Com base nesse texto conclui-se que a expansão do islamismo na áfrica brainly

A aprovação da lei 10639/03, que tornou obrigatório o ensino da História da África e dos afrodescendentes, gerou nos meios escolares e acadêmicos algumas inquietações e muitas dúvidas. Como ensinar o que não se conhece? Para além das interrogações, a lei revela algo que os especialistas em História da África vêm alertando há certo tempo: "esquecemos" de estudar o Continente africano. A partir dessas constatações, o presente artigo tem como objetivo maior analisar a forma como a História da África e os africanos foram representados em um dos poucos livros didáticos de História elaborados no país que abordam a África com um capítulo específico. As muitas críticas e curtos elogios devem ser entendidos não como desconsideração ao trabalho do autor, mas como um alerta: devemos voltar nossos olhares para a África, pela sua relevância incontestável como palco das ações humanas e pelas profundas relações que guardamos com aquele Continente por meio do mundo chamado Atlântico.

História da África; representações; ensino da História; historiografia africana; africanos


L'adoption de la loi 10639/03, qui a rendu obligatoire l'enseignement de l'Histoire de l'Afrique et des afro-descendants, a suscité quelques inquiétudes dans les milieux scolaires et académiques ainsi que bien de doutes. Comment enseigner ce que l'on ne connaît pas ? En plus de toutes ces interrogations, la loi révèle quelque chose dont les spécialistes en Histoire de l'Afrique se soucient depuis un certain temps : on a simplement "oublié" d'étudier le continent africain. C'est à partir de ces constatations que cet article a pour objectif majeur d'étudier comment l'Histoire de l'Afrique et les Africains ont été représentés dans l'un des seuls livres didactiques d'Histoire fait au Brésil et qui aborde l'Afrique dans un chapitre spécifique. Toutes les critiques et les brefs éloges doivent être compris comme une mise en garde plutôt que comme un manque de respect pour le travail de l'auteur. En effet, on doit regarder l'Afrique à cause de son importance majeure comme une scène pour des actions humaines et aussi à cause des rapports intenses que l'on garde avec ce continent, à travers ce que l'on nomme le monde Atlantique.

Histoire de l'Afrique; représentations; enseignement de l'Histoire de l'Afrique; historiographie africaine; Africains


The approval of the 10639/03 law, which made compulsory the teaching of African and African-descendants history, has brought some uneasiness and many questions to the academic sphere. How is it possible to teach something we do not know? Besides this questioning, the law comes up with something that African history specialists have been warning us for a long time: we "forgot" to study the African continent. Beginning from these facts, the article's objective is to analyze how the African history and the Africans have been represented in the very few history books, made in Brazil, in which the African theme is brought up in a specific chapter. The many critics and short complements towards these books, should not be interpreted as lack of consideration to the authors' work, but as an alert: we have to turn our attention to Africa, considering its unquestionable relevance as a stage to human actions and because of the deep relations we have with that continent through the Atlantic.

African History; representations; history teaching; African historiography; Africans


A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na literatura didática

African History at school. Representations and imprecision in the didactics literature

L'histoire de l'Afrique sur les bans de l'école. Représentations et inprecisions dans la littérature didactique

Anderson Ribeiro Oliva

RESUMO

A aprovação da lei 10639/03, que tornou obrigatório o ensino da História da África e dos afrodescendentes, gerou nos meios escolares e acadêmicos algumas inquietações e muitas dúvidas. Como ensinar o que não se conhece? Para além das interrogações, a lei revela algo que os especialistas em História da África vêm alertando há certo tempo: "esquecemos" de estudar o Continente africano. A partir dessas constatações, o presente artigo tem como objetivo maior analisar a forma como a História da África e os africanos foram representados em um dos poucos livros didáticos de História elaborados no país que abordam a África com um capítulo específico. As muitas críticas e curtos elogios devem ser entendidos não como desconsideração ao trabalho do autor, mas como um alerta: devemos voltar nossos olhares para a África, pela sua relevância incontestável como palco das ações humanas e pelas profundas relações que guardamos com aquele Continente por meio do mundo chamado Atlântico.

Palavras-chave: História da África; representações; ensino da História; historiografia africana; africanos.

ABSTRACT

The approval of the 10639/03 law, which made compulsory the teaching of African and African-descendants history, has brought some uneasiness and many questions to the academic sphere. How is it possible to teach something we do not know? Besides this questioning, the law comes up with something that African history specialists have been warning us for a long time: we "forgot" to study the African continent. Beginning from these facts, the article's objective is to analyze how the African history and the Africans have been represented in the very few history books, made in Brazil, in which the African theme is brought up in a specific chapter. The many critics and short complements towards these books, should not be interpreted as lack of consideration to the authors' work, but as an alert: we have to turn our attention to Africa, considering its unquestionable relevance as a stage to human actions and because of the deep relations we have with that continent through the Atlantic.

Keywords: African History, representations, history teaching, African historiography, Africans.

RÉSUMÉ

L'adoption de la loi 10639/03, qui a rendu obligatoire l'enseignement de l'Histoire de l'Afrique et des afro-descendants, a suscité quelques inquiétudes dans les milieux scolaires et académiques ainsi que bien de doutes. Comment enseigner ce que l'on ne connaît pas ? En plus de toutes ces interrogations, la loi révèle quelque chose dont les spécialistes en Histoire de l'Afrique se soucient depuis un certain temps : on a simplement "oublié" d'étudier le continent africain. C'est à partir de ces constatations que cet article a pour objectif majeur d'étudier comment l'Histoire de l'Afrique et les Africains ont été représentés dans l'un des seuls livres didactiques d'Histoire fait au Brésil et qui aborde l'Afrique dans un chapitre spécifique. Toutes les critiques et les brefs éloges doivent être compris comme une mise en garde plutôt que comme un manque de respect pour le travail de l'auteur. En effet, on doit regarder l'Afrique à cause de son importance majeure comme une scène pour des actions humaines et aussi à cause des rapports intenses que l'on garde avec ce continent, à travers ce que l'on nomme le monde Atlantique.

Mots-clés: Histoire de l'Afrique, représentations, enseignement de l'Histoire de l'Afrique, historiographie africaine, Africains.

Não costumo iniciar minhas reflexões com perguntas diretas, já que as mesmas exigem respostas diretas. E efetivamente esta não é uma qualidade que carrego. Porém, neste momento, é difícil encontrar outra forma de chamar a atenção do leitor, provavelmente professor de História. Por isso vamos a ela: "O que sabemos sobre a África?"

Talvez as respostas sofram algumas variações, na densidade e na substância de conteúdo, dependendo para quem ou onde a pergunta seja proferida. Acredito, no entanto, que o silêncio ou as lembranças e imagens marcadas por estereótipos preconceituosos vão se tornar ponto comum na fala daqueles que se atreverem a tentar formular alguma resposta. Atrevimento sim! Quantos de nós estudamos a África quando transitávamos pelos bancos das escolas? Quantos tiveram a disciplina História da África nos cursos de História? Quantos livros, ou textos, lemos sobre a questão? Tirando as breves incursões pelos programas do National Geographic ou Discovery Channel, ou ainda pelas imagens chocantes de um mundo africano em agonia, da AIDS que se alastra, da fome que esmaga, das etnias que se enfrentam com grande violência ou dos safáris e animais exóticos, o que sabemos sobre a África? Paremos por aqui. Ou melhor, iniciemos tudo aqui.

O ofício de historiador ou de professor — não consigo percebê-los tão separados — habilita-nos à compreensão e análise da humanidade em sua trajetória no tempo. Isto não pode ocorrer apenas por adoração às pesquisas ou ao poder de contar histórias. Voltar ao passado apenas por erudição ou curiosidade não é a nossa tarefa. O passado comunica o presente, o presente dialoga com o passado. Só assim nossa árdua função se recobre de significados e de sentidos. Desconfio que os alunos também pensem assim. Se a História da África, como um campo do pensamento humano, se justifica por si só, no nosso caso, a responsabilidade adquire um duplo peso.

Primeiro: temos que reconhecer a relevância de estudar a História da África, independente de qualquer outra motivação. Não é assim que fazemos com a Mesopotâmia, a Grécia, a Roma ou ainda a Reforma Religiosa e as Revoluções Liberais? Muitos irão reagir à minha afirmação, dizendo que o estudo dos citados assuntos muito explica nossas realidades ou alguns momentos de nossa História. Nada a discordar. Agora, e a África, não nos explica? Não somos (brasileiros) frutos do encontro ou desencontro de diversos grupos étnicos ameríndios, europeus e africanos? Aí está a dupla responsabilidade. A História da África e a História do Brasil estão mais próximas do que alguns gostariam. Se nos desdobramos para pesquisar e ensinar tantos conteúdos, em um esforço de, algumas vezes, apenas noticiar o passado, por que não dedicarmos um espaço efetivo para a África em nossos programas ou projetos. Os africanos não foram criados por autogênese nos navios negreiros e nem se limitam em África à simplista e difundida divisão de bantos ou sudaneses. Devemos conhecer a África para, não apenas dar notícias aos alunos, mas internalizá-la neles. Para isso devemos saber responder, com boa argüição, a pergunta inicial do texto. Porém, chega de defesas ou apologias de uma História, e nos concentremos nas "coisas sérias".

A História da África nos bancos escolares

Se o ensino de História no Brasil 1 1 . Sobre a temática ver os ótimos trabalhos de Nadai (1992), Munaka (2001), Fonseca (1993) e Diehl (1999), presentes na bibliografia. 2 . Estamos nos referindo às importantes experiências com o ensino temático ocorridas no estado de São Paulo e em outras partes da Federação nos anos oitenta. Naquela oportunidade, os debates de (re)elaboração dos currículos de História nas Secretarias de Educação levariam à constatação de que o modelo de ensino até então adotado era insustentável e que era imperiosa a confecção de uma nova abordagem para a História ensinada nas escolas. Porém, neste momento, tirando os debates iniciais sobre a Nova História francesa que ocorriam na UNICAMP e na USP, o Brasil não possuía, nas graduações e nas pesquisas históricas, elementos suficientes para ancorar tal perspectiva. Já nos anos noventa o quadro era outro. Tanto as graduações como as pós-graduações já estavam voltadas para as temáticas comuns à Nova História, à História Social e à História Cultural, possibilitando uma "transferência" mais coesa dessas perspectivas para o ensino da História. 3 . Sobre o tema ver o artigo escrito por Pereira (2001). 4 . Como da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina. 5 . Citamos, como exemplo, o núcleo regional da ANPUH-RS, com seu Grupo de Trabalho (GT) sobre Ensino de História e Educação. 6 . Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. 7 . Lei 10639, de 9 de janeiro de 2003. "Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo nego nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil". 8 . A pesquisa se encontra em fase inicial, na qual, apenas quinze, das trinta coleções de livros didáticos de História, selecionadas para análise, foram compulsadas. As obras são as seguintes: Mozer (2002), Rodrigue (2001), Macedo (1999), Dreguer (2000) e Schmidt (1999). 9 . A viagem ocorreu no mês de novembro de 2003. 10 . Entre os vários pesquisadores que dissertaram sobre a trajetória da historiografia africana e pensaram as questões acerca das representações encontramos nomes como Joseph Ki-Zerbo,Djibril Tamsir Niane, Elikia M'Bokolo, Kwame Appiah, Franz Fanon, Carlos Lopes, José da Silva Horta, John Fage e Philip Curtin. 11 . Para Carlo Ginzburg o termo guarda em sua aplicação nas ciências humanas uma certa ambigüidade, que se revelaria por dois encaminhamentos reflexivos acerca da questão. Para alguns a representação "faz as vezes da realidade", lembrando sua ausência. Para outros, ela "torna visível a realidade representada e, portanto, sugere sua presença". Neste caso, o primeiro exemplo seria efetivamente uma representação e seria lida como tal. Já no segundo exemplo ela poderia se confundir com o que é representado, não sendo mais percebida como um instrumento de ligação, para ser o próprio objeto que está sendo representado. Ocorreria, portanto, uma oscilação entre evocação e substituição do que é representado (Ginzburg, 1999: 85). Já para Roger Chartier "[...] nenhum texto — mesmo aparentemente mais documental [...] — mantém uma relação transparente com a realidade que apreende. O texto, literário ou documental, não pode nunca se anular como texto, ou seja, como um sistema construído consoante categorias, esquemas de percepção e de apreciação, regras de funcionamento, que remetem para as suas próprias condições de produção" (Chartier, 1988: 63). 12 . Fanon nasceu na ilha de Martinica, na América Central, em 1925. Até sua morte, em 1962, esteve engajado na luta de libertação das colônias francesas na África. 13 . Fora os trabalhos dos citados autores encontramos várias outras referências: Políbio, séc. II a.C.; Estrabão, séc. I a.C.; Plínio, o Velho, séc. I; Tácito e Plutarco, séc. II. 14 . Desde da Antigüidade os escritos de viajantes ou "historiadores", como Heródoto e Plínio, o Velho, fazem referência à África. No medievo, a teoria camita e a fusão da cartografia de Cláudio Ptolomeu com o imaginário cristão, relegam a África e os africanos às piores regiões da Terra. Com as Grandes Navegações e os contatos mais intensos com a África abaixo do Saara os estranhamentos e olhares simplificantes e reducionistas continuam. No século XIX, a ação das potências imperialistas no continente e a difusão das teorias raciais reforçam os estigmas já existentes sobre a região. 15 . O conceito de tradicional aqui utilizado deve ser relativizado. Trabalhamos com a perspectiva de que as sociedades tradicionais se encontram abertas e, em grande parte das vezes, absorvem os impactos causados pelas mudanças sem maiores transtornos. Sobre a temática ver a obre de Appiah (1997). 16 . Estas idéias foram expostas numa série de cursos apresentados pelo professor, intitulada "The Rise of Christian Europe". Ver Fage (1982) 17 . Mais à frente apontaremos os motivos disso. 18 . A referência aos citados grupos de estudos sobre a áfrica hora como "grupos", hora como "vertentes", não ocorre por um descaso nosso, mas é apenas uma forma de demonstrar a flexibilidade de classificação ou ordenamento de trabalhos utilizados em nossa pesquisa. 19 . Desde os anos 1960, acontecem encontros e congressos sobre as mais diversas temáticas e investigações sobre a África. Porém, nos últimos quinze anos, esses eventos atingiram uma dimensão significativa, contando com um grande número de participantes e de pesquisas divulgados. Podemos citar alguns de maior relevância como o Colóquio de Construção e Ensino da História da África, as Reuniões Internacionais d História de África, os Congressos Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, os Seminários Internacionais sobre a História de Angola, o African Studies Association (ASA), nos Estados Unidos; o West African Research Association (WARA), no Senegal e nos Estados Unidos; o Women in Africa and African Diaspora (WARD), nos Estados Unidos; e o Association Canadienne dês Études Africaines (ACEA/CAAS), em Toronto. As publicações também têm tido um crescimento quantitativo e qualitativo de destaque, seja em obras coletivas, seja na divulgação de investigações e reflexões individuais. Ver Bibliografia. 20 . Sobre a temática ver Silva (1995). 21 . A História da África é um tema obrigatório e de grande fecundidade reflexiva, mesmo sem suas vinculações com a história do Brasil. 22 . Autor de uma das novas séries de livros didáticos de História lançadas na segunda metade da década de 1990. 23 . Na mesma ordem capítulos 3, 6, 10 e 16. 24 . Respectivamente os capítulos 7, 15 e 11. 25 . Um comentário mais específico dessas obras exigiria um esforço que não se adequaria a nossa proposta. 26 . Ibn Battuta, Viagens. Tradução francesa de M. G. Slane, 1843. 27 . De novo alertamos que, não estamos desconsiderando os esforços de alguns missionários, religiosos ou teólogos contrários à escravidão. Apenas evidenciamos o debate político-diplomático-religioso de esferas hierárquicas maiores acerca da questão ou que se tornaram características gerais da Igreja. 28 . Acerca da questão, ver o trabalho de Lopes (1995). 29 . No capítulo 11, página 180, o autor separou um subtítulo — "A escravidão negra" — para tratar da relação entre os africanos e a citada instituição. Porém, ele não menciona, de forma explicativa, a escravidão tradicional africana. Sobre o assunto, ver os seguintes trabalhos: Selma Pantoja (2000), Paul Lovejoy (2002), Patrick Manning (1988) e Alberto da Costa e Silva (1992). 30 . Por motivos que transcendiam o fator econômico, já que o africano era percebido como inferior e pagão/infiel, podendo ser alvo da ação missionária e salvadora dos ocidentais. 31 . O historiador guineense Maria Difuila organizou uma nova classificação para a historiografia africana, passando a dividi-la em três fases: corrente da Inferioridade Africana; corrente da Superioridade Africana; e os novos estudos africanos. Com relação à corrente da Superioridade Africana uma de suas principais características era supervalorizar o continente, ora utilizando categorias européias, no estudo de antigas civilizações africanas, ora afirmando a superioridade da África em relação ao mundo. Ver Difuila (1995). 32 . Sobre a questão ver os trabalhos de Philip Curtin (1982), Manuel Difuila (1995) e Carlos Lopes (1995). 33 . Sobre o assunto ver as obras de Appiah (1997), Horton (1990), Ray (2000) e Mbti (1977).