interdisciplinaridade na Educação, unindo-se aos grupos canadenses de Montreal, Vancouver e Quebec. O mesmo ocorreu com a Universidade Santa Fé, na Colômbia e a Universidade Federal do Recife, no Brasil.

Os referidos trabalhos também invadiram Portugal e Argentina, subsidiam cursos de graduação e pós-graduação nas Universidades de Lisboa, Aveiro, Évora e Buenos Aires.

Fazenda mencionou o quanto faltou de prática no Curso de Pedagogia, sua formação inicial. Encontrou muitas dificuldades para lidar com os alunos de especialização, não conseguia dialogar com eles. Outro ponto mencionado, questionava-se até que ponto a literatura era importante, apenas para ler e compreender? Explicou que a literatura ajuda a ler as entrelinhas.

Explicou que a partir de incidentes críticos, como os ocorridos com ela, seus orientandos se aprofundam em pesquisas e assim conseguem analisá-los de diferentes maneiras. Até onde se quer ir nessa pesquisa? Como é tocar o outro, como tocar na sensibilidade do outro, como posso me rever enquanto história, para poder ver a história de cada um? Ela reafirmou que esse processo não é uma construção narrativa biográfica, é um processo em que conceitos são integrados. Manifestou a importância da parceria, que sempre teve com seus teóricos. Para ela a parceria não tem limites, afirmou que ela conduz a novos elementos. Afirmou: “precisamos ser por inteiro para que a parceria se instaure.” Lembrou-se dos trabalhos em parceria realizados, os projetos feitos, entre eles: A academia vai à escola. Nesse projeto, ouviu os professores para construir currículos interdisciplinares. Ao responder perguntas feitas pela plateia comentou “uma vida não responderia a todos os questionamentos”. Terminou sua fala afirmando o quanto fazer projeto interdisciplinar é difícil, pois é um trabalho solitário. Embora escreva livros e em periódicos, valoriza o trabalho autônomo, onde a criatividade esteja presente. Para Ivani Fazenda, a Interdisciplinaridade precisa ser transgressora, ela é além da vida, além de tudo, tem de transcender e anunciar possibilidades.

Reflexões de Varella para o Encontro em Brasília

Nesse Encontro final, percebi que as questões sobre Interdisciplinaridade estão começando a ser demarcadas com mais nitidez embora não apresentem elementos práticos. Estão bastante preocupados com a formação de cursos, de profissionais que darão conta dessas novas áreas. Estão prevendo que muitos cursos mais surgirão que contemplem a Interdisciplinaridade, afora os que já existem, que são muitos em várias universidades Federais ali representadas. Serão cursos interdisciplinares que darão conta das necessidades humanas integradoras? As pesquisas são todas interdisciplinares?

O que constatei é que não manifestaram nenhuma referência à elaboração de projetos interdisciplinares, nem mencionaram como é a atuação de um profissional interdisciplinar. Foi um avanço pensar as questões das inserções dos estudantes no mercado de trabalho, pensando de uma forma global, para absorver todas as áreas do conhecimento.

Percebi que algumas Universidades são resistentes às transformações, não querem inovar, preferem permanecer na mesmice. Não abrem as portas para os professores exercerem a Interdisciplinaridade, querem permanência de departamentos trancados em si mesmos, assim como as ciências ficavam antes, sem dialogar. Outro ponto fundamental para ser repensado: as universidades e suas grades curriculares preparam os estudantes apenas para saberem os conteúdos ministrados ou para que consigam fazer conexões com o mundo em que vivem?

Alguns profissionais sugeriram criação de revistas interdisciplinares para conhecerem o que colegas desenvolvem. Desconhecem a existência de grupos sobre interdisciplinaridade.

É preciso repensar no aprendizado condizente ao que a sociedade precisa e exige. Antes o profissional não precisava de educação continuada ininterrupta, hoje sim. O que diferenciará as pessoas será a permanente atualização. Um detalhe fundamental para esta reflexão: como avançar no aprendizado para torná-lo útil à sociedade?

As discussões sobre cursos para torná-los interdisciplinares não é novidade, porém foi feita pouca reflexão sobre o profissional que trabalhará neles. Uma das ideias é que se institucionalize a Interdisciplinaridade dentro da universidade. A Interdisciplinaridade poderá colaborar com a Ciência, tecnologia e inovação para o país evoluir? De que maneira trabalhar com projetos interdisciplinares no Pós-graduação, já que esses cursos são geradores de pesquisas?

Um caminho para pensarmos: o que é necessário para que a Universidade crie espaços de encontros? As pessoas precisam ser forçadas a ter novos caminhos. Os educadores que não estão abertos a diálogos têm de ser levados a perceber a importância da aproximação de pessoas com formação diferente, somente assim conseguiremos agir com liberdade e flexibilidade e formar seres humanos preparados para entender o mundo em que estamos respeitando valores que foram esquecidos.

Quase nada se ouviu de como formar pessoas, que formarão outras pessoas. O que constatei é que os discursos continuam no caminho de resultados financeiros. Escola básica e graduação não geram projetos lucrativos, portanto poucos olhares se voltam para elas.

Como convidados dos encontros principais apenas 2 mencionaram os problemas ocorridos nas escolas básicas. Isso é muito preocupante, porque mesmo os projetos das Prefeituras querendo colocar a temática Interdisciplinaridade em seus currículos, os estudos e posicionamentos pouco evoluíram, principalmente conceitualmente.

O que percebi no último encontro que não mencionaram as Universidades Particulares, como se não existissem, porém, são elas que recebem o maior público universitário. E esses estudantes? Quem dará conta de prepará-los para ser o profissional interdisciplinar que o mundo globalizado exige? 

Referências

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro. São Paulo, Loyola, 2011.

_________ A pesquisa em Educação e as transformações do conhecimento. Campinas. Papirus, 2003a.

_________ (org.) Metodologia da Pesquisa Educacional. São Paulo, Cortez, 2002.

_________ Interdisciplinaridade: História, teoria e pesquisa. Campinas, São Paulo, Papirus, 2001.

VARELLA, Ana Maria Ramos Sanchez. O momento atual da Interdisciplinaridade: estudos de 2012 a 2014. Relatório de Pós-doutorado, 2015.

_________ A comunicação Interdisciplinar na Educação. São Paulo, Escuta, 2006.

Entrevista com os escritos de Fazenda 

Ana Maria Ramos Sanchez Varella

http://lattes.cnpq.br/9470675519276604

Jerley Pereira da Silva

http://lattes.cnpq.br/1012314103423287

O papel da interdisciplinaridade é complementaridade na formação do homem novo

Ivani Catarina Arantes Fazenda tem um currículo muito respeitado. Entre todos seus títulos e premiações, também é escritora, docente e pesquisadora do CNPQ, nível I, membro da Academia Paulista de Educação, cadeira 37. É uma das mais importantes estudiosas na área da Interdisciplinaridade, no Brasil. Para ela, há de se fazer uma transformação profunda na Pedagogia para haver um novo tipo de formação de professores para surgir novos jeitos de ensinar. 

A entrevista, a seguir, foi compilada dos escritos de Fazenda. É uma adaptação do texto que foi apresentado ao Congresso Educere, 2015, XII Congresso de Educação. O título do texto original é: “O desafio de formar pesquisadores interdisciplinares”.

Importante destacar que a autora aprovou a ideia de transformar seu texto em entrevista e aceitou as perguntas que servirão para o encaminhamento da mesma. Fazenda ficou feliz em contribuir na formação dos profissionais que desejam conhecer a base da Interdisciplinaridade, principalmente de entender nosso reconhecimento e agradecimento a ela, por ter sido nossa orientadora de nossas pesquisas na Educação interdisciplinar.

Entrevista com os escritos de Fazenda

  1. Dra. Ivani Fazenda a senhora é renomada nos estudos sobre a interdisciplinaridade no Brasil, o que isso representa, como tudo começou?

R.: Há mais de quarenta anos quando iniciei as pesquisas em Interdisciplinaridade, discutia-se muito pouco sobre tais questões. Escritos e pesquisas sobre teoria, prática e pesquisa interdisciplinar eram considerados bastante incipientes. Ainda que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional naquela época se esforçasse em propor a Interdisciplinaridade como proposta para a Educação no país, muito pouco foi, de fato, realizado, como apontam muitos de meus escritos em anos posteriores.

  1. Estamos curiosos com seu conceito de Interdisciplinaridade.

R.: Se definirmos Interdisciplinaridade apenas como junção de disciplinas, cabe pensá-la unicamente sob a perspectiva da formatação de uma grade curricular. No entanto, se a definirmos como atitude de ousadia e busca diante das questões do conhecimento, cabe pensar aspectos que envolvem a cultura do lugar onde se formam professores e pesquisadores. Isso só é possível a partir de uma profunda imersão no trabalho cotidiano, ou seja, na própria prática do docente e do pesquisador.

  1. Quais foram as comprovações sobre Interdisciplinaridade apresentadas por seus pesquisadores?

R.: Já orientei mais de cem trabalhos de pesquisa, entre Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado, os quais puderam comprovar o longo percurso de superação do dilema de efetivação de práticas e pesquisas interdisciplinares, sustentados por um referencial teórico consistente, capaz de subsidiá-los e permitir novas e atuais reconstruções, sempre amparadas na consciência de um novo paradigma, mais simples e mais complexo.

  1. A senhora acredita que os responsáveis pela formação no país valorizam a Interdisciplinaridade?

R.: Percebemos um esforço de todos os seguimentos educacionais em nosso país de acreditar e exercer esforços, porém, as propostas educativas que temos não dão conta de responder aos principais questionamentos de formação. As “gaiolas epistemológicas”, das quais nos fala D’Ambrósio já não dão mais conta de responder questionamentos de nenhuma ordem, seja ela qual for: conceitual, prática e – sobretudo – ontológica.

  1. A senhora cita alguns princípios que subsidiam as práticas interdisciplinares, pode explicá-los?

R.: Construímos verbetes, a fim de anunciarmos que a análise conceitual permite a compreensão de elementos interpretativos do cotidiano, entendendo que a linguagem, em suas diferentes modalidades de expressão e comunicação, precisa ser compreendida de fato, já que é também reflexiva e corporal. Acredito que cinco são os princípios que subsidiam as práticas interdisciplinares: humildade, coerência, espera, respeito e desapego. Alguns atributos são próprios, determinam ou identificam esses princípios. São eles a afetividade e a ousadia que impelem às trocas intersubjetivas e às parcerias. Ao mesmo tempo em que temos visto que o percurso do pesquisador é extremamente solitário, comprovamos que ele também é, concomitantemente, realizado em parceria. Esta é a ambiguidade própria da Interdisciplinaridade. A lógica do “ou” é substituída pela lógica do “e”. A pesquisa é solitária e coletiva, ao mesmo tempo. É certeza e dúvida. É conceito e prática. É conclusiva e reticente. Temos percebido que a lógica da solidão e parceria da pesquisa interdisciplinar se concretiza na inserção do pesquisador nos grupos de pesquisa desde o princípio de suas atividades.

  1. Ainda há muita dúvida a respeito da Interdisciplinaridade, entre elas: O que significa ser interdisciplinar?

R.: Ser interdisciplinar é saber perguntar. Acredita-se que perguntar ou olhar o fenômeno sob múltiplos aspectos altera a forma e a investigação do conceito. O conceito ganha significado e força no exercício de suas possibilidades: dentro de um espaço, um tempo e uma história próprio do lugar e da cultura onde o pesquisador está inserido. Contextualizada, a pergunta ganha novos sentidos, há a necessidade de exteriorizar o que passa no nosso interior. Este marcar, do espaço e do tempo, carrega também o toque final do pesquisador.

  1. O que é atitude interdisciplinar?

R.: A atitude, a que chamamos interdisciplinar, é construída pelo pesquisador na medida em que se abre aos aspectos ocultos do ato de aprender. Ela orienta a pesquisa para uma dimensão que tenta compreender a totalidade do fenômeno estudado que se camufla em suas diferentes manifestações. É compromissada com o que faz, pelas escolhas, pelo processo.

  1. Qual o segredo metodológico de suas pesquisas em Interdisciplinaridade?

R.: Acredito que muito do segredo metodológico das pesquisas em Interdisciplinaridade está na ambiguidade da parceria e da solidão. Este movimento complexo exige um profundo comprometimento do pesquisador com seus parceiros do grupo de pesquisa, em que uns orientam os outros, complementam, discutem, discordam e constroem novos saberes ao mesmo tempo em que se isolam no interior de seus quartos no processo solitário da escrita de sua própria pesquisa. O processo de coleta dos dados, construção e reconstrução teórica, análise, interpretação e discussão não obedecem a procedimentos lineares. Ao contrário, os processos de pesquisa interdisciplinar encontram-se situados na ambiguidade e complexidade da situação do tempo presente, um tempo de transição. O processo de interação permite gerar conceitos novos e mais fortes, caminhar na ambiguidade, entre a força avassaladora das transformações e os momentos de profundo recolhimento e espera.

  1. Como se aprende a Interdisciplinaridade?

R.: Muito mais que acreditar que a Interdisciplinaridade se aprende praticando ou vivendo, os estudos mostram que uma sólida formação em Interdisciplinaridade se encontra extremamente acoplada às dimensões advindas de sua prática em situação real e contextualizada. As discussões nos últimos anos têm caminhado em direção à formação do pesquisador interdisciplinar, que é muito mais do que conhecer conceitos e relações entre os saberes ou fazer conexões entre as diversas disciplinas.

  1. A senhora destaca a importância da metáfora na construção da pesquisa. Por que ela é tão importante nas pesquisas sobre Interdisciplinaridade?

R.: Ricoeur afirma em seus estudos que “[…] a metáfora é viva pelo fato de inscrever o impulso da imaginação num ‘pensar mais’ ao nível do conceito”, constituindo “a alma da interpretação”. Tenho a convicção de que a metáfora que subsidia a pesquisa e a prática interdisciplinar é a metáfora do olhar. Um olhar em camadas que procura desvendar cada uma das dimensões que envolvem o objeto de pesquisa ou, no caso da formação de professores, as práticas pedagógicas. Ancorados no aporte da fenomenologia, esse olhar sobre o qual nos reportamos, não é um olhar unilateral, mas um olhar multifocal e multifacetado, que procura compreender a maior variedade possível de imagens e informações. É um olhar carregado de intencionalidade e desejo.

Revisita aos escritos de Hilton Ferreira Japiassu 

Ana Maria Ramos Sanchez Varella

http://lattes.cnpq.br/9470675519276604

Jerley Pereira da Silva

http://lattes.cnpq.br/1012314103423287

O papel da interdisciplinaridade é complementaridade na formação do homem novo

Filósofo brasileiro, possui vasta obra com mais de 15 livros traduzidos do francês, mais de 30 artigos e capítulos de livros. Impossível não homenagear Japiassu quando o assunto é Ciência e interdisciplinaridade. Nosso agradecimento e homenagem a quem muito contribuiu com nossas pesquisas.

Compartilhamos com o leitor a riqueza de alguns de seus escritos que serviram para nossos estudos e pesquisas. Ler Japiassu é ter a possibilidade de refletir sobre a Ciência da Interdisciplinaridade. 

O que mudou depois de sua partida? 

Talvez não seja o momento para interpretações de suas colocações, mas é a chance de exercitarmos nossa escuta sensível e aprender.

“No mundo atual, o cientista é ao mesmo tempo um precioso capital, um grande investimento cuja rentabilidade precisa ser assegurada, uma moeda de troca, uma imagem de marca nacional ou ideológica. Num certo sentido, sua função teatralizou-se. Ele passa a ser um iceberg flutuando sobre o oceano de nossas incertezas, de nossas ignorâncias. Sem dúvida, a parte oculta de seu trabalho só justifica o estatuto privilegiado que lhe reconhecemos, mas ele não pode permanecer estranho à “sociedade do espetáculo”. Nas Ciências Naturais, podemos descobrir um tronco comum, de tal forma que temos condições de passar da Matemática à Mecânica, depois à Física e à Química, à Biologia e à Psicologia Fisiológica, segundo uma série de generalidade crescente. Não se verifica semelhante ordem nas Ciências Humanas. A questão da hierarquia entre elas fica aberta” (JAPIASSU, 1976, p. 84). 

Japiassu (2005, p.183) acredita que nenhum cientista humano pode renunciar ao exercício do pensamento, pois enquanto “velhos paradigmas se eclipsam, outros se tornam centrais”. O que se busca é a construção de uma disciplina adisciplinar. 

“O espaço interdisciplinar, não pode ser outro senão o campo unitário do conhecimento. Jamais esse espaço poderá ser constituído pela simples adição de todas as especialidades, nem tampouco por uma síntese de ordem filosófica dos saberes especializados. O fundamento do espaço interdisciplinar deverá ser procurado na negação e na superação das fronteiras disciplinares” (JAPIASSU, 1976, p. 74-75). 

A disciplinaridade significa a exploração científica especializada de determinado domínio homogêneo de estudo. É o conjunto sistemático e organizado de conhecimentos que apresentam características próprias nos planos do ensino, da formação, dos métodos e das matérias. Esta exploração consiste em fazer surgir novos conhecimentos que se substituem aos antigos (JAPIASSU, 1976, p.72).

Japiassu se mostrava preocupado com os novos paradigmas para as ciências humanas, que tem a função de ajudar os homens em suas decisões de ordem política, administrativa, terapêutica ou pedagógica. A reflexão surge com a exigência de uma epistemologia que não aceita que os “cientistas saibam sem saber que sabem e o que sabem” (2005, p.185), ou seja, não basta saber, a avaliação desse saber é o que importa. O autor ainda nos adverte ser fundamental conhecer o sentido do agir humano em todas as suas dimensões. 

“A ciência é a consciência do mundo. A doença do mundo moderno corresponde a um fracasso, a uma demissão do saber. Semelhante propósito pode surpreender, se pensamos na multidão dos ‘sábios’ ou pretensos sábios que povoam as universidades, os laboratórios, os institutos de pesquisa em toda a face da Terra (JAPIASSU, 1976, p.11).”

Segundo Morin (2001, p.156) até os anos 70, o pensamento era “fundamentado em um princípio de ordem”, entretanto surgiram outros estudiosos como Prigogine, Monod, Von Foerster e Atlan que mostraram que a ordem poderia vir também da desordem. 

O mais importante é perceber que a partir dessas discussões entre ordem e desordem, surge a complementaridade no antagonismo. Morin (2001, p.156) ainda complementa que “é a consciência da necessidade do pensamento sistêmico que criará a mudança do estado de espírito” e a possibilidade de as universidades continuarem a se abrir à ciência. Ele ainda questiona nossa incapacidade em pensar tudo em conjunto. Segundo ele (2001, p.169) os homens continuam a “segmentar, separar, compartimentar, isolar, quando seria necessário reunir”. Se o homem tiver consciência e responsabilidade ele poderá transpor determinismos que parecem intransponíveis. Tornou-se vital que nossas mentes se elevem à nova consciência política e planetária e possam tomar o controle de um futuro cego. O destino da humanidade será jogado, portanto, no terreno da consciência e da inteligência humana (Morin, 2001, p.174). Morais (2005, p.14) chama nossa atenção do reconhecimento dos “papéis de ator e construtor que nos é destinado e a riqueza do diálogo Inter e Transdisciplinar, percebendo que não somos seres estranhos ao mundo em que vivemos”. O caminho que vai sendo traçado aqui é perceber o pensamento da inclusão, da reconstrução, principalmente na área da educação, porque é nesse eixo que tanto educador quanto educando têm a oportunidade de dialogar. Morais (2005) apresenta as contradições e complexidades que levam à construção interna do ser. A afetividade e subjetividade complementam a ciência e permitem sua reconstrução a cada momento. Essa abertura para Morin permite que sejam vividas as emoções e as afetividades. Por isso a reforma do pensamento é um desafio, porque criatividade, reflexão, lidar com diferenças, trabalhar em redes não complementam a necessidade que o educador tem em sua sala de aula. Reformar, reformular pensamentos, novos paradigmas, união de talentos, conhecer o próprio talento deve ser uma busca constante. 

O interdisciplinar se apresenta como o remédio mais adequado à cancerização ou à patologia geral do saber. No entanto, na medida em que a maioria das análises permanece superficial, os remédios propostos também não atingem o fundo das coisas (JAPIASSU, 1976, p.31).

O educador, em sala de aula, é o próprio autor-ator de suas realizações. Ao compartilhar suas ações, ele permite a coautoria dos educandos no processo. Essa é a riqueza, esse é o avanço da ciência. É acertar, errar, corrigir, vivenciar. Audácia, coragem, esperança, vontade é assim que se apresentam as novas discussões para o educar. A reformulação de pensamentos para a educação deve passar, sem dúvida nenhuma pela reformulação dos pensamentos dos próprios professores. As novas práticas pedagógicas são desafios que requerem parceria na universidade. A apresentação da subjetividade no campo da construção pedagógica pode ser um despertar dos educandos para novos caminhos também subjetivos, mas construídos com pesquisa e novos conhecimentos. Quando o caos se instaurar em sala de aula, o caminho deve ser o do diálogo, da humildade, da sinceridade, da serenidade, da organização, planejamento, atitude, competência, comprometimento. Promover abertura, diálogo, coerência na complexidade, não permanecer fechado para as novas teorias, novos caminhos e conhecer o processo da construção do conhecimento. 

O que realmente importa, no diálogo interdisciplinar, aquilo que não somente é desejável, mas também indispensável, é que a autonomia de cada disciplina seja assegurada como uma condição fundamental da harmonia de suas relações com as demais. Onde não houver interdependência disciplinar, não pode haver interdependência das disciplinas (JAPIASSU, 1976, p.129).

Fazenda e Japiassu nos impulsionam ao exercício do pensar, para que novos diálogos se processem e proporcionem aos seus pesquisadores momentos de inteira reflexão e mudanças de paradigmas. Nesse momento, surge um vínculo construtivo e idealizador, uma possibilidade da busca de novos sentidos para o “ser Educador”. 

Para JAPIASSU (in Fazenda 2011, p.18) “se quisermos exercer alguma influência no rumo empreendido pela Ciência contemporânea”, será preciso que se tenha a consciência da necessidade de uma ação para ele chamada direta no momento em que se tenta dar conta dos conhecimentos científicos e de uma ação indireta, “convertendo-nos em pedagogos capazes de formar aqueles que mudarão o mundo”.

A Interdisciplinaridade preserva a integridade do pensamento e o restabelecimento de uma ordem perdida, segundo FAZENDA (2011, p.8). Para a autora, a primeira condição de efetivação da Interdisciplinaridade é o desenvolvimento da sensibilidade. Será fundamental formação que pressuponha “treino na arte de entender e esperar, desenvolvimento no sentido da criação e da imaginação”. O ideal será um enorme movimento em que sejam acionadas transformações internas nos seres e ao mesmo tempo, como afirma JAPIASSU, que seja possível a transformação do mundo do saber.

(…) o verdadeiro espírito interdisciplinar consiste nessa atitude de vigilância epistemológica capaz de levar cada especialista a abrir-se às outras especialidades diferentes da sua, a estar atento a tudo o que nas outras disciplinas possa trazer um enriquecimento ao seu domínio de investigação e a tudo o que, em sua especialidade, poderá desembocar em novos problemas e, por conseguinte, em outras disciplinas (JAPIASSU, 1976, p.138).

Referências

FAZENDA, Ivani Catarina. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas: Papirus, 2001.

 ______. A pesquisa em educação e as transformações do conhecimento. Campinas: Papirus, 2003. 

JAPIASSU, Hilton. O eclipse das ciências humanas e a crise da psicanálise. São Paulo: Letras e Letras, 2005.

_______________. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro, Imago, 1976.

 MORAES, Maria Cândida. Reconfigurando o cenário epistemológico. São Paulo: 2005

MORIN, Edgar. Educação e Complexidade: os sete saberes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 2005.

 VEGA, Alfredo Pena, ALMEIDA, Cleide, PETRAGLIA, Izabel (orgs) Edgar Morin: Ética, cultura e educação. São Paulo: Cortez, 2001.

Quem sou deixa marca – ou em prosa ou em verso

Jucimara Silva Rojas

http://lattes.cnpq.br/1651972293796814

De repente, deparo-me frente a uma questão prática e, também, complexa. Não é simples desenvolver relações interpessoais. O outro tem uma mistura que às vezes, não conseguimos atingir.  Quando digo “Quem sou deixa marca” estamos falando do sujeito – Ser, presente no contexto da vida. 

Aquele que passa pelo ser social, buscando um elo entre o Eu e o Outro. Afinal, viver é conviver. Somos seres de relação e como tal dependemos das interações. No distanciamento, ficamos vulneráveis, incompletos e inacabados, pois somente há sentido se nos colocarmos como parte do universo, do todo. Um todo em prosa e verso no contexto da vida. 

Assim trazemos à cena os conceitos de prosa e verso, no sentido do texto. A prosa é a forma que adotamos para escrever de maneira natural, expressando as ideias como surgem no nosso pensamento, sem precisar seguir regras que nos indicam à medida que devem ter as linhas que escrevemos, ou o ritmo das mesmas. Na prosa, por exemplo, as frases não têm necessariamente que rimar e, a escrita não há regras, como no caso do verso.

Já o verso é uma composição poética escrita, o qual considera a métrica das sílabas e o ritmo das frases. No verso, utilizam-se elementos como os acentos, as pausas ou o som similar das palavras para criar uma narração com rima

Destarte, todo ser tem seu conceito, sua prosa, seu verso. Isso se mostra no rosto de cada indivíduo. Na sua expressividade. Dizemos daquilo que gostamos ou não, pelo nosso rosto, pelas nossas expressões ou mesmo pelo olhar. O rosto é nosso conceito. Então, a comunicabilidade se apresenta no sentido que cada ser dá ao relacionamento e as trocas. Nesse sentido, as parcerias são feitas pelo diálogo formal e diálogo informal. 

No formal, as palavras sempre são prosas. Ritmadas…Essas palavras seguem um planejar e tem sujeitos determinados. Gestos e Gentilezas marcados pelo tempo-medida. 

Sem dúvida, a gentileza é uma das atitudes mais fáceis de praticar, pois um simples gesto, tal qual um sorriso é capaz de iluminar o rosto de alguém e formar uma corrente que se espalha em muitos outros sorrisos e gentilezas.          

Uma corrente do bem se mostra em Gentilezas pequenas, ações. Imediatas. Virtudes. Ações sutis, feitas para alguém que não precisamos, necessariamente, conhecer. 

O diálogo informal, segue os sentimentos – verso, magia, percepção. Sensibilidades…. Gentilezas virtudes que são como sinais: apenas um sorriso. Um olhar. Um toque. Um gesto…

Então, o perceptivo se edifica. Assinala, como nos diz Merleau-Ponty (1996, p. 06), 

[…] a percepção não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição deliberada; ela é fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles. O mundo não é um objeto do qual possuo comigo a lei de constituição; ele é o meio natural e o campo de todos os meus pensamentos e de todas as minhas percepções explícitas. A verdade não “habita” apenas o “homem interior”, ou, antes, não existe homem interior, o homem está no mundo, é no mundo que ele se conhece. Quando volto a mim a partir do dogmatismo do senso comum ou do dogmatismo da ciência, encontro não um foco de verdade intrínseca, mas um sujeito consagrado ao mundo.

A percepção, na teoria fenomenológica é considerada parte fundamental do conhecimento humano e se realiza num campo perceptivo. Não há ilusões na percepção, ela é a relação entre as coisas e nós e nós e as coisas, uma relação possível já que as coisas são corpos e somos corporais.

A fenomenologia defende que se faz necessário, para vermos o mundo, suspender tudo o que, naturalmente, parece-nos óbvio para que possamos buscar a sua essência. Como estrutura fundamental do fenômeno, conforme Bicudo e Espósito (1997), a essência do mundo é o que vivemos, o que de fato ele é e o homem na fenomenologia é origem e fim, produto e produtor de seu próprio conhecimento, conhecimento que não é originário da experiência do outro ou do ambiente material e cultural que o cerca, mas sim da experiência do homem no mundo. 

Na fenomenologia merleau-pontyana, o sentido do ser e do fenômeno, do perceber e do percebido não podem ser separados, pois ser e fenômeno, homem e mundo são indissociáveis. É nesse momento que a percepção é percebida no aspecto fenomenológico.

Diante do exposto, Meira (2003) afirma que a percepção, por meio de seus estudos, é vinculada à fenomenologia indo além com Merleau-Ponty, pois ele situa a percepção como solo da consciência, conhecimento que oferece o contexto cultural para os atos humanos. Dessa forma, a percepção fenomenológica revela-se em uma movimentação do conhecimento, na qual correlações de fenômenos, compreendidos e apreendidos no mundo, cifram sentidos, por exemplo, o sentido de um gesto que é diferente de uma soma de movimentos. 

Assim, o sentido de um gesto é um fenômeno desvelado pelo ser que se dirige as interrelações dos diversos movimentos do corpo. É no intervalo das positividades do mundo, nas suas correlações que o fenômeno surge. Merleau-Ponty diz que a percepção deve ser integrada a dialética das ações e reações. 

Assim, a “[…] percepção dirige-se não aos objetos em si mesmos ou as suas qualidades puras, calor, frio, branco, preto, mas sim, as realidades experienciadas com esses objetos ou qualidades” (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 162-3). 

Mesmo que se queira fazer da consciência o potencial organizador do mundo, nada ela pode dizer desse mundo sem fazer a experiência de estar imersa nele, pois 

[…] o mundo da percepção, isto é, o mundo que nos é revelado por nossos sentidos e pela experiência de vida, parece-nos à primeira vista o que melhor conhecemos, já que não são necessários instrumentos nem cálculos para ter acesso a ele e, aparentemente, basta-nos abrir os olhos e nos deixarmos viver para nele penetrar. (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 1).

Para Merleau-Ponty, o mundo não é apenas aquilo que penso, mas também o irrefletido, considerando que o mundo é aquilo que vemos. Atribui papel fundamental à atividade perceptiva no que diz respeito à relação entre sujeito e mundo. Portanto, mediante esta perspectiva, o corpo é concebido como sede da percepção. Para Merleau-Ponty, o corpo é justamente o meio pelo qual as coisas podem ser reconhecidas como são. Assim, a percepção é evidenciada na experiência estética, na experiência vivida, sentida. 

Então, para sentir não é suficiente ver, tocar ou ouvir, é preciso que as qualidades sensíveis das coisas se apresentem ao nosso campo perceptivo sob condições exclusivas, inclusive ligadas à especificidade da nossa interação com eles, pois o mundo é muito mais do que nossos órgãos dos sentidos podem alcançar. 

Para Rangel (2007, p. 59), a explicação para todo o processo perceptivo não está nas coisas visíveis, “[…] porque os olhos, como já sabemos, não podem ser concebidos como meros receptores, já que são movidos por uma intencionalidade”. Dessa forma Merleau-Ponty (1999) propõe um reaprendizado da visão enquanto percepção, mediante um perceber livre de pré-juízos, um perceber que

[…]  no encontro com o percebido, faz eclodir a verdade última, que não é una, absoluta, nem transcendental, mas é compatível com a finitude da existência carnal humana, com os limites do seu corpo vivo, com a incessante e torrente metamorfose do real, com o inegável poder que exerce sobre nós tudo aquilo que se manifesta, e o igual poder que exercemos sobre tudo aquilo que nossos sentidos tocam – um enlace definitivo entre o perceber e o percebido – porque, na sensação, somos corpo e mundo num único instante.(RANGEL, 2007, p. 71).

Assim, para o entendimento e a vivência do processo perceptivo, Merleau-Ponty (1999) recomenda que mergulhemos no mundo, que desçamos em sua direção tal como é, que interroguemos o que em seu silêncio quer dizer.

Então, toda perceptividade do ser pode gerar uma Gentileza, desse ser para outrem. Ser gentil é sentir-se do bem. Gentileza é uma virtude que tem a ver com a cultura local, um protocolo social. 

Pode ser percebida como qualidade do bem viver: ser gentil é ser sociável. Falar a verdade e se apresentar com sentimentos marcantes: Amizade. Amor. Sinceridade. Lealdade. Alegrias de vida.

Praticar o exercício do ser gentil é uma conquista da consciência e é uma conquista do conhecimento. Gostamos de dizer que ser gentil, deixa marcas. Sim, porque necessita de um conhecimento profundo da palavra no sentido simples, escrita e, da palavra, no sentido métrico, regrada, versada. Tudo junto e misturado para mostrar-se evolutivo na maneira do bem fazer e dizer.

Quando falamos de gentilezas, pensamos em alguns tipos, as quais nomeio aqui: 

– Gentileza informativa ou superficial – aquela que apenas mostra-se no automático do relacionar. Não marca. Flui no vento…

– Gentileza interpretativa – não mede esforços para ajudar outrem. Faz pelo ato de exercer o certo no momento que se pede. Pode ser planejada para tal. Logo, fria!

– Gentileza qualitativa – àquela que se mostra naturalmente no contexto do momento. A naturalidade gera o sentido simples de se colocar os sentimentos e esse flui no diálogo, como categoria marcante.

É o ser edificando o outro, numa elevação que atinge o processo emocional e perceptivo, gerando qualidades, expressas em atitudes – diálogo aberto, sincero, interdisciplinar.

Dessa maneira, asseveramos o conceito proposto por (FAZENDA, 2005, p.24) “[…] interdisciplinaridade é uma atitude, isto é, uma externalização de uma visão de mundo”. Para a autora essa atitude se expressa como habilidade para exercer trocas com outros, com os pares… Assim, as relações humanas são interdisciplinares ao promoverem o exercício das relações, a colaboração, a partilha de saberes e a parceria em Prosa e Verso, em pequenas gentilezas…

A intersubjetividade (princípio primeiro da parceria) é muito mais do que uma questão de troca, mas, que o segredo está na intenção da troca, na busca comum da transcendência. Aprendemos também o cuidado que precisamos ter com a palavra, esta tal como o gesto tem por significação o mundo, o importante é, pois, nos utilizarmos de boas metáforas, pois o sentido de poiesis, de totalidade que as mesmas contemplam, exercendo um poder de despertar não apenas o intelecto, mas o corpo todo. Quando adquirimos a compreensão da ambiguidade que o corpo contempla, adquirimos a capacidade de lidar com o outro, com o mundo, enfim, recuperamos o sentido da vida. (FAZENDA, 2001, p. 119). 

Neste momento, é salutar trazermos a cena aspectos sobre a linguagem simbólica tal qual nos sugere Furlanetto (2001, p. 65), quando diz que “os símbolos revelam uma estrutura do mundo que não é evidente à experiência imediata, são multivalentes, capazes de exprimir inúmeros significados que não se mostram à primeira vista”. Em sua particularidade o símbolo está posto, porém exige um olhar diferenciado por meio do qual o seu sentido oculto se desvela. 

Ao observador o fenômeno surge e gradualmente, à medida que se exercita a epochè, se desnuda revelando a essência, o mesmo acontece com o símbolo que convida seu espectador a pensar e sentir. Entende-se que o símbolo tem a capacidade de transmitir conteúdos que vão além do que é visível, para Chevalier e Gheerbrant (1990, p. 17): 

O símbolo exprime o mundo percebido e vivido tal como o sujeito o experimenta, não em função de razão crítica e no nível de sua consciência, mas em função de todo o seu psiquismo, afetivo e representativo, principalmente no nível do inconsciente. 

O símbolo assim compreendido possui um valor pessoal, que será definido de acordo com as vivências pessoais tanto cognitivas quanto afetivas de cada sujeito, ou seja, indivíduos diferentes darão significados distintos a um mesmo símbolo, pois este tem a capacidade de fazer emergir conteúdo do inconsciente pessoal. Ele transcende as definições, pois para que seu propósito se realize é necessário que o indivíduo que o analisa consiga decifrá-lo, uma vez que seu mistério será revelado a cada passo dado em direção à sua essência.

Há no símbolo um dinamismo próprio que revela o sentido mais profundo de seu significado e na esfera individual revela a razão de ser do próprio observador que ao perceber a essência, surge à sua frente a oportunidade de se transformar, em modificar aspectos de sua subjetividade antes desconhecidos de si mesmo, e assim o reintegra, conforme Furlanetto (2001), o símbolo é capaz de revelar, transformar e restaurar aquele que o percebe. 

Para Jung (2008) os símbolos podem ser divididos em pessoais e culturais, os primeiros estão ligados a vivências individuais e sua relação com o inconsciente, enquanto os segundos referem-se aos símbolos utilizados por cada sociedade para transmitir “verdades eternas”, em ambos os casos, os símbolos ganham o seu dinamismo ao serem carregados de emoção. 

O símbolo é rico em linguagem, seja ela abstrata no primeiro momento ou concreta quando sua essência se desnuda. Ele pode ser utilizado na comunicação de ideias e transmissão da sabedoria. Sabendo-se que uma característica do símbolo é ser pessoal, a linguagem simbólica traduz as experiências íntimas como os sentimentos, pensamento e paixões por meio de imagens e símbolos que nos remetem ao mundo vivido. 

Gostamos dessa parte entre prosa, verso e simbologias. Entre elas ajustamos a metáfora – ser gentil, deixa marca -. Essa metáfora diz da Gentileza simples e natural. Aquele que se abre para o sentimento entrar. Mostra-se e se desvela, reinventa-se, naturalmente. Próprio do ser que já desenvolve tal aspecto e sentido em si. O que dá valor ao tempo Kairós, da existência do ser. Ser, sendo, assim é!

Aqui, podemos expor os tempos Khrónos e Kairós. O primeiro refere-se ao tempo cronológico, o tempo físico, que pode ser medido, com um princípio e um fim. Por outro lado, o tempo Kairós é um tempo indeterminado, é o tempo metafísico em que algo especial acontece, é o tempo marcado com um “antes” e um “depois”.

No âmbito de Kairós, há o tempo da oportunidade, aquele tempo não mensurável, não tangível, que não se pode acolher na concepção cronológica. O tempo da oportunidade não pode ser tocado, apenas vivido e aproveitado, ele apenas pode ser percebido e bem utilizado pelo sujeito que o expressa.

Vivendo há um ano e meio a Pandemia do COVID – 19, a velocidade e experiência do tempo vivido, depende de como estamos vivenciando toda essa situação de distanciamento social, esse “novo normal” como ouvimos recentemente. Situações como mudanças de rotina, atribuições, tarefas diárias, trabalho ou home office, refletem em nossa percepção sobre o tempo. Por exemplo, se houve uma mudança completa da rotina, a sensação é de que os dias estão passando muito rapidamente.

Então podemos afirmar que a situação da Pandemia de 2020, 2021 assim como outras experiências cotidianas, alteram nossa percepção de tempo, fazendo a passagem ser mais depressa ou lenta a depender de cada um. 

Portanto, é preciso calma, paciência, cuidados com a nossa saúde mental que podem estar relacionados aos momentos em Prosa e Verso com família e amigos. Momentos esses que podem ocorrer por meio digital, pelos aplicativos de conversa instantânea ou chamadas de vídeo. 

Anos de 2020, 2021 anos diferentes. Marcantes pelo processo de buscar-se saber viver e conviver, no horizonte das Gentilezas, perpassa o sentimento de generosidade. Assim o exercício do percebido é ainda maior – conceber o bem. Atitude de se fazer do Outro, nosso próprio Eu.

Destarte, sempre aprendendo… Aprendendo que o tempo vai além do calendário, vai pela eternidade, segue pelas veias da vida… Somos um sopro… Existir é algo divino! Ser feliz é ter amigos, também!

Aprendemos o quanto vale ver os olhos abrirem, o quanto vale o ar, o quanto vale o respirar… Aprendemos que queremos ser cuidados, que não temos toda a força…

Aprendemos a ouvir e que o silêncio vale mais que mil palavras. Aprendemos que queremos ser abraçados e que vamos correr atrás desse abraço.

Aprendemos que queremos fazer falta! Deixarmos saudade… Aprendemos que não sabemos esperar… que ninguém sabe.

Aprendemos que deixamos marcas por onde passamos – “Quem sou deixa marca” – e mesmo assim, não sabemos nada… Ou só sabemos que nada sabemos, como já dizia um filósofo. 

A vida nos ensina, eleva e enleva. Embala-se naturalmente para quem souber aproveitar. Somos seres aprendentes. E o fato principal para tal aprendizagem está na sabedoria de saber usufruir daquilo que nos é dado, numa virtude do gentil, do modo de sermos e vivermos… Vivendo simplesmente o descoberto, o permitido…

Aprendemos ter humildade para sentir as coisas e gratidão para seguir em frente! Seguindo na vida pelo suporte muito poderoso da oração, no sentido daquele que tem fé. E assim querer aprender ainda mais, porque hoje, sabemos enterrar o relógio na areia e deixar rolar… Há desapego. O humano no Humano! Simples assim…

Ou em prosa, ou em verso, revelamo-nos na atitude do ser gentil que tudo pode, simplesmente.

Referências

BICUDO, M. A. V.; ESPÓSITO, V. H. C. (Org.). Joel Martins. Um seminário avançado em fenomenologia. São Paulo: EDUC/ PUCSP, 1997.

FAZENDA Ivani. Construindo aspectos teóricos-metodológicos da pesquisa sobre interdisciplinaridade. In mimeo, 2001.

FURLANETTO, E. C. A prática interdisciplinar. Educação e formação. Revista do Congresso de Educação Continuada – Pólo: 7 PEC-UNITAU. Taubaté : s/n:37-40, dez, 1998.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Tradução Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

MERLEAU-PONTY, M..Conversas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

OS SENTIDOS DA INTERDISCIPLINARIDADE NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA

Maria de Fátima Gomes da Silva

http://lattes.cnpq.br/1996799211395009

Introdução

Este artigo reflete sobre os sentidos da interdisciplinaridade na educação básica. As reflexões aqui esboçadas estão ancoradas na concepção histórico-dialética da interdisciplinaridade (SILVA, 2009), a qual se impõe como uma necessidade e como problema no plano material, histórico e cultural e epistemológico, o que exige uma deliberação coletiva de problemas educacionais e considera experiências pedagógicas de caráter sócio histórico.

Desse modo, procura-se evidenciar neste texto sentidos da interdisciplinaridade na educação básica, com base na concepção histórico-dialética anteriormente referida, a qual é orientada pela dialética materialista histórica a partir de três aspectos, ou seja, enquanto uma postura ou opção de mundo, enquanto um método que permite apreender radicalmente a realidade social e enquanto práxis.

Apesar da vivência da interdisciplinaridade na educação corresponder a uma das principais preocupações de muitos(as) educador(as), o número de pesquisas que se têm debruçado sobre esta temática, é ainda relativamente reduzido justificando que se continue a investir nesse campo. De fato, alguns aspectos da problemática da fragmentação do conhecimento e da sua contraface, a interdisciplinaridade, ainda parecem bastante relevantes tendo em vista às configurações epistêmicas contemporâneas, assim como as novas demandas sociais e políticas para a educação básica.

A vivência da interdisciplinaridade em qualquer prática educativa, não depende apenas de um simples ato de vontade de seus interlocutores, mas, sobretudo, de mudanças profundas nas relações de poder.  Para que a escola de educação básica vivencie a interdisciplinaridade de forma mais complexa será preciso que as práticas educativas nela vivenciadas considerem a construção de conhecimentos como uma dimensão do todo social.

Faz-se necessário ainda considerar que a fragmentação do conhecimento que é produzido na escola, tem obstaculizado a vivência da interdisciplinaridade em complexidade. A fragmentação do conhecimento, nas práticas educativas da educação básica, considera a figura do(a) professor(a) “especialista” como aquela pessoa que sabe “tudo” sobre uma determinada área do conhecimento, mas que sabendo “tudo” sobre essa área do conhecimento, pode não saber nada do que está ao redor, e assim, não tratar o conhecimento em diferentes dimensões. É a partir dessa necessidade de aquisição de um conhecimento mais “completo”, ou seja, da compreensão da totalidade dos fatos sociais que se instaura, por exemplo, no âmbito da escola de educação básica, a necessidade de um projeto interdisciplinar de trabalho.

A tarefa de conduzir a escola de educação básica pelas vias da interdisciplinaridade não é fácil, pois exige de seus interlocutores/atores muito discernimento e confiança no que estão a fazer. Com base nessas ideias referidas, é possível inferir que a interdisciplinaridade é,

[…] uma atitude epistemológica que ultrapassa os hábitos do cotidiano escolar. A ideia de interdisciplinaridade é uma ameaça à autonomia dos especialistas, vítimas de uma restrição de seu campo mental. Eles não ousam suscitar questões estranhas à sua tecnologia particular, e não lhes é agradável que outros interfiram em sua área de pesquisa. A interdisciplinaridade implica verdadeira conversão da inteligência […] (GUSDORF,cit. FAZENDA,2014, p.24).

Destaca-se desta a citação dois pontos que evidenciam sentidos para a interdisciplinaridade na educação básica, ou seja, uma prática educativa interdisciplinar deverá transcender os hábitos cotidianos da escola e, por isso, implica uma mudança institucional; requer uma conversão da inteligência, o que de certa forma implica conhecer o conhecimento de forma complexa, por meio de parcerias e do trabalho em equipe.

Assim, considera-se que essa conversão da inteligência e mudança institucional deve considerar uma concepção de interdisciplinaridade que tenha em conta a complexidade do pensamento e que é aqui denominada de histórico-dialética ou ressignificada, a qual se situa para além de uma simples associação e/ou mera integração entre disciplinas. Parte-se da ideia de que o exercício da interdisciplinaridade nas escolas de educação básica, deveria viabilizar processos de gestão democrática do currículo, que possibilitassem a reflexão conjunta de espaços problemáticos comuns na sociedade, a crítica permanente dos sujeitos sobre o objeto, a possibilidade de professore(as), estudantes, pais e comunidade escolar enfrentarem os problemas do mundo atual tendo como referência à realidade sociopolítica e cultural local.

A questão da interdisciplinaridade aqui tratada assume uma perspectiva de complexidade relativamente ao conhecimento a ser construído por meio do currículo escolar da escola de educação básica. As bases teóricas que sustentam, neste texto a ideia de uma interdisciplinaridade pelo viés da complexidade do pensamento humano, têm como referencial o conceito de complexidade trabalhado, principalmente, por Edgar Morin que a entende como um tipo de pensamento que não separa, mas, une e busca as relações necessárias e interdependentes de todos os aspectos da vida humana. Trata-se de um pensamento que integra os diferentes modos de pensar, opondo-se aos mecanismos reducionistas, simplificadores e disjuntivos. Esse pensamento considera todas as influências recebidas, internas e externas, e ainda enfrenta a incerteza e a contradição, sem deixar de conviver com a solidariedade dos fenômenos existentes.

O pensamento complexo, enfatiza o problema e não a questão, pois sendo o ser humano complexo, o pensamento também assim se apresenta. Desse modo, para Morin (1980, p. 14), o pensamento complexo

é a viagem em busca de um modo de pensamento capaz de respeitar a multidimensionalidade, a riqueza, o mistério do real; e de saber que as determinações – cerebral, cultural, social, histórica – que impõem a todo o pensamento, co-determinam sempre o objeto de conhecimento.

A concepção histórico-dialética resulta, de certa forma, dos ideais dos paradigmas da complexidade e da pós-modernidade, visto que a pós-modernidade, assim como essa concepção de interdisciplinaridade compreendida à luz de uma epistemologia da complexidade, emergem de “novas” experiências no campo das artes, da literatura, da filosofia, da ciência e da cultura, sobretudo, na sociedade ocidental, onde se vive a experiência da permissividade e provisoriedade que são, por assim dizer, características importantes da pós-modernidade e do pensamento complexo (SILVA, 2009).

Para uma conceitualização da interdisciplinaridade

Em trabalho anterior Silva (2009) considerou duas concepções de interdisciplinaridade, uma que intitula de concepção a-histórica, a qual se caracteriza por privilegiar a ação do sujeito sobre o objeto, e outra, a concepção histórico-dialética. Na primeira concepção, o sujeito é absoluto na construção do conhecimento e do pensamento, enquanto na segunda, esse conhecimento decorre de uma análise minuciosa da problemática social, pois é desta análise que surge a necessidade de um trabalho interdisciplinar, que deverá ter por princípio a máxima exploração das potencialidades de cada ciência e da diversidade e criatividade entre os sujeitos interdisciplinarmente.

Muitos autores já definiram o termo interdisciplinaridade, entre eles podem se citar: Pombo (2005); Silva (2009); Fazenda (2011); Crusoé (2014), porém, há divergências de entendimento quanto ao referido termo. Convém referir que a interdisciplinaridade pode acontecer entre professores e do professor (KAFER E COSTA, 2020). A primeira é construída por diversos professores e entre disciplinas distintas, enquanto a segunda concepção baseia-se na construção da interdisciplinaridade pelo próprio professor, possibilitando conhecer os conteúdos e as competências de outras disciplinas (KAFER E COSTA, 2020).

Definir um conceito para a interdisciplinaridade foi uma questão típica do século XX e continua a perdurar pelo século XXI. Não há um único conceito que defina a interdisciplinaridade, cada autor aborda de uma maneira diferente, porém os conceitos se assemelham. Para Leis (2005, p. 5) “qualquer demanda por uma definição unívoca e definitiva do conceito de interdisciplinaridade deve ser rejeitada, por tratar-se de proposta que inevitavelmente está sendo feita a partir de alguma das culturas disciplinares existentes”.

A interdisciplinaridade pode ser entendida como resultado da evolução histórica e de uma mudança paradigmática (BODNAR, 2016). Essa definição de interdisciplinaridade, a coloca como sendo essencial ao desenvolvimento humano e educacional, pois se ela resulta da evolução histórica e de uma mudança paradigmática a sua vivência na educação deverá significar mudança e inovação e é imprescindível.

Nesse sentido, cabe à educação superior buscar essa transformação por meio da interdisciplinaridade, pois a lógica instrumental moldou a ciência que se subdividiu em dezenas de especialidades (FERNANDES E RAUEN, 2016). Essa forma de divisão e fragmentação do conhecimento fez com as universidades se organizassem em departamentos e fracionasse o conhecimento, o que resultou numa excessiva especialização que formou profissionais que pensam o conhecimento de forma fragmentada e ignoram as interações entre as disciplinas e os saberes. Desse modo, esses profissionais que trabalham na formação de professores (as), por vezes, não se dão conta dos males de práticas docentes que se enveredam por essa perspectiva.

Para Leis (2005, p. 3), “a interdisciplinaridade pode ser entendida como uma condição fundamental do ensino e da pesquisa (em níveis universitários e do segundo grau) na sociedade contemporânea”. Consiste também numa forma de cooperação entre disciplinas distintas para solucionar problemas complexos que só podem ser abordados pela combinação de vários pontos de vista. Para que essa cooperação aconteça é preciso que sejam feitas conexões entre as disciplinas e os saberes por diversos(as) professores(as) e disciplinas distintas.

Philippi; Sobral e Fernandes (2013) consideram que a vivência da interdisciplinaridade envolve a integração das várias perspectivas disciplinares e suas contribuições para eliminar lacunas existentes nas fronteiras das disciplinas. Essa integração poderá resultar na produção de um conhecimento integrador que ajudará a dirimir problemas educacionais e sociais na totalidade. Para Massuga; Soares e Doliveira (2020, p. 3), “[…] a interdisciplinaridade pode ser definida em duas grandes dimensões: integração e formação […]”.

Ressalta-se que o conceito de interdisciplinaridade repousa, de certa forma, em um contexto disciplinar, visto que a interdisciplinaridade “[…] pressupõe a existência de ao menos duas disciplinas como referência e a presença de uma ação recíproca” (LENOIR, 1998, p.46). Para Lenoir (1998, p.46), “a perspectiva interdisciplinar não é, portanto, contrária à perspectiva disciplinar; ao contrário, não pode existir sem ela e, mais ainda, alimenta-se dela […]”. Assim, é possível caracterizar a interdisciplinaridade, “[…] pela intensidade das trocas entre os especialistas e pela integração das disciplinas num mesmo projeto de pesquisa […]” (LENOIR, 1998, p.46).

Para Fazenda (2014, 31), “em termos de interdisciplinaridade ter-se-ia uma relação de reciprocidade, de mutualidade, ou melhor dizendo, um regime de copropriedade, de interação, que irá possibilitar o diálogo entre os interessados […]”. Esta citação de Fazenda aponta para a necessidade do diálogo entre as várias disciplinas, ou seja, para a criação de movimentos que propiciem o estabelecimento de relações entre elas, tendo como ponto de convergência a ação pedagógica que se desenvolve num trabalho cooperativo e reflexivo. Deste modo, ações dialógicas propiciariam o desenvolvimento da identidade das diversas disciplinas do currículo fortalecendo-as e possibilitando o reconhecimento da provisoriedade do conhecimento, por meio de questionamentos constantes das próprias posições assumidas e dos procedimentos adotados no que se refere à individualidade e à abertura à investigação em busca da totalidade do conhecimento.

A compreensão da história da interdisciplinaridade como prática produtiva de homens e mulheres tem sido construída ao longo dos anos, principalmente, na França e na Itália, em meados de 1960. Segundo Fazenda (2013, p. 8), nessa fase, houve,

[…] uma tentativa de elucidação e classificação temática das propostas educacionais que começavam a aparecer na época, evidenciando-se através do compromisso de alguns professores em certas universidades que buscavam, a duras penas, o rompimento a uma educação de migalhas.

Percebe-se com base na citação acima que já nos anos sessenta havia uma oposição a excessiva especialização e consequente fragmentação do conhecimento. Para Fazenda (2013, p.19), “o destino da ciência multipartida seria a falência do conhecimento, pois na medida em que nos distanciássemos de um conhecimento em totalidade, estaríamos decretando a falência do humano, a ‘agonia da civilização”.

Para Mansur; Fitaroni e Gomes (2020, p. 82), “a interdisciplinaridade nasceu da necessidade de enfrentar problemas que não eram alcançados por nenhum saber isoladamente […]”. Esta afirmação reforça a necessidade de que se perceba os sentidos da interdisciplinaridade nas práticas educativas da educação básica.

A esse respeito, Fazenda (2014, p. 18), refere que “o que caracteriza a atitude interdisciplinar é a ousadia, é a transformação da insegurança num exercício do pensar, num construir […]”. Assim, faz-se necessário ao docente universitário ousadia para que possa vivenciar ações interdisciplinares na formação de professores(as).

Furlanetto (2014, p. 61), refere que “[…] a interdisciplinaridade apresenta possibilidades diversas de intercâmbio por inúmeros fatores como: espaciais, temporais, econômicos, demográficos, sociais, epistemológicos”. Na escola de educação básica, esses intercâmbios propostos por essa autora, são imprescindíveis para que o conhecimento seja construído de forma inovadora e multireferencial.

Klaassen (2018), por sua vez, refere que as universidades ainda hoje, estão apegadas em abordagens e programas disciplinares, embora se possa observar que vem ocorrendo uma mudança forte para o trabalho em equipe interdisciplinar nas duas últimas décadas.

Para Fortuin e Koppen (2015), a interdisciplinaridade que trata da interação intensiva de disciplinas de múltiplos saberes resulta na integração de dados, métodos, ferramentas, conceitos e até mesmo teorias que permitem que a pesquisa ou o trabalho interdisciplinar ultrapasse os limites entre as universidades e a sociedade.

Umbelino e Zabini (2014, p. 3), afirmam que “a interdisciplinaridade surge então da necessidade de uma resposta para a fragmentação das disciplinas, ela é um diálogo entre as diversas áreas do conhecimento, um modo de trabalhar o conhecimento”. Na escola de educação básica atitudes e ações dialógicas, por meio de diferentes saberes, é o que vai qualificar as práticas educativas.

Fonseca et al (2015, p. 7598), referem que “a interdisciplinaridade é mais do que uma categoria de conhecimento, ela se fundamenta nas ações, alimenta-se do trabalho, das experiências, das vivências de um educador ao viver a educação”. Em outras palavras isso equivale a dizer que a vivência da interdisciplinaridade nas práticas educativas da escola de educação básica deverá ser conduzida pela ação- reflexão-ação possibilitando, assim, o exercício da práxis que será exercida pela comunicação mútua e pelo trabalho cooperativo.

Sobre a importância do trabalho cooperativo para a vivência da interdisciplinaridade, Kafer e Costa (2020, p. 31), afirmam que ela “[…] é caracterizada pela intensidade no compartilhamento de conhecimentos entre especialistas, assim como, pela integração entre as disciplinas em um mesmo projeto de pesquisa […]”. Ou seja, a interdisciplinaridade carece de uma relação de reciprocidade, de mutualidade, ou melhor dizendo, um regime de copropriedade e de interação que irá possibilitar o diálogo entre professores(as) e estudantes.

Para Fazenda (2014), a primeira condição para uma real efetivação da interdisciplinaridade é o desenvolvimento da sensibilidade, tornando-se assim, necessária uma formação adequada que pressuponha um treino na arte de entender e esperar, um desenvolvimento no sentido da criação e da imaginação. Acrescenta ainda Fazenda (2014, p.29) que “a interdisciplinaridade jamais se define e jamais se dá a definir […] Interdisciplinaridade não se ensina, nem se aprende: vive-se, exerce-se”. E é nessa ótica de vivenciar a exercer a interdisciplinaridade na formação de professores(as), que se situa neste trabalho.

Pombo (2005, p.1) considera-se que “a interdisciplinaridade é a manifestação de uma transformação epistemológica em curso […]”, e sustenta que,

[…] aquilo que hoje é pedido às universidades, o que está a acontecer […] é justamente a constituição de instituições, centros, laboratórios e projetos de investigação interdisciplinares, de programas interdepartamentais de mestrado e doutoramento, de cursos flexíveis nos quais os estudantes possam encontrar o seu próprio (per)curso por entre a variedade de cadeiras, módulos, seminários que lhe são propostos” (ibid., p. 9).

Pimenta (2003, p. 6) afirma que “[…] na investigação científica, a interdisciplinaridade não resulta diretamente da complementaridade da realidade em si, mas da complementaridade dos objetos do conhecimento dessa realidade […]”.

Gadotti (1999, p.2) refere que “a interdisciplinaridade visa a garantir a construção de um conhecimento globalizante rompendo com as fronteiras das disciplinas”, embora como afirma Siqueira (1995, p. 1),

trabalhar a interdisciplinaridade não significa negar as especialidades e objetividade de cada ciência. O seu sentido reside na oposição da concepção de que o conhecimento se processa em campos fechados em si mesmo, como se as teorias pudessem ser construídas em mundos particulares sem uma posição unificadora que sirva de base para todas as ciências, e isoladas dos processos e contextos histórico-culturais.

Observa-se na afirmação de Gadotti uma espécie de apelo à necessidade de construção do conhecimento em complexidade, quando refere que a interdisciplinaridade não nega as especificidades de cada ciência e reforça que “[…]o seu sentido reside na oposição da concepção de que o conhecimento se processa em campos fechados em si mesmo[…]”.(ibid.; ibid.)

Gusdorf (1977, p. 26) diz que “a exigência interdisciplinar impõe a cada especialista que transcenda sua própria especialidade, tomando consciência de seus próprios limites para colher as contribuições das outras disciplinas”. E ainda nesse âmbito, afirma Fazenda (2014, p.18), “o que caracteriza a atitude interdisciplinar é a ousadia, é a transformação da insegurança num exercício do pensar, num construir […]”.  Etges (1993, p.18) refere que,

[…] a interdisciplinaridade, enquanto princípio mediador entre as diferentes disciplinas, não poderá ser jamais elemento de redução a um denominador comum, mas elemento teórico-metodológico da diferença e da criatividade. A interdisciplinaridade é o princípio da máxima exploração das potencialidades de cada ciência, da compreensão dos seus limites, mas, acima de tudo, é o princípio da diversidade e da criatividade.

Sublinham-se da concepção de Etges pelo menos dois pontos que corroboram com a ideia de interdisciplinaridade enquanto um movimento dialético complexo, ou seja, ela é um princípio mediador entre diferentes disciplinas e é o princípio da diversidade e da criatividade. Identifica-se nestes dois pontos novos sentidos para a interdisciplinaridade, o da mediação entre diferentes saberes e os sentidos da diversidade e criatividade que a sua prática consciente possibilita a quem a faz.

Na concepção de Fraga (1992, p.21), o conceito de “interdisciplinaridade é determinado pela atitude epistêmica entendida como corpo conceitual que orienta as crenças, as atitudes, ações, valores e os conhecimentos produzidos numa determinada época”. Nesse sentido, o conceito de interdisciplinaridade parece supor que as principais atitudes epistêmicas do homem do século XX foram decorrentes do racionalismo cartesiano, que pressupõe uma estrutura desumanizada da realidade em que as interações dinâmicas têm por fim escrever uma influência determinante sobre o desenvolvimento da sociedade e suas circunstâncias.

Em síntese pode-se dizer que a interdisciplinaridade possibilita diversos sentidos à prática educativa de professoras e professores conscientes de seu papel no mundo, enquanto agentes de transformação.

Sentidos da interdisciplinaridade no âmbito das práticas educativas da escola de educação básica

Estas reflexões sobre os sentidos da interdisciplinaridade no âmbito das práticas educativas da escola de educação básica estão ancoradas pela concepção histórico-dialética, conforme foi referido em outro lugar deste texto. Reitera-se que a concepção histórico-dialética da interdisciplinaridade “[…] não reduz o conhecimento a um denominador comum, mas, ao contrário, procura reforçar os princípios da criatividade e do pensamento divergente”. Ou seja, “[…] é orientada por uma perspectiva pós-moderna de complexidade, onde se considera, também, o processo histórico-dialético e a problematização da realidade socialmente constituída à luz de alguns aspectos do materialismo histórico, onde são colocadas em causa as condições objetivas que envolvem o processo de construção do conhecimento […]” (SILVA, 2009, p. 72).

Como já foi anteriormente referido, neste artigo reflete-se sobre a construção de sentidos da interdisciplinaridade nas práticas educativas da escola de educação básica, com base na concepção histórico-dialética, a qual é orientada pela dialética materialista histórica a partir de três aspectos, ou seja, enquanto uma postura ou opção de mundo, enquanto um método que permite apreender radicalmente a realidade social e enquanto práxis.

Com relação aos sentidos da interdisciplinaridade na escola de educação básica que possibilitam a vivência da interdisciplinaridade nas práticas educativas, enquanto uma postura de mundo ou opção de mundo infere-se que tal vivência implicará numa compreensão dos atores do processo educativo sobre as condições reais e objetivas em que esse conhecimento é construído. É, por isso, que a vivência da interdisciplinaridade sob essa perspectiva acontece da análise minuciosa da problemática social, nomeadamente pelos/as professores/as, estudantes, pais e comunidade escolar, pois é desta análise que surge a necessidade de um trabalho interdisciplinar, o qual deverá ter por princípio a máxima exploração das potencialidades de cada ciência, da diversidade e da criatividade dos sujeitos sociais.

Nessa perspectiva vivência da interdisciplinaridade enquanto uma postura de mundo ou opção de mundo, o movimento interdisciplinar promovido e vivenciado pelos diversos atores educativos se materializará, por meio de práticas educativas que incitem a diversidade e a criatividade da ação humana.

A demarcação de práticas educativas na escola da educação básica, enquanto um método de análise que permite apreender radicalmente a realidade social vai dar conta de uma concepção de interdisciplinaridade e de uma prática educativa que se vincula a uma visão de mundo e de vida em seu conjunto, de uma interdisciplinaridade científica que,

tem por finalidade a produção de novos conhecimentos e a resposta às necessidades sociais, pelo estabelecimento de ligações entre as ramificações da ciência; pela hierarquização (organização das disciplinas científicas); pela estrutura epistemológica; pela compreensão de diferentes perspectivas disciplinares, restabelecendo as conexões sobre o plano comunicacional entre os discursos disciplinares. (LENOIR, 1998, p. 52).

Essa prática interdisciplinar científica referida por Lenoir incita de certa forma um pensamento complexo e, se for adotada pela escola da educação básica, poderá imprimir novos significados às práticas educativas, pois o estabelecimento de ligações entre diferentes perspectivas disciplinares, para além de restabelecer conexões no plano comunicacional entre professores(as) e estudantes, evidenciará ações coletivas e inovadoras.

Sobre o terceiro e último aspecto a ser demarcado, a propósito dos sentidos da interdisciplinaridade nas práticas educativas na escola de educação básica à luz da concepção histórico-dialética, a práxis, há que se dizer que “[…] a práxis, no que diz respeito ao movimento interdisciplinar, deve ser entendida “[…] como a reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (FREIRE, 1987, p. 38). Pode-se acrescentar que “[…] a práxis expressa, justamente, a unidade indissolúvel de duas dimensões distintas, diversas no processo de conhecimento: a teoria e a ação.

Para Frigotto (1997, p. 81), “a reflexão teórica sobre a realidade não é uma reflexão diletante, mas uma reflexão em função da ação de transformar”. Dessa forma, a práxis é responsável pela ressignificação das práticas educativas, por meio de ação consciente de professores(as) e estudantes. Uma práxis interdisciplinar tem a ver também com as possibilidades de conexão/comunicação/interação entre saberes/conhecimentos/métodos/pessoas. É, portanto, dessa forma que práticas docentes se tornam práxis e ressignificam o cotidiano da escola de educação básica interdisciplinarmente.

Considerações finais

Como conclusão e, recordando o objetivo que orientou este estudo que foi identificar sentidos da interdisciplinaridade nas práticas educativas da escola de educação básica, com base na concepção histórico-dialética, conclui-se que as reflexões aqui fomentadas sinalizaram para possibilidades de vivências de diferentes sentidos da interdisciplinaridade nas práticas educativas da escola de educação básica.

Os sentidos da interdisciplinaridade nas práticas educativas da escola de educação básica perquiridos neste estudo se afirmaram como um processo no qual um conhecimento, uma teoria ou uma habilidade se pratica, tornando-se vivência em contextos interacionais que se articularam sem sobrepor extremos, mas, de forma dialógica, produzindo sínteses sempre provisórias. Esses sentidos interdisciplinares foram evidenciados como um processo dinâmico e interativo que envolve o refletir e, concomitantemente, as dimensões epistemológica, pragmática e humanística/atitudinal do(a) professor(a) interdisciplinar

Entende-se que para avançar nesse debate sobre os sentidos da interdisciplinaridade nas práticas educativas da escola de educação básica, faz-se necessário continuar a investir na ressignificação do processo de ensino e de aprendizagem, com base em novas experiências interdisciplinares que envolvam professores(as), estudantes e comunidade escolar, num processo dialógico intencional que evidencie a criatividade e a diversidade.

Em síntese, conclui-se que é preciso repensar a educação básica numa perspectiva interdisciplinar. Para isso, será preciso recorrer 

a processos que poderão mobilizar a revisão crítico-reflexiva do saber-fazer interdisciplinar nas práticas educativas desse nível de educação.

Referências

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Relato de Experiência

A interdisciplinaridade narrada em três atos: nascer, viver e morrer.

Fernando César de Souza

http://lattes.cnpq.br/7502194260974200

Introdução

Reafirma-se a premissa de que somos viventes em transformações, e que as nossas escolhas são suportadas em nossos ombros ao longo da vida, resultando em assinaturas singulares emolduradas pelos traçados da interação com o mundo e com os outros, em situações pacíficas ou violentas. O percurso escolhido aqui é o da Interdisciplinaridade, ou InterD, que extrapola o conceito ou as inúmeras definições para se legitimar na ação, motivando o autor a optar pelo movimento nascer/viver/morrer como metáforas para narrar alguns caminhos percorridos entre os dois campos de pesquisa: a escola e a clínica. Utilizando-se das atitudes da escuta e da contemplação, o texto traz um convite aos tesouros existentes nas obras de Ivani Fazenda (1993) onde o alicerce está no valor das atitudes de “coragem, ousadia, humildade, coerência e respeito”. 

Há certa liberdade nessa escrita trazida pelos olhos fatigados e pelas lutas por reconhecimento que encontram ressonância com tantas outras lutas diárias de colegas pesquisadores (as) da InterD focada na inteireza do sujeito que se reconstrói heroicamente, diariamente. Isso eu aprendi com Ivani Fazenda e em seus textos: um fazer transgressor, heroico e perene dão a legitimidade à assinatura pessoal. 

Dada a celeridade dos dias entre o nascer e o morrer, há infinidades de decisões que impactam nesse viver que nos pede calma, mas ao mesmo tempo, coloca-se generosamente disposto a promover em nós o máximo da aventura humana. 

Nascer, portanto, é um ato de espera e vigia. Percebam que, ao esperar por alguém, temos sensações variadas em nossos corpos e uma atenção latente em nossas mentes, o que numa abordagem simbólica notaríamos pelos vários tipos de viver ou morrer ao longo da vida, pois o “milagre da vida humana não é sermos dotados de algumas fragilidades, mas estarmos repletos delas” (BRYSON.p.17). 

Com a certidão de nascimento em mãos, aparecemos civilmente nessa jornada social, e, aos poucos, adquirimos o nosso jeito de agir e reforçar qual a nossa assinatura existencial, única e singular. Assim, são construídos os percursos formativos na busca para compreender nossas inquietações diante da falta de reconhecimentos. O que acontece com todos nós é que dedicamos tempo para sermos reconhecidos como bons filhos, pais, profissionais e cidadãos, o que segundo HONNETH, é uma decisão de “estar-consigo-mesmo no outro” (p.175), e será essa a função máxima da nossa existência?

Nascer na docência

A vida em sua complexidade convida-nos para encarar todas as luzes e sombras desde o nascimento, pois “toda vida comunitária, quer seja em escala de um grupo restrito ou de uma grande nação, depende assim de um conjunto espacial e temporal complexo, cujas estruturas mestras presidem ao desenvolvimento da existência no dia-a-dia” (GUSDORF, p.215). Assim, num percurso pessoal do autor, há uma passagem disruptiva quando recebe um convite inusitado para substituir uma professora de matemática do Ensino Fundamental II que havia se afastado por doença. O tempo cronológico foi 1991, última década do século XX com tantas transformações sociais, econômicas e políticas. A sua pouca experiência na função do magistério era o desafio, porém, a opção foi intuitiva e coerente. 

Nascia ali o educador com um desejo de ensinar de maneira diferente, lúdica e leve, ainda mais quando encontrava eco na fala de Celestin Freinet, onde o “equilíbrio, saúde, felicidade jamais são realidades estáticas e definidas. São o resultado da partida vigorosa, da arrancada harmoniosa do potencial de vida, da satisfação da necessidade de potência” (FREINET, p. 33) 

Nascer na pesquisa

Nessa ‘arrancada harmoniosa do potencial da vida’ o autor se reconhece como pesquisador, num cruzamento entre a vontade de compreender a sua missão pessoal e o desejo de ver uma escola mais igualitária, participativa e coerente. Ano vigente de 2003, início do século XXI com suas esperanças renovadas na ciência, na tecnologia e nas conquistas sociais. 

Na junção tempo e espaço o autor conhece as professoras Ecleide Furlanetto (1) e Ivani Fazenda (2) que o acolheram numa dinâmica familiar. Ali conviviam a ciência, a pesquisa de alta qualidade e a leveza didática, tudo centrado nas histórias de vidas e na InterD. A sincronicidade forjou o melhor dos instrumentos: o diálogo. Sim, o autor aprendeu que “o mestre ensina, mas ensina algo mais do que aquilo que ensina. O mais alto ensinamento do mestre não está naquilo que ele diz, mas no que ele não diz” (GUSDORF, p.116)

Portas abertas e corações acalentados pelo diálogo coerente e recíproco entre mestras e aluno nessa jornada de formação escolhida conscientemente. Logo foi percebido que viver a InterD é despojar-se do sentimento de arrogância, e ‘deitar raízes’ (ARENDT, p. 150) da humildade na dinâmica escolar que pede escutas não mecânicas, não sistematizadas por técnicas de oratórias. Escutas sensíveis e compassivas foram se constelando como estudo e prática de formação de professores desde aquelas experimentações acadêmicas.  

 O renascer legitimado na dúvida e na dor

Nos percursos há percalços, e assim, aprendemos a acolher as sensações de bem-estar ou as dores advindas das limitações físicas, psíquicas ou emocionais, o que segundo BRYSON (p.294) “toda dor é privada e intensamente pessoal. Uma definição significativa é impossível”. E, quando o corpo se encontrava prostrado numa experiência ruim, o autor precisou modificar seu objeto de pesquisa sobre a formação de professores para os símbolos de cuidado e autocuidado na formação de docentes. O ano desse episódio? 2004. Outras questões surgiram: Por que é que os cursos de formação permanecem tecnicistas e repletos de sistematizações que se descolam da realidade da escola? 

Nesta fase de dúvidas sobre a fraqueza do corpo, do ego e dos sonhos projetados, algo renasceu. Um misto de novas sensações físicas e percepções mentais deslocavam o autor para as forças inatas curativas possibilitando a presença de um sujeito saudável e potencialmente livre dos modelos mentais que o aprisionavam. Num ir e vir da pesquisa, aproximei-me de mim mesmo numa ciência interdisciplinar que acolhia as interconexões entre o poder educativo da clínica e a potencialidade cuidadosa da escola. 

Viver: um caminho

Escolher a InterD ou ser escolhido por ela é reconhecer o valor das culturas; o perigo dos egos; as dimensões da criatividade humana; o vislumbre do poder; a generosidade da escuta; o risco da arrogância, entre tantas situações humanamente apresentadas diante dos nossos olhos no dia-a-dia. E, aos poucos, ancorar nas atitudes da escuta e da contemplação como atos compassivos remodelam a prática pedagógica do autor num lugar de escutas das narrativas, ratificando que “o ser humano é uma unidade orgânica e estrutural que goza de uma integridade corpórea, psicológica, social e espiritual” (ROSELLÓ, p. 58)

Viver a escola

Identificar que há processos de cuidados e autocuidados no espaço da escola é colocar em prática as atitudes interdisciplinares da ousadia e da coragem. Sabemos que viver em comunidade é desafiador, e agora, em tempos pandêmicos, o contato por meio das telas dos computadores nos causam sensações de não agrupamento e tampouco, autocontrole. Daí as práticas de autocuidados focadas na contemplação de si mesmo, da escuta da nossa respiração ou no manejo das sensações no corpo que teima em nos desestabilizar. 

A escola como um lugar onde os sonhos são colocados e compartilhados, precisa quebrar as ‘grades curriculares’ ou as disciplinas isoladas para uma escola vista como um centro de convivência e de expansão de sentidos, repleta de descobertas e mistérios, pois “todo nascimento é um mistério. O mistério pedagógico coroa o nascimento de um espírito, a vinda de um espírito ao mundo e a si mesmo” (GUSDORF, p.19). Então a escola poderia ser, simbolicamente, uma maternidade de ampliação das consciências e conhecimentos em prol do Planeta.  

Há potencialidades de cuidados na escola quando os sentidos, a escuta de todas as vozes e a contemplação da narrativa do outro são valorizadas e conduzidas nesse lugar do encontro entre o diverso, o estranho e o público, numa atitude de espera onde a “esperança supõe a consciência de uma situação que nos convida ao desespero (enfermidade, perda…). Esperar é dar crédito à realidade, afirmar que há nela algo que nos fará triunfar do perigo” (ROSELLÓ, p. 168)

Viver a clínica

O poder educativo da clínica está demonstrado pelo crescente aumento de programas de formações; cursos de atualizações; centros de estudos, etc.  A clínica carrega uma responsabilidade de dotar o ser humano de autonomias para suas decisões e sua saúde. Devolver ao paciente o seu poder inato de autocuidado é afirmar que qualquer tratamento ou terapia só terá efeitos positivos a partir da sua escolha, e não da imposição do médico ou terapeuta. E a pergunta que mais aparece é: será que as pessoas estão terceirizando a sua própria saúde, sem perceberem de que há muito escondido em si mesmas? 

Certo de que a abordagem interdisciplinar suporta as conexões Educação e Saúde por meio de narrativas, pois o “ato de narrar é essencial no processo de cuidar” (ROSELLÓ, p. 153), o autor vivenciou os fundamentos da Medicina Integrativa com os parceiros de jornadas vindos de tantas áreas diferentes, mas num respeito inabalável na comunhão escola & clínica. Mais do que observar um cenário e produzir informações científicas, o silêncio contemplativo e respeitoso foi a régua que o aproximo das situações de vulnerabilidades e traumas pertencentes ao cotidiano das pessoas, independentemente da sua área de formação e atuação, pois “precisamos de um fio de Ariadne que nos permita encontrar nosso caminho neste labirinto de preocupações tão graves e complexas. O altruísmo é esse fio que nos possibilita religar naturalmente as três escalas de tempo – curto, médio e longo prazo” (RICARD, p. 34). 

Conclusão

Se morrer é descansar as velhas ideias e os limitantes preconceitos, e, também, sepultar nossas verdades dogmáticas que subestimam as narrativas alheias, então, esse morrer nos é caro e necessário. 

Se morrer é enterrar nossa soberba vinda das titulações penduradas nas paredes e, também, desistir das manias de superioridade diante do outro, então, esse morrer é querido e potente. 

Morrer numa dimensão interdisciplinar é renascer para um novo olhar diante das vulnerabilidades humanas e promover em cada um de nós uma restauração existencial, de querências na autonomia e libertação. 

Morrer numa abordagem integrativa é ressurgir das cinzas do conhecimento isolado e prosperar no conhecimento pertinente, como nos lembra do filósofo francês Edgar Morin. 

Que possamos renascer num desejo por uma melhor educação e uma melhor saúde, e é exatamente nessa conexão que o bem-estar pessoal e coletivo se instalam. Falar de cuidados com os professores ou mediar os processos educativos com os médicos é promover uma ação interdisciplinar que dá sentido ao discurso e às construções ousadas. Aquele ou aquela que opta pela InterD desbrava cotidianamente territórios demarcados por distintos campos do conhecimento. É preciso aproximar essas margens para que o diálogo se estabeleça, pois, a “humildade está no presente, não no futuro. Você não pode se tornar humilde. O próprio tornar-se é a continuação da auto importância, que se esconde na prática de uma virtude. ” (KRISHNAMURTI, p. 30) 

Nas práticas da escuta sensível ou nos atos de contemplação com a natureza criativa do outro é que o autor encontrou sua ilha de paz, sua metáfora constelada em contínua pesquisa e em conscientes silêncios na dinâmica do nascer/viver/morrer, e acredita que “num projeto interdisciplinar, comumente, encontramo-nos com múltiplas barreiras (…). Entretanto, tais barreiras poderão se transpostas pelo desejo de criar, de inovar, de ir além. “ (FAZENDA, 1993)

(1)Ecleide Cunico Furlanetto: pedagoga pela PUC/SP. Mestre em Psicologia da Educação, PUC/SP. Doutorado em Educação: currículo. Pós-doutoramento pela Universidade de Barcelona. Coordenou o Programa de pós-graduação em Educação na Universidade Cidade de São Paulo (UNICID) entre 2006 e 2018. Líder do Grupo de Pesquisa, Narrativas, aprendizagens e formações (NARRAR, UNICID).

(2)Ivani Catarina Arantes Fazenda é professora titular da PUC/SP. Pedagoga formada pela USP. Mestrado em Filosofia da Educação PUC/SP. Doutorado em Antropologia pela USP. Livre-docência em Didática pela UNESP. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Interdisciplinaridade – GEPI. Membro fundador do Instituto Luso Brasileiro de Ciências da Educação/Évora-Portugal. 

Referências

ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Editora Perspectiva, 6ª edição, 2007

___________ A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 10ª edição, 2007. 

BRYSON, B. Corpo – um guia para usuários. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. 

FAZENDA, ICA. Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo: Editora Cortez, 1993. 

FREINET, C. Ensaio de Psicologia Sensível. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

GUSDORF, G. Professores para quê? Para uma pedagogia da pedagogia. 3ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2003

HONNET, A. Luta por reconhecimento – a gramática moral dos conflitos sociais. Rio de Janeiro: Editora 34, 2003

KRISHNAMURTI, J. Comentários sobre o viver – breves textos. Rio de Janeiro: Editora Nova Era, 2007

RICARD, Matthieu. A revolução do altruísmo. São Paulo: Palas Athena, 2015.

ROSELLÓ, FT. Antropologia do cuidar. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2009.

Relato de Experiência de Prática interdisciplinar:

Mudanças pedagógicas, diálogo e respeito na parceria entre docente e coordenador do Curso de Pós-graduação

Ana Maria Ramos Sanchez Varella

http://lattes.cnpq.br/9470675519276604

Jerley Pereira da Silva

http://lattes.cnpq.br/1012314103423287

Nos últimos anos, temos participado de várias oficinas, palestras, congressos nacionais e internacionais, cujo eixo principal são as tendências para realizar novas práticas. Percebemos a dificuldade de os profissionais desenvolverem projetos e aplicá-los em sua prática, tendo em vista que dá muito trabalho ajustá-los ao público e envolvê-lo em suas propostas.

O que podemos falar dos “novos” recursos tecnológicos disponíveis e usados em sala de aula, principalmente neste momento? Se buscarmos na história, desde a década de 1970, muito se tem feito e refeito, mas parece que nada sai do lugar. A educação continua em busca de algo que falta dentro e fora da sala de aula e agora dentro e fora da tela.

Há pesquisas que mostram que as aulas tradicionais deixam os alunos mais vulneráveis em desistir de frequentá-las, será esse o motivo? Ou o motivo está em todo o processo, no comportamento de Instituições, docentes e discentes? O diálogo não seria o melhor caminho de sucesso? Qual é a possibilidade de o professor conseguir ter sucesso ao desenvolver uma prática sem conhecer o espaço e os recursos disponíveis? Por que algumas práticas se destacam e outras não? Será incompetência do profissional? Ele está preparado para usar todos os recursos? Até que ponto o profissional é responsável pelo sucesso ou fracasso dessa atividade? Estão os professores preparados para usar corretamente toda infraestrutura disponível nas instituições de ensino? Qual é a participação das instituições de ensino públicas ou privadas, o que está faltando?

A cobrança aos profissionais tem demonstrado que isso apenas os desestimula, é necessário haver mudanças, mas com incentivo aos profissionais, com orientação, apoio, capacitação e principalmente compreender as falhas, ajudando e não os demitindo.

A preparação dos professores é fundamental e inevitável, mas ao mesmo tempo nada fácil, pois quem permanecer sem se preparar não conseguirá atingir esses objetivos hoje exigidos. Nas novas metodologias de ensino, em que o aluno passa a ser o protagonista e o professor, mediador, o aluno deve acreditar em sua capacidade de mudança e usar os recursos a seu favor.

O que dá certo em uma Instituição de Ensino pode falhar em outra, porque o público é diferente, as condições são diferentes, enfim o contexto é outro. Isso pode acontecer até mesmo em turmas da mesma Instituição, por isso é importante haver a sabedoria do professor para criar, avaliar e mudar quando necessário.

Parece que a maior exigência hoje é inovar e utilizar a criatividade, mas são somente esses fatores essenciais no processo de ensino e aprendizagem? Vale ressaltar que qualquer mudança gera resistência e não é fácil, mas as pessoas deverão estar preparadas para inovar e criar, cada um na sua área de domínio?

Atualmente, busca-se, na Interdisciplinaridade, o desafio, a humildade, a escuta, a parceria para desenvolver e adaptar as mudanças tecnológicas. Tento conversar muito com os colegas para que possamos gerar o melhor para o educando. Como será o professor do futuro, ou o futuro já está agora? Um curador de conteúdo, sendo bom líder de equipe ou um analista cognitivo?

Como trabalhar com essa “nova pedagogia”, em que o formato tradicional da sala de aula é um ambiente mais interativo, proporcionando aos alunos interação e desenvolvimento de suas habilidades, tendo o professor o papel de selecionar um material que motive a participação e desafie a compreensão no desenvolvimento coletivo?

Hoje, muitas Universidades têm reconhecido e incentivado os professores comprometidos que buscam desenvolver esse tipo de atividade dentro e fora da sala de aula, promovendo uma aprendizagem diferente e inovadora, provocando os alunos a saírem da acomodação para uma postura de investigação, buscando resolver problemas e aplicando os conhecimentos teóricos discutidos em sala de aula, com a oportunidade de vivenciar situações reais, em que o professor e o aluno constroem o conhecimento juntos, desenvolvendo suas competências e habilidades, independentemente se as aulas são remotas ou presenciais.

Observamos que começam a surgir periódicos com relatos de vivências/práticas fora da sala de aula, os quais servem de embasamento para outros profissionais na criação de novos projetos, mas ressalto que para tudo isso ocorrer em perfeita sincronia, não podemos esquecer-nos do planejamento e dos detalhes que envolvem cada projeto.

Apresentar uma experiência entre Gestor Educacional e uma Docente, em um curso de Pós-graduação é um convite aos estudos da Interdisciplinaridade, pois ambos puderam colocar em prática a possibilidade de ir além da sala de aula. Perceberam a riqueza do desenvolvimento individual e constataram que cada grupo, cada ser é diferente e com cada ação o docente e gestor também se tornam diferentes.  É um jogo sem acomodação e a parceria entre os dois requereram mudanças pedagógicas, diálogo e respeito com todos os envolvidos. Puderam perceber que as disciplinas são apenas oportunidades de criar estratégias para o desenvolvimento do processo educativo.

Como educadores, somos responsáveis em levar o que temos de melhor, sem arrogância, mas respeitando a trajetória de vida de quem estamos tendo a oportunidade de passar alguns dias ou meses. Dialogamos muito em todos os lugares os quais vivemos e criar vínculos é um caminho que ajuda o bem-estar. As leituras realizadas nos proporcionaram perceber que a arte e a linguagem poética nos permitem um encontro, estamos autorizados pela Interdisciplinaridade a inovar na pesquisa, investigando.

A Educação para nós é mais uma oportunidade de desenvolvimento humano. A Interdisciplinaridade foi o fio condutor de nossas buscas, descobertas, crescimento e desenvolvimento. Ela abriu o campo para estudos mais profundos sobre o desenvolvimento de potencialidades.

Experiências são experiências e elas devem servir para nosso crescimento. Por esse motivo não dispensamos conhecer situações e pessoas, porque temos a certeza de que sairemos muito enriquecidos desses encontros.

A parceria entre Gestor Educacional e Docente

Um convite apressado e instigante do Gestor Educacional para a docente, substituir um professor que havia deixado o módulo do curso de pós-graduação.

A estratégia da docente foi desafiar mais uma vez a fazer o diferente, embora o trabalho seja maior, mais delicado, se der certo provocará muito mais os alunos envolvidos e consequentemente o seu ser professor.

A docente, ansiosa para conhecê-los, um pouco apreensiva, como iriam receber um professor diferente após 2 encontros com o outro professor? Preferiu deixar sua intuição trabalhar. Separou vários textos, livros da bibliografia e foi com a intenção de levar o melhor a eles.

Entrou, foi apresentada e se apresentou. Havia ali alunos de 4 cursos diferentes: Enfermeiros em sua maioria, Biólogo, Fisioterapeuta e Professor de Educação Física.

Olhei com carinho para eles e percebi que os que estavam sentados ao lado da parede estavam se escorando nelas. Um jeitinho clássico de acomodação para tirarem uma soneca pós almoço. Fiquei preocupada, porque teria de desacomodá-los. Estavam esperando uma aula para dormirem um pouco ou muito? A tela para o power estava instalada e esperavam meu pen drive para começarem a dormir ou fecharem um pouco os olhos cansados dos plantões? O que fazer? Já me senti acolhida pelo comodismo, pela mesmice instaurada, acomodação não, esse não poderia ser o caminho para permanecermos juntos por mais de 4h, em um sábado à tarde”

Com essa dúvida e angústia instantâneas, captadas ali em segundos e nos olhares de estranhamento, desandou a falar, a elogiá-los e agradecer à oportunidade de tê-los conhecido. Olhou para a lousa e pediu que dois dos homens presentes a ajudassem a enrolar a tela. Frustração da plateia? Não haveria Power? Por quê? Teriam de copiar da lousa? Mais preguiça. Seus pensamentos apenas captavam tudo o que se passava ali.

Uma delas ensaiava o encostar na parede, mas ficou intimidada, fechou os olhos por instantes.  A docente pediu a todos que tentassem ficar acordados, esse era o grande desafio para quem trabalha com plantões. Superação, aproveitar ao máximo a oportunidade que estavam tendo de estarem juntos, trocando, aprendendo com as experiências de todos presentes.

A palavra de ordem do primeiro encontro foi desafio. Contou a eles um pouco de si, comentou da importância dos cursos na área da saúde, passou a palavra para que pudessem contar o que queriam. Alguns casos interessantes surgiram e aos poucos os que estavam mais cansados foram se interessando e o corpo tomando outra forma. A docente foi chamando, pedindo que se colocassem, as paredes foram se afastando dos ombros deles.

Um caso exposto de imediato mexeu com todos. Uma enfermeira pediu a palavra e indignada e chorando contou o que havia acontecido em seu plantão.

Estava cuidando de uma paciente com câncer de mama, quando o médico entrou com sua equipe. Ele levantou sua roupa, nem percebeu que a jogou sobre a cabeça da paciente e começaram a apalpá-la sem dar o mínimo de atenção a ela. Ela era mais uma vez apenas o objeto de estudo daqueles médicos. Ao perceber a situação, ela delicadamente pegou em sua mão, arrumou sua roupa, tirando-a de seu rosto e ficou ali até que os médicos saíssem. A paciente não disse nada, apenas a olhou com carinho e agradecimento que foi percebido também pelo seu silêncio.

Todos fizeram comentários, estavam indignados, inclusive eu também me emocionei muito em ver que todos estavam prestando atenção e que os que ainda tentavam fechar os olhos, voltavam seu corpo para uma posição de alerta.

A docente percebeu que “estavam surpresos em poder se colocar, se expressar, contar seu dia a dia dolorido, suas indignações no tratamento com o paciente. Percebi que aquele seria o caminho, acionar o botão da acomodação, para desacomodá-los, tirá-los da zona de conforto em que estavam. Eles precisavam falar, se expressar, ter voz.” No final desse encontro, pediu que expressassem por escrito o que havia ficado para eles daquele dia.

Escreveram com vontade, não tiveram pressa para deixarem a sala, embora a aula já tivesse terminado. Destacou alguns fragmentos escritos por eles no final do primeiro encontro:

“Sou professora na alma, gosto de trocar experiências sobre o ensinar. Posso dizer que me senti surpreendida hoje. Imaginei que teria uma aula conteudista e entra uma professora que quebra paradigmas. No lugar de slides, trocamos informações, comecei a me transformar. ”

“Nesta aula me senti motivado a me expressar, a desabafar, a trocar experiências. ”

“Nossa me surpreendi, a professora se apresentou no início, isso pra mim é respeito.”

“Nós estamos sempre mais acostumados a falar do que ouvir, hoje eu aprendi a escutar sensivelmente, quero aprender mais. ”

“Agradeço a você ter me ensinado um novo caminho, você me fez ficar acordada. ”

“É muito bom quando temos abertura para conversar, gostaria de  que os encontros na sala de aula fossem sempre interativos”.

“Senti-me envolvida a fazer uma volta ao meu passado e de me rever, entender melhor o que já se passou comigo e seguir com vontade de viver. ”

“Para mim foi muito significativo ter a oportunidade de ouvir mais sobre compartilhar e dar um sentido ao que fazemos”.

“Eu não quero morrer mais, sem dar um sentido a minha vida, acordei…”

“A professora falou de movimento, mas ela mostrou o movimento, fez-me movimentar, acredito que começou aí minha transformação. ”

“Hoje conheci um mestre que entende essa minha necessidade de continuar me comunicando. Espero absorver cada conceito, para depois depurá-lo e acrescentar o conteúdo ao meu conhecimento. ”

“As novidades assustam um pouco, porque é desconhecida, mas pode trazer muita coisa boa pra minha vida”.

“Temos de estar preparados para a mudança e acompanhá-las, aproveitá-las, embora saibamos que os desafios existem…”

“Se formos atrás do que queremos encontraremos sentidos para uma grande transformação interna. ”

“A novidade dá um novo sentido para minha vida individual e profissional. ”

“Hoje conhecemos uma nova professora que permitiu que meus colegas falassem de suas experiências, foi importante para eu perceber que tenho de aprender com a experiência deles. A novidade às vezes dá medo, mas temos de encontrar novos caminhos…”

“Hoje tive a oportunidade de aprender como dar um novo rumo a minha vida, valorizar-me como pessoa, como profissional. Percebi a importância de me rever, dar um sentido a minha vida. ”

“As novidades devem servir como ferramentas para melhorar nosso desempenho na vida. ”

“É difícil refletir sobre minha vida, entender quem sou, olhar para meus defeitos e qualidades não é um processo fácil e nem rápido de ser feito. ”

“Hoje, nesta aula, permiti-me recordar de algo que estava escondido dentro de mim, consegui ao ouvir o que foi falado me sentir fortificada. ”

“Nesta aula, fui incentivada a me movimentar, a ter prazer em viver, vou dar um sentido pra ela. ”

“As novidades precisam trazer benefícios, a busca delas apenas não garantem satisfação”.

“Ficamos em estado de atenção diante do novo, aceitar a inovação é crescimento nas atitudes e opiniões. ”

“Entendi que para viver a vida tenho que fazer meu movimento individual respeitando, construindo, criando. ”

“O que mais me chamou a atenção neste encontro é a busca constante do conhecimento, procurar aprender sempre e saber compartilhar. ”

Após ler os depoimentos acima mencionados, Gestor Educacional e docente conversaram muito e ele optou por continuar a dar todo o apoio para que a docente continuasse seu trabalho tão bem direcionado.

Chegaram à conclusão de que o grupo merecia que ela fosse além de tudo o que já havia feito ou pensado. Apresentaria a eles a oportunidade de se conhecerem e reconhecerem seus talentos escondidos. Faria de tudo para que fossem mais felizes consigo e com a profissão escolhida.

Segundo encontro

Estavam mais animados, já haviam percebido seu jeito de desacomodá-los.

Tinha proposto como estratégia trabalhar a cada aula palavras representativas e naquele dia ao entrar, a palavra que veio a minha mente foi respeito e compartilhar. Se meu desejo era estimulá-los cada vez mais a que colocassem seus talentos à mostra, pensei em resgatar o lado poético deles. Levei várias poesias de Drummond e pedi que se separassem em grupos e escolhessem uma poesia. O tema escolhido foi: Uma aula diferente. ”

Pediu que preparassem um projeto e a poesia deveria fazer parte da aula em qualquer momento. Ela seria o símbolo da aula ministrada. Além disso incentivou-os a se conhecerem melhor, escrevendo um pequeno memorial.

Terceiro Encontro

Estavam super empolgados quando ela chegou. Até reclamaram que estava atrasada, embora não estivesse. Incluiu mais palavras àquelas já colocadas: ousadia e humildade. Adoraram a ideia e começaram as apresentações. Os temas velhice, cuidados paliativos, desinibição, deslocamento, capacitação profissional foram muito bem recebidos pela sala. Todos se envolveram e participaram animados de todas as dinâmicas apresentadas.

Quarto Encontro

A presença do Gestor foi inevitável, foram buscá-lo para que participasse daquele encontro que emocionaria a todos. Foi o dia de maior emoção. Faltavam 3 grupos para se apresentar com suas aulas diferentes. O primeiro tema doação de sangue já emocionou a todos, dramatizaram uma situação de desespero e todos ficaram comovidos. Precisar de sangue e não ter como recebê-lo por falta de doadores. O segundo tema: As necessidades dos idosos, fez com que cada um repensasse o posicionamento em relação aos parentes idosos. Muitos se lembraram de seus pais, avós, emocionaram-se, emocionando a todos.

Para coroar a tarde, surgiu o último grupo com o tema: amor. Mais emoção no ar, todos foram contagiados pela palavra e o que ela representa. O exercício proposto de uma aula diferente tinha atingido seu objetivo. Os alunos tiveram a oportunidade de refletir, de extravasar emoções, rever suas histórias, choraram, agradeceram a oportunidade de poder exercer esse movimento de expressão.

Ao terminar a aula, a última aula do módulo, agradeceram: “Uma das alunas ao me abraçar me chamou e me entregou um pano, me surpreendi, isso nunca havia acontecido comigo. Abri, parecia um pano de copa, era bordado, delicado e na ponta estava escrito a palavra AMOR. ”

Vocês podem imaginar o que a docente sentiu? Nenhuma palavra representaria o seu sentimento a não ser a palavra amor e reconhecimento por ter podido vivenciar aquela emoção. Que representação tirou desse presente tão significativo?

Quantos incidentes já haviam acontecido em sua vida profissional, muitos alunos manifestaram descontentamentos com suas aulas, gestores atrapalharam muito o desenvolvimento de suas aulas, porém compreendeu a importância do movimento transformador na Educação.

Mais uma lição de vida, o que aprendeu com esse grupo tão sensível? Perceber a importância que o profissional na área da educação tem porque ele pode fazer a diferença, ele pode cooperar com a transformação do ser?

Se o discurso foi compreendido, a reação também foi imediata, com certeza tanto professor como alunos estavam na mesma sintonia e conseguiram extrair o melhor dos dois lados. Essa é a verdadeira transformação individual e coletiva que podem ocorrer em uma simples sala de aula!

O gestor Educacional teve seu mérito, pois embora não a conhecesse, soube respeitar o seu jeito de ser e confiou. Isto é mais do que tudo! É como se tivesse lhe dito que sabia que ela iria fazer o seu melhor. Assim entrou na sala de aula desde a primeira vez, confiante, em parceria porque estava amparada. Por esse motivo foi instaurada ali uma parceria transformadora entre Gestor Educacional e Docente. Perceberam que toda experiência compartilhada poder ser um grande aprendizado. É uma mostra de respeito entre Gestor Educacional, Educador, Educando e o resultado é a verdadeira parceria interdisciplinar na Educação.   Este grupo soube aproveitar as oportunidades oferecidas para serem os atores de suas construções, cantaram, dramatizaram, foram poetas…

A Interdisciplinaridade tem conseguido, com seus pesquisadores, esse movimento das descobertas também porque possibilita diferentes manifestações e consciência de si mesmo.

Encerramos este relato com as palavras escritas pelos alunos, as suas reflexões finais após ministrarem as aulas diferentes preparadas por eles.

“Como mudar a estratégia para que o aluno aprenda melhor? Respeitar a capacidade individual, buscar algo novo.”

“É importante ouvir o nosso aluno, repensar nosso comportamento.”

“O trabalho em equipe nos levou a perceber o aprendizado compartilhado e desafiador e com muita ousadia, levando em conta o respeito e humildade. Quero fazer o diferente.”

“Fiquei estimulada a pesquisar mais, a aprender mais, a querer que o outro aprenda mais.”

“Para mim fica a ideia de superação, de aprendizado e de vontade de sair da mesmice!”

“Aprender a deixar a arrogância de lado é um dos caminhos na Educação. Tivemos esse exemplo e aprendemos mais a valorizar a humildade nos educadores.”

“Aprender a olhar o outro com carinho e respeito, talvez esse seja o maior desafio na vida.”

“Aprendi a me respeitar, os encontros trouxeram esse grande aprendizado pra mim.”

“Nunca ninguém quis saber de minha história, obrigada por querer compartilhar comigo!”

“Enxergar meu aluno com carinho e compreensão, isso eu aprendi…”

“Aprendi a importância da escuta sensível, principalmente como ferramenta na área da saúde, na vida, com todas as pessoas de me convívio. Como é importante despertar para novos sentidos, para uma nova sensação de viver…”

“Eu sou uma folha em branco, uma pessoa cheia de espaço para se reescrever, fazer uma nova história, escrever um novo capítulo do meu ciclo de vida.”

“Acredito que crescemos emocionalmente, espiritualmente e culturalmente a cada segundo pela troca de experiências e conhecimentos.”

“Aprendi a levar para a vida as três palavras fundamentais para meu desenvolvimento espiritual: alegria, beleza e amor!”

Com esses depoimentos aprendemos mais uma vez que não importa o lugar, não importam quem são as pessoas, todos somos seres em busca de novas descobertas, de novos caminhares para dar novos sentidos em nossa existência. Ao narrar as narrativas do outro, podemos entrar em dimensões do sensível, da afetividade e descobrir a arte da descoberta individual. Pudemos constatar como é importante a confiança do Gestor Educacional para com o Docente, uma parceria com resultados surpreendentes. 

O trabalho com a Interdisciplinaridade exige competência paciência e espera. Exige dos pesquisadores profunda imersão no trabalho cotidiano. Será que com a visão interdisciplinar como ponto de partida os profissionais pensarão em transformar suas ações?

Nossa equipe

Conselho Editorial

Ana Maria Ramos Sanchez Varella

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Corpo Editorial

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Revisores

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Equipe da Web

Rodolfo Nickel

Qual é o papel da interdisciplinaridade?

Qual o objetivo da interdisciplinaridade? O principal objetivo da interdisciplinaridade é conferir ferramentas para enriquecer a visão de mundo dos alunos. A partir dessa abordagem, indivíduos de todas as idades compreendem que um mesmo fato ou tema pode ser observado e estudado a partir de diferentes pontos de vista.

O que é interdisciplinaridade e qual sua importância?

A interdisciplinaridade tem o objetivo de promover a integração dos conteúdos de diferentes disciplinas. Uma prática educacional que procura fazer com que as áreas do conhecimento se complementem de forma que os conteúdos das disciplinas sirvam de apoio ao aprendizado umas das outras.

Qual o papel que a interdisciplinaridade desempenha na formação dos nossos licenciados?

A interdisciplinaridade possibilitou aos futuros professores a quebra de paradigmas, antes preso somente ao contexto da área em formação, para novos olhares sobre a forma de pensar um objeto de estudo, principalmente no despertar do trabalho em equipe, tornando as práticas em sala de aula momentos de debates, reflexões ...

O que podemos afirmar sobre a interdisciplinaridade?

Há que se afirmar interdisciplinaridade como um conceito historicamente e socialmente produzido, apresentando no campo epistemológico, no mundo do trabalho, e na educação, movimento de continuidade e ruptura em relação às questões que busca elucidar, e que simultaneamente a constituem.