Com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado

A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. A afirmação: “o dever de agir incumbe a quem, com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”

A

está expressamente prevista no CP.

B

é a expressão supralegal da teoria da “imputação objetiva”.

C

é a expressão supralegal da teoria da “cegueira deliberada”.

D

deriva de construção jurisprudencial consolidada em súmula de Tribunal Superior.

E

admite a aplicação da responsabilidade objetiva no Direito Penal.

01 de Julho de 2004

Alguns aspectos do crime omissivo impróprio

1. Considerações gerais

O Direito Penal contém normas proibitivas e normas imperativas. A infração dessas normas imperativas constitui a essência do crime omissivo. A conduta que infringe uma norma imperativa consistirá em não fazer a ação ordenada pela norma. Logo, a omissão em si mesma não existe, pois somente a omissão de uma ação determinada pela norma configurará a essência da omissão.

Configura-se o crime omissivo quando o agente não faz o que pode e deve fazer, e lhe é juridicamente ordenado. Portanto, o crime omissivo consiste sempre na omissão de uma determinada ação que o sujeito tinha obrigação de realizar e que podia fazê-lo(1). O crime omissivo divide-se em omissivo próprio e omissivo impróprio. Os primeiros são crimes de mera conduta, como, por exemplo, a omissão de socorro, aos quais não se atribui resultado algum, enquanto os segundos, os omissivos impróprios, são crimes de resultado.

Os crimes omissivos próprios são obrigatoriamente previstos em tipos penais específicos, em obediência ao princípio da reserva legal, dos quais são exemplos típicos os previstos nos arts. 135, 244, 269, etc. Os crimes omissivos impróprios, por sua vez, como crimes de resultados, não têm uma tipologia própria, inserindo-se na tipificação comum dos crimes de resultado, como o homicídio, a lesão corporal, etc. Na verdade, nesses crimes não há uma causalidade fática mas jurídica. Neles o omitente, devendo e podendo, não impede o resultado. Convém destacar, desde logo, que o dever de evitar o resultado é sempre um dever decorrente de uma norma jurídica, não o configurando deveres puramente éticos, morais ou religiosos(2).

Neste trabalho, no entanto, premidos pela falta de espaço, nos limitaremos a tecer algumas considerações somente em relação ao crime omissivo impróprio, cuja regulamentação expressa foi objeto da Reforma Penal de 1984, que teve como grande responsável o saudoso ministro Francisco de Assis Toledo, a quem, neste momento, rendemos nossas homenagens.

2. Crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão

No crime comissivo por omissão ou omissivo impróprio, o dever de agir é para evitar um resultado concreto. Nesses crimes, o agente não tem simplesmente a obrigação de agir, mas a obrigação de agir para evitar um resultado, isto é, deve agir com a finalidade de impedir a ocorrência de determinado evento. Nos crimes comissivos por omissão há, na verdade, um crime material, isto é, um crime de resultado. São elementos dessa modalidade de omissão, segundo o art. 13, § 2º, do nosso Código Penal(3): a) a abstenção da atividade que a norma impõe; b) a superveniência do resultado típico em decorrência da omissão; c) a ocorrência da situação geradora do dever jurídico de agir.

Nos crimes comissivos estamos diante de uma norma proibitiva. Sempre que um determinado desenvolvimento causal for favorável, o Direito, em virtude dos fins a que se propõe, ordena que o homem não interfira nesse processo causal para, com a sua interferência, não vir a ocasionar um resultado indesejável, um resultado socialmente danoso. O direito ordena-lhe, portanto, uma abstenção, proíbe que aja para não causar um prejuízo.

Já nos crimes comissivos por omissão, pode existir uma norma, que Novoa Monreal chama de norma de dever de segundo grau(4), dirigida a um grupo restrito de sujeitos. Norma esta que impõe um dever de agir, para impedir que processos alheios ao sujeito, estranhos a ele, venham a ocasionar um resultado lesivo. Essa norma, mandamental, é dirigida a um grupo restrito, enquanto a norma proibitiva dirige-se a todos aqueles que podem ser sujeitos ativos do crime. Essa norma de mandado de segundo grau dirige-se apenas àquelas pessoas que têm uma especial relação de proteção com o bem juridicamente tutelado. Devem, em primeiro lugar, logicamente, abster-se de praticar uma conduta que o lese, como qualquer outro; em segundo lugar, devem também agir para evitar que outros processos causais possam ocasionar esse dano.

Esses sujeitos, relacionados assim de maneira especial com determinados interesses jurídicos, são chamados de garantidores que, segundo Sauer(5), devem prevenir, ajudar, instruir, defender e proteger o bem tutelado ameaçado. São a garantia de que um resultado lesivo não ocorrerá, pondo em risco ou lesando um interesse tutelado pelo Direito.

Essa questão foi debatida na doutrina durante longo tempo, aliás desde a obra de Feuerbach, principalmente em virtude da ausência de previsão legal que orientasse o intérprete na identificação do garantidor. A figura do garantidor era, portanto, pura elaboração doutrinário-jurisprudencial. A doutrina criou uma série de condições ou hipóteses que poderiam ser consideradas as fontes do dever de evitar o resultado(6).

No Código de 1940, nos encontrávamos nessa situação, onde a figura do garantidor era simples produto de elaboração doutrinária, não havendo nenhuma norma legal que permitisse identificá-lo. A Reforma Penal de 1984 regulou expressamente — quando tratou da relação de causalidade — as hipóteses em que o agente assume a condição de garantidor.

2.1. Pressupostos fundamentais do crime omissivo

a) Poder agir: o poder agir é um pressuposto básico de todo comportamento humano. Também na omissão, evidentemente, é necessário que o sujeito tenha a possibilidade física de agir, para que se possa afirmar que não agiu voluntariamente. É insuficiente, pois, o dever de agir. É necessário que, além do dever, haja também a possibilidade física de agir, ainda que com risco pessoal. Essa possibilidade física falta, por exemplo, na hipótese de coação física irresistível, não se podendo falar em omissão penalmente relevante, porque o omitente não tinha a possibilidade física de agir. Aliás, a rigor, nem poderia ser chamado de omitente, porque lhe faltou a própria vontade.

b) Evitabilidade do resultado: mas, ainda que o omitente tivesse a possibilidade de agir, fazendo-se um juízo hipotético de eliminação — seria um juízo hipotético de acréscimo —, imaginando-se que a conduta devida foi realizada, precisamos verificar se o resultado teria ocorrido ou não. Ora, se a realização da conduta devida impede o resultado, considera-se a sua omissão causa desse resultado. No entanto, se a realização da conduta devida não tivesse impedido a ocorrência do resultado que, a despeito da ação do agente, ainda assim se verificasse, deve-se concluir que a omissão não deu “causa” a tal resultado. E a ausência dessa relação de causalidade, ou melhor, no caso, relação de não-impedimento, impede que se atribua o resultado ao omitente, sob pena de consagrar-se uma odiosa responsabilidade objetiva, como acaba de fazer o famigerado Código de Trânsito Brasileiro (art. 304, parágrafo único).

c) Dever de impedir o resultado: mas, se o agente podia agir e se o resultado desapareceria com a conduta omitida, ainda assim não se pode imputar o resultado ao sujeito que se absteve. É necessária uma terceira condição, ou seja, é preciso que o sujeito tivesse o dever de evitar o resultado, isto é, o especial dever de evitá-lo ou, em outros termos, que ele fosse garantidor da sua não-ocorrência.

A Reforma Penal de 1984 (Parte Geral), cedendo à antiga elaboração doutrinária, ao regular a figura do garantidor, determina que o dever de agir para evitar o resultado incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado (art.13, § 2º).

3. As fontes que fundamentam a posição de garantidor

Vejamos cada uma dessas fontes da posição de garantidor, que, equivocadamente, nosso Código define como hipóteses de “omissão relevante” (art.13, § 2º), dando a falsa impressão de que, nos crimes omissivos próprios, a “omissão não é penalmente relevante”.

3.1. A obrigação legal de cuidado, proteção ou vigilância

A primeira fonte do dever de evitar o resultado é a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância imposta por lei. É um dever legal, decorrente de lei, aliás o próprio texto legal o diz. Dever esse que aparece numa série de situações, como, por exemplo, o dever de assistência que se devem mutuamente os cônjuges, que devem os pais aos filhos, e assim por diante. Há também um dever legal daquelas pessoas que exercem determinadas atividades, as quais têm implícita a obrigação de cuidado ou vigilância ao bem alheio, como, por exemplo, o policial, o médico, o bombeiro etc.

Nesses casos, portanto, se o sujeito, em virtude de sua abstenção, descumprindo o dever de agir, não obstruir o processo causal que se desenrola diante dele, digamos assim, é considerado, pelo Direito Penal, como se o tivesse causado. Isso ocorre, por exemplo, naqueles casos tão debatidos, quase sempre chamados pela mídia de omissão de socorro, em que médicos negam-se a atender determinado paciente em perigo de vida, o qual em virtude dessa omissão vem a morrer. O crime que praticam, na verdade, não é omissão de socorro, mas homicídio, ainda que culposo, porque o médico tem essa especial função de garantir a não-superveniência de um resultado letal, e esse dever lhe é imposto por lei.

3.2. De outra forma, assumir a responsabilidade de impedir o resultado

Durante muito tempo se falou em dever contratual. Ocorre, porém, que o contrato não esgota todas as possibilidades de assunção de responsabilidades. Pode não existir contrato e o sujeito ter de fato assumido uma determinada responsabilidade para com outrem. Por outro lado, pode existir contrato e esse contrato não ser válido, o que equivale a sua inexistência.

De qualquer forma, o que importa é que o sujeito voluntariamente se tenha colocado na condição de garantidor. E não é necessário que essa posição dure por determinado período de tempo, podendo ser transitória, podendo existir somente pelo espaço de algumas horas, por exemplo. Lembramos um exemplo comum: em locais, digamos, menos favorecidos, onde as mulheres não têm condições de pagar babá para seus filhos, é comum que uma vizinha se ofereça para cuidar do filho da outra, enquanto esta se ausenta, rapidamente. A assunção da responsabilidade de cuidar da criança, portanto uma obrigação de cuidado assumida voluntariamente, torna essa vizinha garantidora. E essa obrigação existirá até o momento em que a mãe voltar e retomar o cuidado do próprio filho. Nesse espaço de tempo, essa vizinha é garantidora. Portanto, se omitir uma conduta necessária para impedir um processo causal que pode produzir um resultado lesivo, será responsável por esse resultado, porque tinha o especial dever de impedi-lo. Da mesma forma, o médico de plantão, embora já se tenha esgotado o seu turno, não poderá abandonar o serviço enquanto o seu substituto não tiver chegado e assumido regularmente a sua função.

3.3. Com o comportamento anterior, criar o risco da ocorrência do resultado

Nesses casos, o sujeito coloca em andamento, com a sua atividade anterior, um processo que chamaríamos de risco, ou, então, com seu comportamento, agrava um processo já existente. Não importa que o tenha feito voluntária ou involuntariamente, dolosa ou culposamente; importa é que com sua ação ou omissão originou uma situação de risco ou agravou uma situação já existente. Em virtude desse comportamento anterior, surge-lhe a obrigação de impedir que essa situação de perigo evolua para uma situação de dano efetivo, isto é, que venha realmente a ocorrer um resultado lesivo ao bem jurídico tutelado.

Nessas situações, especialmente quando ocorre culpa, e não dolo, pode haver uma certa dificuldade em determinar se se trata de crime culposo comissivo por omissão, portanto, que só pode ser praticado por quem é garantidor, ou, ao contrário, se se trata de um crime culposo comissivo, simplesmente.

A doutrina alemã arrola uma série de hipóteses em que poderia haver dúvida quanto à interpretação sobre a existência de crime comissivo por omissão, ou simplesmente comissivo. Podem ocorrer, na verdade, duas hipóteses: 1ª) uma conduta omissiva do agente seguida de uma conduta comissiva; 2ª) uma conduta comissiva seguida de uma conduta omissiva. Um desses exemplos é aquele em que uma pessoa oferece a outra um copo d'água, sem ferver, quando, na localidade, grassava uma epidemia de tifo, que a outra pessoa desconhecia. Essa outra toma a água sem ferver, contrai a doença e morre. Aqui há uma conduta omissiva anterior, primitiva, que é o fato de não ter fervido a água antes de oferecê-la, sabendo da existência de uma epidemia de tifo. A seguir há uma segunda conduta, agora ativa, comissiva, que é oferecer o copo d'água naquelas circunstâncias. Nesse caso, há uma omissão e uma ação posterior. A solução mais correta, a nosso juízo, é considerar o crime comissivo quando podemos relacionar o resultado com uma conduta ativa imediatamente anterior a ele, ficando a omissão como a conduta remota. Nesse exemplo, portanto, teríamos um crime culposo comissivo e não comissivo por omissão.

O contrário também pode acontecer, isto é, a uma conduta ativa do sujeito seguir-se uma omissão. Nessa hipótese, sim, teríamos a situação contemplada na letra c do § 2º do art. 13. Por exemplo, o sujeito, imprevidentemente, coloca um vidro de remédio ao alcance de uma criança que mora no local a qual apanha o frasco, toma o medicamento e passa mal. O sujeito percebe o que está ocorrendo e não a socorre. Conseqüentemente, se omite de uma obrigação que lhe incumbe, em virtude de, com a conduta anterior, ter criado a situação de perigo. E em virtude de sua omissão a criança morre. Nesse caso, há um crime comissivo por omissão, porque o que relacionamos ao resultado não é a conduta anterior — a ação de deixar o vidro —, mas, ao contrário, o que relacionamos diretamente ao resultado é a omissão que se seguiu à conduta primitiva. Na realidade, criou com sua ação uma situação de risco e depois absteve-se de evitar que esse risco se transformasse em dano efetivo. Nessa hipótese, há um crime comissivo por omissão. E note-se que não tem de ser necessariamente culposo. A conduta anterior pode ter sido culposa, e no exemplo foi, mas a omissão posterior pode ser dolosa, e no exemplo foi, isto é, um homicídio doloso, por omissão imprópria.

No entanto, não se pode esquecer que, nas hipóteses de homicídio culposo e de lesão corporal culposa, o agir precedentemente culposo, lesando bens jurídicos pessoais (vida e integridade física), não transforma o agente em garantidor, diante da especialidade das majorantes previstas nos arts. 121, § 4º, e 129, § 7º, respectivamente. Como os pressupostos fáticos que configuram a condição de garantidor são elementos constitutivos do tipo, devem ser abrangidos pelo dolo. Por isso, o agente deve ter consciência da sua condição de garantidor da não-ocorrência do resultado(7). O erro sobre os pressupostos fáticos dessa condição constitui erro de tipo, e o erro sobre o dever de impedir o resultado constitui erro de proibição.

4. Abandono de incapaz e crimes omissivos impróprios

O crime de abandono de incapaz tem uma peculiaridade toda especial, pois, embora não se trate de uma figura essencialmente subsidiária, seja crime de perigo e possa ser praticado por ação ou omissão, reúne, em tese, os pressupostos de um crime omissivo impróprio, prescritos no art. 13, § 2º e suas alíneas. Em outros termos, o sujeito ativo do crime de abandono de incapaz poderá tornar-se o garantidor, e, como tal, se não evitar o resultado danoso, decorrente da situação de perigo, deveria responder, como garante, pelo evento, na modalidade de crime comissivo por omissão, e não simplesmente como crime qualificado pelo resultado. Em razão da complexidade deste tema, faremos sua análise em tópico específico.

As fontes dessa especial relação de dever de assistência e proteção do incapaz, constante do art. 133, podem provir de lei, de convenção ou de situação anterior (lícita ou ilícita) criada pelo próprio agente. Coincidentemente, são basicamente as mesmas fontes contidas no art. 13, § 2º, que fundamentam a responsabilidade do garantidor pelo resultado que não evitar. De notar-se, que as proclamadas inovações constantes do art. 13, § 2º e respectivas alíneas, não são assim tão novas, pois já constavam em tipos penais da parte especial do Código Penal de 1940.

Quem abandonar alguém capaz (ou incapaz sem qualquer vínculo de assistência) não responderá por crime algum, salvo se a conduta adequar-se ao descrito na definição do crime de omissão de socorro (art. 135); contudo responderá pelo crime de abandono de incapaz (art. 133), se o abandonado for incapaz, havendo o especial vínculo de assistência. Mas, na primeira hipótese, existindo a condição de garantidor, o agente responderá por eventual resultado danoso, pelo crime de homicídio por exemplo, se não evitá-lo (art. 13, § 2º); na segunda hipótese, sendo o abandonado incapaz, sobrevindo a morte, o agente responderá somente pelo crime de abandono qualificado pelo resultado (art. 133, § 2º). Será racional, lógico e jurídico que, nesse caso, o agente não responda, como garantidor, pelo resultado- homicídio — somente porque o sujeito passivo é incapaz de defender-se? Exatamente quando a conduta de abandonar o incapaz, por sua condição mais carente da proteção penal, é teoricamente mais desvaliosa, o agente não responde, como garantidor, pelo resultado morte. No entanto, nas mesmas circunstâncias, não havendo vínculo especial ou se tratando de capaz abandonado em perigo grave, o agente que, com sua conduta, criou a situação responderá pelo resultado, se não evitá-lo.

Com efeito, a reforma penal de 1984 (Parte Geral), ao regular a figura do garantidor, determina que o dever de agir, para evitar o resultado, incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado (art. 13, § 2º). Mutatis mutandis, apenas com uma terminologia mais moderna, são as mesmas fontes indicadas pelos doutrinadores anteriormente citados, para as hipóteses do crime de abandono de incapaz. A única diferença reside no fato de que as fontes citadas pela antiga doutrina, nesse crime, limitam-se à hipótese de o sujeito passivo ser incapaz, enquanto as fontes relativas à causalidade da omissão relevante referem-se a qualquer situação. Em outros termos, pode-se afirmar, com segurança: todas as hipóteses previstas nos dois parágrafos do art. 133, se evoluírem para um resultado danoso, constituiriam, pelo disposto no art. 13, § 2º, crimes omissivos impróprios (e não simples crimes qualificados pelo resultado).

No entanto, a específica previsão da Parte Especial, particularizando uma conduta e, assim, destacando-a da regra geral, transforma o sujeito ativo desse crime em um, digamos, “garantidor privilegiado”, que não responde pelo resultado, como crime autônomo, conforme determina o art. 13, § 2º, mas que responde somente pelo simples crime omissivo agravado pelo resultado (art. 133 e parágrafos). Embora pareça contraditório, ilógico e até irracional sustentar que a responsabilidade do garantidor somente existirá se o garantido não for incapaz e não se encontrar vinculado ao sujeito ativo, a despeito da maior improbabilidade deste autoproteger-se, é isso que vem ao encontro justamente das garantias representadas pelo tipo penal e pelo próprio princípio da tipicidade.

Com efeito, não deixa de ser paradoxal negar maior proteção exatamente ao incapaz, a quem o ordenamento jurídico considera hipossuficiente, pois, contraditoriamente, se do abandono de alguém capaz, maior, plenamente válido, resultar-lhe a morte, havendo aquele vínculo de “assistência”, o agente responderá pelo crime de homicídio, na forma comissiva omissiva, ao passo que, nas mesmas circunstâncias, se do abandono de um incapaz resultar-lhe a morte, o agente responderá somente pelo abandono de incapaz, qualificado pelo resultado (art. 133). Evidentemente que esse paradoxo persiste e somente poderá ser afastado, de lege ferenda, com a simples aplicação dos parágrafos do art. 133, adequando-o à Parte Geral, especialmente ao disposto no art. 13, § 2º.

Notas

(1) Francisco Muñoz Conde e Mercedes García Arán. Derecho Penal, Parte General, 3ª ed., Valencia: Tirant lo Blanch, 1996, p. 253.

(2) Francisco Muñoz Conde e Mercedes García Arán. Derecho Penal..., p. 253.

(3) O atual Código Penal espanhol, Lei orgânica nº 10/95, adotou em seu artigo 11, uma orientação semelhante à brasileira, embora mais restritiva, não incluindo a previsão constante da alínea b do nosso código.

(4) Eduardo Novoa Monreal. Fundamentos de los Delitos de Omisión, Buenos Aires: Depalma, 1984, p. 1.139.

(5) Guillermo Saures. Derecho Penal, Barcelona: Ed. Bosch, 1956, p. 156.

(6) Eugenio Raúl Zaffaroni. Derecho Penal, 6ª ed., Buenos Aires: Editora Ediar, 1991, p. 456.

(7) Heleno Claudio Fragoso. Lições de Direito Penal, Rio de Janeiro: Forense, p. 233.

Cezar Roberto Bitencourt
Doutor em Direito Penal, advogado crimininalista e diretor da Faculdade de Direito do CESUPA-RS

Quem com seu comportamento anterior criou o risco de ocorrência do resultado?

Segundo o Código Penal, responde por omissão aquele que "com o seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado" (CP, artigo 13, §2º, "c").

Quais são os tipos de erro de tipo?

“Há duas espécies de erro de tipo: a) Erro de tipo essencial, que recai sobre elementares ou circunstâncias do tipo, sem as quais o crime não existiria; b) Erro de tipo acidental, que recai sobre circunstâncias acessórias, secundárias, da figura típica.

Quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado?

A omissão é penalmente relevante quando o omitente deve e pode agir para evitar o resultado e tem, por lei de natureza penal, a obrigação de proteção, cuidado ou vigilância. A lei a que se refere o art.

O que é a chamada ingerência no direito penal?

A ingerência é a imputação do resultado típico à omissão quando o omitente cria um risco anterior (CP, artigo 13, §2º, "c"). Nesse contexto, existe para aquele que criou o risco um dever de controle e/ou um dever de salvamento.