Como foi a colonização de Moçambique?

Hoje, dia 25 de junho de 2020, comemora-se os 45 anos da Independência da República Popular de Moçambique, importante país do Sudeste do Continente Africano. Depois de mais de quatro séculos de domínio português na região, a Luta Armada de Libertação Nacional abriu caminho para a negociação da independência, concretizada em 1975.

Vista aérea de Maputo, a capital de Moçambique, atualmente. Foto: Agência Lusa.

Antes da invasão portuguesa

Moçambique é um território localizado no Sudeste do Continente Africano, próximo à Ilha de Madagascar. Entre o primeiro e o quinto século, ocorreram diversas ondas migratórias de povos de línguas bantas, oriundos da região norte e oeste do Continente Africano, que se estabeleceram na região, em comunidades agrícolas baseadas na criação de gado. Pouco restou das pequenas cidades moçambicanas medievais.

Por ser um país litorâneo, o comércio costeiro constituiu um elemento muito importante na história de Moçambique. Suaílis, árabes e persas dominaram o litoral e estabeleceram diversos assentamentos comerciais durante alguns séculos antes da chegada dos europeus. Esses povos, principalmente os árabes e persas, realizavam comércio com Madagascar e com o extremo oriente asiático. Isso a partir dos portos no litoral do território hoje correspondente a Moçambique.

A invasão europeia e os tempos de colônia

Com a intensão das navegações portuguesas e de suas atividades coloniais, nos primórdios do período mercantil na Europa (a partir do século XVI), os árabes perderam a hegemonia do controle comercial e militar no Continente Africano. Na esteira desses acontecimentos, os portugueses invadiram a Ilha de Moçambique e a cidade portuária de Sofala (atual Beira) e tomaram o controle desses territórios. Já na primeira metade do século XVI, os portugueses começaram expedições por busca de ouro e criaram organizações administrativas para consolidar e legitimar o seu domínio no território.

“Insulae & Ars Mosambique” (“Ilha e fortaleza de Moçambique”, Pieter van den Keere, 1598). Foto: Reprodução.

Durante os mais de quatro séculos de colonização portuguesa, o território moçambicano foi duramente violentado pela escravidão mercantil. Portugueses compravam prisioneiros de guerra de chefes tribais e os utilizavam nos exércitos de proteção do território ou os despachavam para as outras colônias portuguesas ao redor do globo.

A partir dos anos finais do século XVII e mais marcadamente durante o século XVIII, a hegemonia portuguesa na região foi abalada. Árabes tomaram o Forte Jesus de Mombaça (atual Quênia), em 1698. Em decorrência deste fato (somado ao aumento da lucratividade nas colônias americanas), o Império Português diminuiu os investimentos na região. Durante os séculos seguintes, árabes e potências europeias (em particular, britânicos e franceses, durante o século XIX) se tornaram cada vez mais envolvidos econômica e politicamente em diversos territórios da chamada África Oriental Portuguesa. Esse novo arranjo forçou cada vez mais os portugueses ao sul do Continente Africano e desestimulou a presença ativa da administração portuguesa.

Foi no século XX, entretanto, que dois eventos importantes para o desencadeamento das movimentações pela independência aconteceram. Portugal transferiu a administração de significativa parte de Moçambique para empresas privadas, controladas e financiadas primordialmente por britânicos (a Companhia de Moçambique, a Companhia da Zambézia e a Companhia do Niassa são algumas dessas empresas).

Essas companhias estimularam a construção de estradas de ferro para os países vizinhos com uma política de salários baixíssimos e, muitas vezes, com trabalho forçado para africanos nas minas e nas plantações em colônias britânicas próximas, como a África do Sul. Esse modelo de trabalho forçado muito se assemelhava ao regime de escravidão, que já havia sido legalmente abolido em Moçambique no final do século XIX.

Estação Ferroviária de Lourenço Marques (hoje Maputo), em meados dos anos 1920. Era a principal via de acesso para a África do Sul. Foto: Reprodução.

Durante a o regime ditatorial de António de Oliveira Salazar (1889-1970), em Portugal, motivado por um forte senso de corporativismo e domínio português, as concessões para as companhias britânicas não foram renovadas ao fim do prazo estipulado. Em 1951, as colônias ultramarinas portuguesas em África passaram a ser chamadas de províncias ultramarinas de Portugal, marcando uma maior presença portuguesa e um maior controle sobre o território e seus habitantes.

A luta por Independência

A crescente insatisfação com o modelo administrativo que prejudicava as condições de vida dos nativos em benefício dos portugueses que viviam no território africano, somada à agitação provocada por uma influência de ideais comunistas e anticoloniais, provocou uma série de levantes articulados por forças de guerrilha que lutavam pela independência de colônias portuguesas na África. Foi assim que, três anos depois do início da Guerra de Independência de Angola (1961-1974), foi deflagrada a Luta Armada pela Libertação Nacional de Moçambique, em 1964.

Luta Armada de Libertação Nacional é como os moçambicanos se referem à Guerra da Independência de Moçambique (1964-1974). Um conflito armado entre as forças de guerrilha da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e as Forças Armadas de Portugal, abrindo caminho para a negociação da Independência do país africano.

O conflito teve início na esteira dos movimentos africanos por autodeterminação que explodiram após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Muitos moçambicanos, tornando-se nacionalistas, perceberam crescer um sentimento de frustração em relação a maneira servil com que seu país era administrado, sempre de modo a atender os interesses portugueses.

Nesse cenário, a vontade de Independência cresceu cada vez mais e pequenos grupos começaram a se articular politicamente. Contudo, os altos escalões das forças de segurança de Moçambique eram, majoritariamente, compostos por portugueses, de modo que a resposta a essas articulações rapidamente tomou a forma de um aumento significativo de presença militar no território africano.

Na dimensão política, a resposta portuguesa veio sob a forma de um exílio em massa de políticos e intelectuais que lutavam pela Independência, enviados para países vizinhos. Esse desterro, porém, produziu um ambiente favorável ao planejamento mais cuidadoso das ações e das organizações, permitindo que a forja da agitação política em Moçambique fosse relativamente bem sucedida.

Dentro do contexto de Guerra Fria (1947-1991), os países ditos socialistas e comunistas, que haviam recentemente incorporado aos seus projetos políticos a luta pela emancipação colonial, passaram a apoiar esses movimentos em Moçambique. Foi, portanto, com o apoio da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), da China e de Cuba que a FRELIMO foi criada. O fornecimento, por parte desses países, de armas e de instrutores para formação política foi fundamental para o desencadeamento da luta pela descolonização e independência moçambicana, que se estendeu por cerca de uma década.

Entre os motivos elencados pelos movimentos para justificar a luta, destaca-se o fato de que as políticas implementadas pelo governo português sempre beneficiavam os brancos portugueses que viviam em Moçambique. De  sorte que as tribos moçambicanas e as comunidades nativas eram ignoradas em termos de integração aos projetos de desenvolvimento.

Em outros termos, foi uma imensa desigualdade social, econômica e política entre os brancos europeus e os negros e indígenas africanos, somada à aplicação de políticas que ou mantinham ou acentuavam essa desigualdade (quase sempre negando aos povos africanos os recursos e as oportunidades necessárias para a melhoria nas suas condições de vida). Foi esse o grande combustível da pressão social que levou ao conflito armado.

A despeito da superioridade numérica e de recursos do exército português, e apesar também do número de baixas ter sido 17 vezes maior no lado moçambicano, os movimentos pela libertação nacional do País conseguiram conquistar a independência uma década após a eclosão dos conflitos. A Revolução dos Cravos (1974), na qual o governo ditatorial iniciado por António Salazar e continuado por Marcello Caetano (1906-1980) foi destituído por um movimento revolucionário de esquerda, abriu caminho para o cessar-fogo.

Foi então na esteira desses acontecimentos que a FRELIMO assumiu o controle do território moçambicano. No Acordo de Lusaca, assinado em 7 de setembro de 1974, o governo português reconheceu, formalmente, o direito do povo moçambicano à independência. Por consequência, passou a combinar com a FRELIMO os termos da transferência dos poderes. Nesse acordo, foi estipulado, portanto, que a Independência seria proclamada, solenemente, em 25 de junho de 1975, data escolhida de forma proposital para coincidir com a comemoração do aniversário da FRELIMO.

Moçambique após a Independência e hoje

Tanto o início como o fim dos processos de luta pela independência ocorreram dentro do cenário de Guerra Fria. Nesse sentido, tanto a organização da luta por emancipação quanto a organização do novo país, após a conquista efetiva da independência, deu-se sob a orientação de um tipo de leitura dos princípios marxistas muito característico da segunda metade do século XX.

Após a Independência, a FRELIMO buscou estabelecer um Estado unipartidário aos moldes soviéticos. A URSS e Cuba foram os primeiros países a estabelecerem relações diplomáticas com a recém-criada República de Moçambique. No âmbito dessas relações, ambos os países forneceram ajuda militar, a fim de garantir a manutenção da independência e reduzir a força política da oposição. O resultado disso foi uma guerra civil generalizada, travada, principalmente, entre os marxistas da FRELIMO e os anticomunistas da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO).

O quadro foi agravado com uma profunda crise econômica provocada, principalmente, pelo desmantelamento de toda a estrutura de investimentos que o território possuía antes de se tornar independente. Os cidadãos portugueses que ainda moravam em Moçambique saíram do país, os investimentos privados minguaram e os ativos produtivos se tornaram cada vez mais escassos; a infraestrutura nacional colapsou.

No país, economicamente bastante debilitado, as políticas econômicas socialistas que a FRELIMO tentou implementar se mostraram ineficazes, acumulando diversas crises que aumentavam a tensão no país.

A guerra civil em Moçambique matou cerca de um milhão de moçambicanos e começou a enxergar o seu fim com a morte do então presidente, Samora Machel (1933-1986), em um acidente com um avião russo, o Tupolev Tu-134. Seu sucessor implementou diversas reformas nas estruturas política e econômica do país e deu início às negociações de paz com a RENAMO.

Vista aérea de Maputo, capital de Moçambique. Foto: Reprodução.

Uma nova constituição foi promulgada em 1990, prevendo um sistema político multipartidário de eleições livres e uma maior abertura econômica. Sob a supervisão das forças de manutenção da paz da Organização das Nações Unidas (ONU), o Acordo Geral de Paz foi assinado em 1992, pondo um fim à guerra civil em Moçambique. O país teve suas primeiras eleições multipartidárias em 1994, e vinha se mantendo como uma república semipresidencialista relativamente estável desde então. Desde 2013, contudo, novos tensionamentos políticos têm produzido um ambiente de relativa instabilidade, com riscos de conflito armado. O país é o 13º maior do Continente Africano em população, com quase 30 milhões de habitantes.

Foto de capa: Reprodução.

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Historiador pela Universidade Federal do Ceará (UFC), ansioso para viver a docência. Tem experiência com Patrimônio Histórico e Cultural (SECULTFOR) e estuda trauma em literatura de testemunho na Ditadura Civil-Militar, racismo ambiental e necropolítica. Gosta de música, café e outras artes, tem interesse em temas relacionados à política e cultura e uma paixão inexplicável por aviões.

Como foi a colonização em Moçambique?

No final do séc. XV há uma penetração mercantil portuguesa, principalmente pela demanda de ouro destinado à aquisição das especiarias asiáticas. Inicialmente, os Portugueses fixaram-se no litoral onde construíram as fortalezas de Sofala (1505), Ilha de Moçambique(1507).

Qual foi o colonizador de Moçambique?

Com o advento da conferência de Berlim (1884/1885), Portugal foi forçado a realizar a ocupação efectiva do território moçambicano.

Que interesse os portugueses tinham em Moçambique?

O principal atrativo comercial do território era precisamente a possibilidade de se explorar ouro em grandes quantidades. A extração e comercialização deste minério passou a ser monopólio da Coroa a partir de 1505.

Quem dominou Moçambique?

A primeira investida portuguesa ao território de Moçambique ocorreu em 1490, sob o comando de Pero da Covilhã (1450-1530). Situado na África oriental, na costa do Oceano Índico, os portugueses se instalaram na ilha de Moçambique e na cidade de Sofala fundada por Covilhã em 1505.

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