São línguas oficiais herdadas da colonização europeia na maior parte da América Latina?

Euclides Andr� Mance
Curitiba, maio de 1995

1. Situando o Problema

A quest�o da identidade latino-americana(2) foi abordada de maneira recorrente desde o processo de coloniza��o. Ganhou maior destaque, contudo, a partir das lutas pela independ�ncia colonial e, recentemente, na segunda metade do nosso s�culo, tanto a partir dos novos movimentos sociais-revolucion�rios quanto das elabora��es de diversas ci�ncias humanas, que passaram a analisar certos problemas da Am�rica Latina em seus aspectos estruturalmente comuns e em seus similares desdobramentos dial�ticos. Mais recentemente os movimentos de reorganiza��o do capitalismo a n�vel mundial, levando ao surgimento de mega-mercados, induziram a constitui��o do Mercosul. Tal projeto de abertura gerou, em uma parcela da sociedade civil organizada, uma s�rie de reflex�es sobre a import�ncia de uma integra��o n�o apenas econ�mica, mas especialmente cultural entre os nossos povos, bem como uma s�rie de cr�ticas aos ideais neoliberais que norteiam esta integra��o, visando substitui-los pelo objetivo de uma democratiza��o substancial de nossas na��es, democratiza��o essa que se configure na constru��o da cidadania ativa e mais plena poss�vel - o que significa a garantia de todos os direitos humanos, uma vida digna e em qualidade satisfat�ria para todos, bem como o respeito e empenho pela realiza��o das singularidades humanas em exerc�cio �tico de sua liberdade(3).

Esse tema tamb�m tem sido recorrente na hist�ria da filosofia na Am�rica Latina. A partir dos anos 60, contudo, multiplicaram-se os estudos que desembocaram em duas posi��es que �s vezes se integram e �s vezes se separam: a filosofia do americano e a filosofia da liberta��o.

O n� cr�tico destas aproxima��es e diverg�ncias refere-se ao acercamento ou distanciamento da realidade concreta a que chegam as diversas elabora��es sobre tais defini��es. A busca de uma identidade latino-americana a partir de uma reflex�o ontol�gica, isto �, sobre o sentido de ser da realidade e do homem latino-americanos, pode apontar para uma abstra��o que perca de vista as diferen�as culturais e classistas, bem como, o movimento hist�rico de constru��o de uma identidade que � repleto de conflitos sob uma situa��o de depend�ncia(4). Por outro lado, a busca desta identidade tamb�m pode chegar � afirma��o do humano que deve realizar-se plenamente em cada pessoa deste nosso continente, exigindo-se, por isso, a ruptura com toda a situa��o de depend�ncia e domina��o.

No per�odo emergente da filosofia da liberta��o -- meados dos anos 60 aos primeiros anos da d�cada de 70 -- nota-se uma crescente ruptura com a quest�o "quem somos n�s, os latino-americanos ?". A necessidade concreta de liberta��o dos oprimidos prescinde de tal resposta, uma vez que a condi��o de seres negados pela opress�o implica a pr�pria determina��o de uma identidade oprimida. A identidade que nos unifica -- conforme vertentes da filosofia da liberta��o -- � a nossa pr�pria condi��o de seres negados. Problem�tico seria buscar uma identidade abstrata que unificasse, conceitualmente, dominantes e dominados e as diversas culturas particulares neste continente sob uma mesma totalidade, desconsiderando assim as contradi��es reais que envolvem nossas sociedades e a condi��o de exterioridade dos diversos povos e sujeitos particulares.

2. A Identidade Latino-americana : elementos da trajet�ria hist�rica na coloca��o do problema

A pergunta pela identidade latino-americana tem origens remotas. O pr�prio Sim�n Bol�var que tentara por fim � depend�ncia colonial e sonhara com a unidade da Am�rica Latina liberta de toda forma de depend�ncia escravizadora se embateu com este problema at� o final de sua vida(5) . No discurso de Angostura, em 1819, ele afirmava o seguinte : "N�o somos europeus, n�o somos �ndios, mas sim uma esp�cie interm�dia entre os abor�genes e os espanh�is. Americanos por nascimento e europeus por direito, nos encontramos em meio ao conflito de disputar os t�tulos de propriedade aos nativos e manter-nos no pa�s que nos viu nascer, contra a oposi��o dos invasores. De maneira que o nosso caso � extremamente extraordin�rio e complicado.(...) Estamos colocados num grau inferior ao da servid�o". "Mantenhamos presente que o nosso povo n�o � nem europeu, nem americano do norte, � antes uma composi��o de �frica e Am�rica do que uma emana��o da Europa... � imposs�vel determinar com propriedade a que fam�lia humana pertencemos"(6).

Nesta busca de constru��o de uma identidade latino-americana, observa-se, logo ap�s a independ�ncia de v�rios pa�ses, posi��es contradit�rias. A pergunta "quem somos?" � uma permanente fonte de ang�stias para as burguesias crioulas

Por um lado observa-se a valoriza��o do ind�gena a partir de fins do s�culo XVIII, algumas d�cadas antes do in�cio dos movimentos de emancipa��o pol�tica, afirmando a capacidade do �ndio americano como criador de grandes culturas. Afirmando-se a capacidade humana de �ndios, crioulos(7) e mesti�os, afirmava-se simultaneamente o direito de formarem na��es independentes da Europa(8).

Ap�s a independ�ncia, contudo, um complexo de inferioridade aparece frente � cultura europ�ia. A Am�rica latina devia modernizar-se e Domingo Faustino Sarmiento propor� a civiliza��o frente � barb�rie do passado colonial e ind�gena, apresentando como modelo aos pa�ses do sul os Estados Unidos da Am�rica do Norte: "sejamos os yanques do sul". Salienta Leopoldo Zea que "sobre a composi��o racial e cultural heterog�nea desta Am�rica, os civilizadores americanos do s�culo XIX, tais como Sarmiento, Alberdi, Lastarria, Bilbao, Mora e outros mais, se empenhar�o em colocar a m�scara da civiliza��o europ�ia e estado-unidense. Sejamos os Estados Unidos! Sejamos os yanques do sul! Contraposi��o de m�scaras, representa��es diferentes, mas sempre alheios e pouco aut�nticas, de diversos personagens. Atores sempre e por s�-lo, simuladores..."(9)

Fracassado tal projeto mim�tico, Jos� Marti em Nossa Am�rica combate a tese de se pretender apagar a hist�ria dos povos da Am�rica em nome de assumir padr�es de uma "civiliza��o" que lhes � estranha. Era preciso irmanar o anseio do futuro com a pr�pria realidade e afirmar seu pr�prio caminho, uma vez que os livros europeus ou norte-americanos n�o apresentavam a chave de compreens�o do hispano-americano.

Juan Bautista Alberdi afirmava que era necess�rio um esfor�o de elabora��o conceitual para que a cultura americana emancipada pudesse se afirmar. "Duas cadeias nos atavam � Europa -- afirma Alberdi -- uma material... a outra inteligente... Nossos pais romperam uma pela espada: n�s romperemos a outra pelo pensamento. Esta nova conquista dever� consumar nossa emancipa��o... Passou o reinado da a��o; entramos no do pensamento. Teremos her�is, por�m sair�o do seio da filosofia... A intelig�ncia americana quer tamb�m seu Bol�var, seu San Mart�n. A filosofia americana, a pol�tica americana, a arte americana, a sociabilidade americana, s�o outros tantos mundos que temos que conquistar."(10)

Por sua vez, frente a Civiliza��o e Barb�rie de Sarmiento, Jos� Vasconcelos propor� a "mesti�agem" integradora das culturas em A Ra�a C�smica. Para o autor, "... mesmo as mesti�agens mais contradit�rias podem concluir-se beneficamente sempre que o fator espiritual contribua a levant�-las". Na Am�rica Latina, como ocorrera em outras regi�es do mundo, a mesti�agem geraria uma nova ra�a, que seria aqui peculiarmente uma ra�a c�smica, integrando as diferentes ra�as e culturas(11) .

Desde o Peru, Jose Carlos Mari�tegui exigir� a incorpora��o do �ndio � vida da p�tria peruana e americana, visando a integra��o nacional, criando uma na��o unida e forte. Afirma que o �ndio n�o � um ser inferior, nem express�o da barb�rie, mas sendo homem como os demais deve conjuntamente assumir os destinos da Am�rica. � preciso combater o preconceito de que existam ra�as inferiores. Afirma Mari�tegui que "o conceito de ra�as inferiores serviu ao ocidente para sua obra de expans�o e conquista"(12) e que, de fato, a coloniza��o e, depois, o liberalismo destru�ram a economia agr�ria ind�gena, transformando os �ndios em objeto de explora��o, excluindo-os da na��o. Mari�tegui salientava, ent�o, a exist�ncia de dois Perus e de duas Am�ricas: a dos exploradores e dos explorados. Superando a explora��o era preciso constituir uma s� na��o, um s� homem, uma s� Am�rica(13). Analisando tal posi��o, comenta Leopoldo Zea: "n�o h� �ndios, nem crioulos nem mesti�os, somente homens. Homens que devem tomar consci�ncia de sua humanidade para faz�-la valer e exigir que lhes seja reconhecida. O �ndio deve tomar a consci�ncia de seu ser homem e atuar como tal nesta Am�rica"(14) .

Leopoldo Zea aproxima o indigenismo da negritude(15), isto �, considera a ambos como bandeiras de reivindica��o do homem da Am�rica Latina e da �frica, como express�es concretas desses homens que lutam pelo respeito � sua pr�pria humanidade(16). N�o se � mais ou menos homem em raz�o da cor de pele ou da cultura que se tenha. Se a exclus�o do �ndio consistia em seu desconhecimento, era necess�rio afirmar o ser do ind�gena, n�o para negar o branco ou recha�ar valores herdados da cultura ocidental, mas para integrar o que estava separado desde a coloniza��o. Posteriormente no Peru o problema da divis�o nacional avan�ou para an�lises que subsumiram a reivindica��o ind�gena na reinvidica��o dos direitos de todo o povo poder participar do progresso e da prosperidade nacionais. Analisando esse processo, comenta Leopoldo Zea: " o indigenismo se transforma, assim, em latinoamericanismo, em express�o da dupla luta interna e externa que mant�m os povos nesta parte do continente para por fim � situa��o de domina��o e depend�ncia. O racismo � s� uma justificativa entre outras que um grupo de homens levanta para dominar a outros. O racismo serve tanto aos que tratam de manter a explora��o realizada pelos peninsulares espanh�is e seus herdeiros, os crioulos, como aos que a n�vel internacional originaram o colonialismo. Por isso a luta na Am�rica Latina dever� ser anti-olig�rquica e anti-imperialista"(17).

3. A identidade latino-americana e filosofia do americano

Na vertente em que se elaboram reflex�es sobre o ser peculiar latino-americano, tenta-se, em linhas gerais, elaborar uma ontologia do homem e da realidade americana com uma reflex�o criativa sobre as circunst�ncias, utopias e mitos que possibilitam a compreens�o de um sentido da Am�rica Latina que vai despertando como consci�ncia de si mesma(18) .

Em Am�rica Bifronte, Alberto Caturelli, reflete sobre o ser da Am�rica. O autor constata a "presen�a muda do ser bruto, que deve ser transformada em presen�a intelig�vel e viva" a ser comunicada. � preciso opor � Am�rica origin�ria (presen�a n�o tematizada e secreta) a Am�rica desvelada, sendo portanto necess�rio descobri-la a n�vel do seu ser. Descobrir a Am�rica significa "romper a muda clausura da entidade simplesmente sendo, em bruto", significa patentear o significado do continente.

A Am�rica, portanto, tem uma dupla face. Uma est� "voltada para o origin�rio", a Am�rica ser bruto(19) ; a outra � aquela "descoberta pela Europa", como reflex�o do esp�rito. Desse paradoxo a Am�rica come�a a ouvir o apelo do Ser.

Conforme o autor, a busca do sentido original da Am�rica enfrenta n�o apenas o aspecto primitivo da natureza circundante. A pseudo-cultura mim�tica e europeizada da cidade bastarda, a viv�ncia inaut�ntica do cotidiano, a pseudo-pol�tica esquecida do sentido do Tu, s�o obst�culos a serem superados para compreenderemos nosso ser, compreenderemos a unidade cultural desde a experi�ncia origin�ria de nossa circunst�ncia -- dimens�o pr�-cultural -- a partir da qual tem-se o contato com as tradi��es europ�ias, ind�gena e negra que devemos fazer desabrochar.

Ortega y Gasset, por sua parte, elaborou interessantes reflex�es sobre o homem latino-americano desde a realidade argentina. Em seu artigo La Pampa... promessas ele desvenda um sentido prospectivo do latino-americano ao enfrentar a sua realidade: a realidade � compreendida e vivida a partir das promessas de seu horizonte, de seu porvir. � um viver a partir de um futuro imaginado, mas n�o real, em que o horizonte se apresenta como uma utopia prometida a se cumprir. " O pampa -- nos diz Ortega y Gasset -- se olha come�ando por seu fim, por seu �rg�o de promessas... Talvez o essencial da vida argentina � isso: ser promessa. Tem o dom de nos povoar o esp�rito com promessas, resplandece em esperan�as como um campo de mica com inumer�veis reflexos. Quem chega a esta costa v� diante de si todo o porvir... O pampa promete, promete, promete... Faz, a partir do horizonte, inesgot�veis gestos de abund�ncia e concess�o."(20) O homem latino-americano vive a partir do horizonte futuro, long�nquo, a partir do que n�o �, como uma promessa que ad-v�m. "Vive-se aqui tudo do distante e a partir do distante. Quase nada est� onde est�, sen�o diante de si mesmo, muito adiante no horizonte de si mesmo e, a partir dali, governa e executa sua vida do aqui: a real, presente, efetiva. O modo de vida do argentino � aquilo que eu chamaria o futurismo concreto de cada um. N�o � o futurismo gen�rico de um ideal comum, de uma utopia coletiva, mas � a viv�ncia de cada um a partir de suas ilus�es, como se elas j� fossem a realidade" (21).

Esse futurismo possui assim um car�ter individualista, no modo em que � assumida e projetada a exist�ncia, vivendo o latino-americano essa utopia em fun��o de si mesmo, do projeto individual de sua vida. A Am�rica como utopia �, pois, uma promessa que se faz pessoalmente ao americano que deseja viv�-la. Da� o sentido tr�gico e amargo que Ortega y Gasset desvenda ao considerar que o descumprimento dessa utopia e dessa promessa � vivida como uma esp�cie de derrota pessoal. "A rigor -- nos comenta o fil�sofo -- a alma crioula est� repleta de promessas feridas, sofre radicalmente de um divino descontentamento... sente dor em seus membros que lhe faltam e que, entretanto, nunca possuiu."(22) Assim, o modo de ser americano tem um fundo de tristeza que recobre seu utopismo. Com ilus�es irrealizadas, percebe que tem existido sem viver sua pr�pria vida, que lhe passa como uma sombra enquanto anseia por um devir imagin�rio, descobrindo finalmente uma esp�cie de vazio irremedi�vel, com o sentimento de ter perdido sua pr�pria vida.

Comentando essa reflex�o de Ortega, assim analisa Raul Fornet-Betancourt: " confiante na ilus�ria promessa de sua vida, o americano n�o se preocupa com o seu presente, n�o vive plenamente a sua vida presente e esta se esvai sem ser propriamente vivida por ele.(...) No fim de sua vida, pensa Ortega, o homem americano se v� confrontado com a dolorosa experi�ncia de que a vida tenha passado sem t�-la vivido, sem advertir sequer seu passo concreto "(23). N�o se trata, contudo, de simples tomada de consci�ncia de uma sensa��o de fracasso, pois para assistirmos ao seu fracasso � necess�rio que a estejamos vivendo. Conclui Ortega que "o crioulo n�o vive a sua verdadeira vida, mas que ela tem passado sem que ele se d� conta, vivendo a outra, a vida prometida. Por isso, quando chega � velhice e olha para tr�s, n�o encontra a sua vida, porque n�o passou por ele, aquela que n�o viveu, e encontra somente um rastro dolorido e rom�ntico de uma exist�ncia que n�o viveu. Encontra, pois, o vazio, o oco de sua pr�pria vida"(24)

Roberto Escobar, por sua vez, tamb�m apresenta a Am�rica como o continente da utopia, mas conferindo-lhe um car�ter positivo. A utopia � uma constante ao longo de toda a hist�ria da Am�rica, que j� foi imaginada como o lugar do "bom selvagem", da "fonte da juventude", do "Eldorado".

Na hist�ria destas terras quatro utopias tornaram-se dominantes. Sob a utopia social desejou-se "criar uma nova ordem social no novo mundo, encarnada nos projetos de independ�ncia e constitui��es"; sob a utopia religiosa, desenvolvem-se in�meros movimentos ligados ao milenarismo e messianismo; sustentando as utopias m�ticas, encontramos as lendas dos ind�genas, das civiliza��es origin�rias; e por fim sob a utopia intelectual, afirma-se, por exemplo, a tentativa de se criar uma filosofia original. Conclui Escobar que para encontrar a Am�rica � preciso invent�-la e que "at� agora o �nico caminho que foi oferecido a nossos pensadores foi o da utopia, nas suas diversas formas e nos seus diversos temas" (25). Urge, portanto, conhecermos a n�s mesmos, buscar nossas ra�zes comuns, e compreendermos o homem latino-americano bem como a sua situa��o.

3.1 Identidade Latino-americana: Humanismo e Liberta��o

Para caracterizar a identidade latino-americana, conforme Leopoldo Zea, mais do que investigar as suas utopias � preciso tratar de maneira filosoficamente aut�ntica a Am�rica Latina, investigando sua maneira de ser e suas circunst�ncias concretas, recuperando a hist�ria do continente, em especial a hist�ria das id�ias aqui difundidas. Este trabalho, para o autor visa contribuir para o esclarecimento e transforma��o concreta da realidade.

Conforme Francisco Mir� Quesada (26) Leopoldo Zea, em sua trajet�ria de pesquisador da hist�ria das id�ias -- a princ�pio no M�xico e depois na Am�rica Latina -- desemboca na filosofia do americano que tem por miss�o " revelar-nos nosso pr�prio ser, revela��o que se manifesta atrav�s da cria��o de uma determinada consci�ncia hist�rica, consci�ncia que por sua vez, orienta nossa op��o para a liberta��o definitiva."(27). � justamente pela afirma��o de um profundo humanismo desde o qual considera a realidade do homem latino-americano, que a reflex�o de Zea se desdobra sobre quest�es da depend�ncia cultural e da necessidade de liberta��o, a fim de que os povos atinjam o florescimento pleno de suas culturas e o reconhecimento universal de sua humanidade.

A liberta��o almejada por Zea somente pode ser conquistada " mediante o reconhecimento da dignidade e da liberdade reais de todos n�s latino-americanos"(28). Este reconhecimento humano exige a supera��o da aliena��o, a autenticidade, o fim dos imperialismos e da depend�ncia. Desde a reflex�o da hist�ria latino-americana, dos seus diversos processos de transforma��o social, o filosofo da hist�ria latino-americana haver� de clarear e intensificar um novo tipo de consci�ncia. Assim, conforme explicita Mir� Quesada, "a filosofia da hist�ria americana tem que ser a vanguarda desta nova consci�ncia, tem que precisar o caminho que ela vislumbra, o modelo cuja realiza��o tornar� poss�vel, por fim, forjar uma realidade que seja autenticamente nossa (...) S� um projeto de transforma��o social radical poder�, ao final, ter o �xito que esperamos: a liberta��o definitiva de nossos povos, a cria��o de uma Am�rica Latina verdadeiramente independente e humanizada." (29)

4. Identidade Latino-americana e Filosofia da Liberta��o

No Brasil, comenta Hugo Assmann, a pergunta pela identidade do "ser brasileiro", nos desvia da necessidade de tomar posi��o ao lado das maiorias oprimidas. Sua vig�ncia �tnica, antropol�gica-cultural � v�lida, mas n�o pode servir para ocultar as contradi��es de classe em nossa sociedade, bem como o modelo s�cio-econ�mico dependente que concentra rendas nas m�os de uns poucos e exclui as maiorias. Ilustrativo desse desvio seria -- para Hugo Assmann -- o trabalho de Darci Ribeiro intitulado "Utopia Selvagem" no qual se encontram as seguintes passagens: "Somos os que fomos desfeitos no que �ramos, sem jamais chegar a ser o que f�ramos ou quis�ramos. N�o sabendo quem �ramos quando demor�vamos inocentes neles (os ind�genas, negros), inscientes de n�s, menos sabemos quem seremos." (30) E a sua conclus�o: "Verso estes jogos ut�picos forrado de cautela. Suspeito muito que reformar a sociedade -- desfazendo-a para refaz�-la melhorada --, embora indispens�vel, seja um trabalho muit�ssimo arriscado e complicado" (31). Com isto, conclui Assmann, n�o se consegue superar os aspectos equ�vocos da pergunta "quem somos?".

Em geral, a filosofia da liberta��o secundarizou a quest�o sobre a identidade latino-americana, interessando-se mais em pensar a situa��o de marginaliza��o e injusti�a que sofrem as maiorias oprimidas em nosso continente. A reflex�o filos�fica que esclare�a a domina��o e aliena��o e que contribua com a reflex�o cr�tica da pr�xis de liberta��o �, para esta vertente filos�fica, a mais priorit�ria. Da� a pondera��o de Hugo Assmann: "A partir da extroje��o-nega��o-morte-anula��o das maiorias oprimidas a resposta � pergunta 'quem somos?' passa necessariamente pela outra pergunta 'do lado de quem nos posicionamos?'. E esta -- conclui o autor -- deveria ter uma resposta clara e insofism�vel... � o posicionamento pr�tico que importa."(32).

Enrique Dussel, por sua vez, a partir de sua dial�tica alterativa (33), assumindo uma posi��o clara frente �s alternativas de Assmann, apresenta a Am�rica Latina como "o outro" oprimido, como um continente ontologicamente oprimido -- desde o s�culo XVI at� o s�culo XX -- por uma "vontade de poder" exercida desde a totalidade europ�ia que lhe criticou os valores pr�prios e lhe prop�s - como ainda prop�e - novos valores desde o p�lo dominante da bipolaridade: "a Am�rica Latina teve ent�o como ideal, ser europ�ia" (34). Este ideal resultou de um processo de domina��o e opress�o em todos os aspectos: a "Am�rica foi oprimida cultural, pol�tica, econ�mica e religiosamente. A vontade de Colombo era a mesma 'vontade un�voca de poder', ainda que fosse a vontade da cristandade... Esta situa��o (latino-americana) de ser 'vontade oprimida', sob a 'vontade de poder' da totalidade segue se cumprindo nos nossos dias" (35). Contudo, conforme Dussel, desde h� pouco tempo descobrimos -- a partir de uma nova metaf�sica (36) -- a distin��o da Am�rica, a sua "novidade", que desde sempre, foi outro em rela��o a Europa, ainda que esteja at� hoje oprimida (37).

V�rios outros fil�sofos de nosso continente problematizaram o conceito de Latino-americano. Para Osvaldo Ardiles, por exemplo, o conceito latino- deveria ser substitu�do por indo-ibero-. Este adjetivo melhor caracterizaria nossa Am�rica ao evidenciar os dois elementos estruturais latentes nas entranhas �tnicas dos povos dessa por��o do continente e do Caribe. Afirma o autor utilizar " ... uma palavra composta para expressar com ela uma unidade constitutiva, com a finalidade de evitar as dificuldades que o hispanismo, primeiramente, e o indigenismo, posteriormente, tem levantado na quest�o da auto-compreens�o americana" (38).

Refletindo sobre o tema das ra�zes �tnicas em nossa Am�rica, Rodolfo Kusch busca des-cobrir a Am�rica Profunda, des-entranhando os elementos negados em sua identidade. Para determinar o sentido profundo do ser americano h� que se voltar, segundo o autor, �s culturas pr�-colombianas, ao mundo americano origin�rio. Com isso destaca-se que a raiz ind�gena da Am�rica passa por um processo de mesti�agem com a raiz europ�ia. Tem-se assim a am�lgama do ser e do estar. "A import�ncia do descobrimento -- segundo Kusch -- deve-se ao fato de ser o encontro entre duas experi�ncias do homem. Por um lado, a [experi�ncia europ�ia] do ser, como din�mica cultural, cuja origem remonta �s cidades medievais e que adquire maturidade at� o s�culo XVI. Por outro lado, a experi�ncia [ind�gena] do estar, como sobreviv�ncia, como acomoda��o a um �mbito por parte dos povos pr�-colombianos, com uma peculiar organiza��o e esp�rito; e essa rara capacidade de assentar-se atrav�s de uma longa perman�ncia, de v�rios mil�nios, nas terra da Am�rica" (39). O descobrimento e a coloniza��o provocam o choque de duas culturas: a do homem que est� integrado aos ritmos do cosmos, que contempla a natureza e que com ela se identifica e a do homem que busca ser algu�m dominando-a, subjugando-a ao seu projeto, oprimindo �ndios e negros. O processo de liberta��o da Am�rica sup�e, segundo Kusch, que a cultura dominadora e soberba do ser seja radicalmente transformada pela cultura do estar.

Trabalhando desde a tese da exist�ncia de uma racionalidade ind�gena e negra negada no processo de coloniza��o, Kusch buscar� recuperar esses elementos para a constru��o de um projeto popular de liberta��o. Desvendando a condi��o do estar sob a racionalidade ind�gena e negra, estabelece um horizonte cr�tico � cultura do ser imposta pela coloniza��o. Ao recuperar a dimens�o emocional, Kusch afirma um �mbito de maior indetermina��o que a intelectual, mas possuidora de elementos positivos que se articulam sob uma l�gica diferente, que nos leva a determina��es desde �s quais se desempenha o existir.

Comentando Kusch, afirma Fornet-Betancourt que a op��o antropol�gica do pensador argentino possui um conte�do claramente pol�tico, transparecendo "... sua f� e confian�a na capacidade humana dos setores populares da Am�rica: o �ndio, o mesti�o e o negro. Estes s�o os marginalizados de hoje, contudo, neles pulsa e vive o profundo sentido do americano e representam assim a reserva espiritual que possibilitar� a reden��o da Am�rica". Kusch faz assim uma "op��o pelo povo", isto �, busca aceder a "... realidade e o sentido da Am�rica atrav�s da leitura atenta da tradi��o, hist�ria e exist�ncia concreta dos grupos humanos conaturais a ela... "(40).

De modo geral, se considerarmos a trajet�ria do indigenismo latino-americano e as formula��es de Kusch percebemos um movimento aparentemente contradit�rio: por um lado a afirma��o de uma integra��o cultural e por outro lado a necessidade da evolu��o do pr�prio etnos de cada na��o ind�gena frente � cultura que lhe � estranha. A capacidade de integrar respeitando a diversidade � o que a filosofia da liberta��o em geral afirmou defendendo a constru��o de uma democracia realmente substancial. Na reconstru��o do conceito de democracia, prop�em-se -- desde um horizonte �tico de afirma��o do humano -- o respeito a cada cultura com sua vontade de ser e o di�logo intercultural que promove reflex�es e o aprendizado a partir de pr�ticas distintas. Avan�a-se pois na efetiva��o da cidadania que respeitando as singularidades aponta a resolu��o dessa contradi��o inicial.

Conclus�o

A identidade latino-americana como campo de investiga��o � um vasto territ�rio que permite a elabora��o de in�meras reflex�es contradit�rias. Diferentemente de outras regi�es do mundo em que grupos humanos constitu�ram identidades nacionais com uma l�ngua, valores e pr�ticas comuns, resultando posteriormente a constitui��o de estados nacionais; na Am�rica Latina deu-se o inverso: o processo de independ�ncia colonial e fragmenta��o dos pa�ses levou primeiro ao surgimento dos Estados e posteriormente � pergunta pela identidade e pelos projetos nacionais. Na hist�ria oficial desta regi�o do globo, o que distingue as "na��es" - que, em geral, falam a mesma l�ngua, possuem composi��es �tnicas e cren�as semelhantes, mais identidades do que diferen�as - � a demarca��o territorial. Em muitos casos a identifica��o do nacional � desdobrada da mem�ria dos conflitos na disputa por territ�rios com pa�ses lim�trofes, emergindo os her�is da hist�ria oficial.

A pergunta pela identidade latino-americana � valiosa quando se espera como resposta n�o um conceito formal que abarque a identidade de in�meras na��es, etnias e subgrupos, mas quando nos leva a descobrir os tra�os estruturalmente comuns de aliena��o, domina��o e exclus�o de milh�es de pessoas, quais s�o os seus mecanismos geradores, nacionais e internacionais; bem como, quais s�o as a��es desenvolvidas pelos in�meros movimentos sociais-populares, partidos pol�ticos, movimentos culturais e outros grupos de resist�ncia e de enfrentamento a tais processos.

Tal investiga��o � valiosa quando recupera de cada cultura elementos que lhe s�o singulares e que, nesta singularidade, afirmam facetas da realiza��o humana em sua dignidade, em sua potencialidade criadora, que nos possibilitam reconstruir nossa sensibilidade est�tica e �tica face ao mist�rio e ao desconhecido de cada outro.

Investigando as utopias de cada movimento social que luta pela realiza��o de justas aspira��es populares, podemos construir utopias cada vez mais coletivas que visem a realiza��o de in�meras singularidades do autenticamente humano.

Assim, a pergunta pela identidade latino-americana, para que n�o caia em um c�rculo est�ril, necessita entroncar-se com a pr�xis de liberta��o popular. A tomada de consci�ncia de nossa realidade, nossa circunst�ncia, nossa hist�ria, das m�ltiplas determina��es de nossa subjetividade n�o pode levar a uma mistifica��o ou apenas a movimentos superficiais de integra��o. Para que o discurso sobre a integra��o latino-americana n�o permane�a apenas uma pe�a ideol�gica que justifique o movimento de concentra��o e internacionaliza��o dos capitais, ele deve evidenciar a condi��o de seres-negados em que se encontram as maiorias latino-americanas, subsumidas por este mesmo capitalismo que a cada dia mais nos empobrece. Deve evidenciar elementos das utopias dos movimentos populares que possam ser articulados em um grande projeto de Nuestra Am�rica, de realiza��o da plenitude humana de cada rosto latino-americano. Deve apontar para iniciativas conjuntas de nossos pa�ses no tratamento de nossos problemas estruturais como a concentra��o de riqueza, a pobreza, a divida externa, a concentra��o fundi�ria, a n�o democratiza��o dos meios de comunica��o, etc. De outra parte, a conviv�ncia de in�meras ra�as, culturas, religiosidades, pr�ticas singularizantes em uma democracia substancial que garanta as condi��es materiais para o exerc�cio mais plenamente poss�vel da liberdade de cada pessoa �, talvez, a grande utopia que a Am�rica Latina venha dolorosamente buscando realizar e que possa oferecer como objetivo estrat�gico a todos os povos do mundo.

Atendo-se a essas coordenadas, a reflex�o filos�fica sobre a identidade latino-americana poder� contribuir com o processo de integra��o de nossos povos e com a formula��o de uma perspectiva hist�rica em que o Mercosul se torne uma das media��es estrat�gicas de um processo muito mais amplo voltado para a emancipa��o popular.

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Notas:

1 Comunica��o apresentada no "2o Encontro Estadual de Estudantes de Hist�ria" (Univille - Universidade de Joinville, Santa Catarina, em 6 de maio de 1995) sob o tema "A Filosofia da Liberta��o na Am�rica Latina e o seu Papel na Constru��o de uma Identidade Latino-Americana".

2 Conforme defini��es da ONU a Am�rica Latina e Caribe comp�em-se da por��o continental que vai do M�xico, separado  do Texas pelo Rio Grande, at� o extremo sul do continente, a Terra do Fogo, incluindo as ilhas  do Mar do Caribe.

3 Embora a integra��o da Am�rica Latina tenha sido debatida em in�meras oportunidades entre os governantes dos diversos pa�ses gerando v�rios acordos de integra��o em diferenciados n�veis, somente agora, sob os novos imperativos econ�micos internacionais, inicia-se esse processo, ainda que de forma excludente. Em 1960 foi criada a ALALC - Associa��o Latino-Americana de Livre Com�rcio, na confer�ncia de Montevid�u, visando integrar economicamente os diversos pa�ses do continente. Em 1980, essa associa��o foi transformada na ALADI - Associa��o Latino-Americana de Desenvolvimento e Integra��o, mas os objetivos dessas entidades n�o foram atingidos porque as economias desses pa�ses, mais que complementares, eram concorrentes e porque se mantiveram em acordos econ�micos e comerciais que n�o enfrentaram conjuntamente problemas estruturais. O Governo Reagan, por exemplo, atuou fortemente para que a renegocia��o das d�vidas externas desses pa�ses n�o fossem negociadas em bloco, mas sim de maneira isolada. De outra parte, a OEA - Organiza��o dos Estados Americanos, constitu�da na confer�ncia de Bogot�, em 1948, surgiu mais como frente t�tica de combate ao comunismo sob a estrat�gia norte-americana da Guerra Fria, do que como uma inst�ncia de democratiza��o substancial de todo o continente americano na defesa de interesses populares. Assim, na confer�ncia de Punta del Leste, em 1962, aprovou-se a expuls�o de Cuba da Organiza��o em 1965, na confer�ncia do Rio de Janeiro, um ano ap�s o golpe militar no Brasil, Lyndon Johnson tenta articular militarmente o continente contra a denominada "subvers�o comunista". A nega��o pr�tica da Doutrina Monroe da "Am�rica para os americanos" foi a posi��o dos Estados Unidos na defesa de interesses geopol�ticos ingleses ao apoiar a Inglaterra quando do conflito com a Argentina que reivindicava a posse das Ilhas Malvinas em 1982, indo contra as defini��es primeiras da OEA quanto ao pacto de solidariedade dos Estados Americanos em caso de conflitos e agress�es externas.

Atualmente, o Mercosul surge como um reflexo do movimento internacional de reorganiza��o dos capitais. Embora a grande import�ncia que esse mercado possa ter se assumir um car�ter pol�tico de tratamento de quest�es estruturais da economia dependente latino-americana, como a d�vida externa, e embora componha uma popula��o consider�vel, sua magnitude comparada aos mercados europeu, americano e japon�s � irris�ria, porque grande parte desta popula��o est� abaixo na linha de pobreza absoluta -- n�o se configurando como o mercado consumidor desejado pelas multinacionais -- bem como porque o crescimento econ�mico desses pa�ses � pequeno, sen�o estagnado. Uma compara��o entre o crescimento econ�mico de Brasil e Argentina com diversos pa�ses do bloco japon�s evidencia o que afirmamos.

São línguas oficiais herdadas da colonização europeia na maior parte da América Latina?

4 Em certo sentido o problema do nacional e do popular aqui se recoloca de modo mais amplo. Da mesma forma que sob a defini��o do nacional corre-se o risco de se perder a diferen�a entre os interesses de segmentos em posi��es contradit�rias, tamb�m na defini��o do latino-americano o mesmo pode acontecer. Sob este aspecto o Mercosul deve ser criticado por n�o ser a integra��o de interesses latino-americanos, mas de grupos econ�micos de diversos pa�ses interessados em expandir seus mercados consumidores com certas prote��es frente a outros grandes mercados.

5 Sim�n Bol�var liderou, a partir de Nova Granada, a resist�ncia aos ex�rcitos espanh�is que pretendiam pacificar a col�nia espanhola frente as lutas pela autonomia que se desenvolveram na primeira d�cada do s�culo XIX. Suas atividades militares resultaram na liberta��o da Col�mbia, Venezuela e Equador. No sul do Continente a liberta��o da Argentina, Chile e Peru � liderada por Jos� San Martin. Os dois l�deres se encontram em 1822 em Guayaquil, no Equador. Com o acordo, Bol�var passa a comandar o ex�rcito de liberta��o que ser� vitorioso em Ayacucho em dezembro de 1824 terminando, assim, o per�odo de domina��o espanhola sobre a Am�rica.

6 Sim�n BOL�VAR, "Discurso de Angostura", 15-02-1819, citado por Hugo ASSMANN. Filosofia da Liberta��o, mimeo, UNIMEP, Piracicaba, Junho de 1982, p.13

7 A express�o criollo significa, no espanhol, tanto "o filho de pais europeus, nascido em qualquer outra parte do mundo", como tamb�m " o negro nascido na Am�rica, por oposi��o ao trazido da �frica". Em alguns contextos tamb�m possui o sentido de "nacional", "vern�culo" ou "ind�gena".

8 A bandeira do indigenismo apareceria desta maneira, segundo Leopoldo Zea, como a afirma��o do homem concreto desta Am�rica, considerando o �ndio como parte desta humanidade concreta.

9 Leopoldo ZEA "Latino-americana na encrucijada de la hist�ria" , p. 68, citado por ASSMANN op. cit.

10 Juan Bautista ALBERDI, Fragmento Preliminar al Estudio del Derecho, Buenos Aires, Hachete, 1955, pp. 55-56, in Arturo Andres ROIG, "Necessidad de un filosofar americano". Actas del II Congresso Nacional de Filosofia Argentino, Tomo II - Simp�sios, Ed. Sudamericana, Buenos Aires, 1973

11 As teses de Vasconcelos, publicadas neste livro de 1948, merecem cr�ticas. Quando fala do "... atraso dos povos hispano-americanos, onde prepondera o elemento ind�gena..." (p.11) ou quando afirma que " uma religi�o como a crist� fez avan�ar os �ndios americanos, em poucos s�culos, do canibalismo at� a relativa civiliza��o" (p.12), seus conceitos de civiliza��o e atraso assumem padr�es de uma determinada cultura em detrimento dos valores de outra. N�o h� aqui um movimento de integra��o virtuosa como em Jos� Carlos Mari�tegui ou Oswald de Andrade, com seu conceito de antropofagia. V�rias de suas afirma��es hist�ricas s�o simpl�rias, como quando escreve que " Dom Pedro I... por toda parte imp�s a boa administra��o e o respeito aos direitos humanos" (115). Jos� VASCONCELOS, La Raza C�smica, 16a.Ed., Espasa-Calpe Mexicana SA, M�xico D.F., 1992.

12 Jose Carlos MARI�TEGUI, citado por Leopoldo ZEA, "Negritude e Indigenismo" , in: German MARQUINEZ ARGOTE, Temas de antropologia Latinoamericana, Coleccion Antologia, N.2, Bogot�, Editorial El Buho, 5� Edi��o, 1989, p. 96

13 Manuel Gonzalez Prada, tamb�m desde o Peru, enfatizava com Mari�tegui que a emancipa��o dos �ndios dependia do esfor�o do pr�prio ind�gena.

14 Leopoldo ZEA, op. cit., p. 96

15 A negritude, se constituiu em um movimento cultural de resgate/constru��o da identidade negra. Comenta Aim� C�saire sobre a origem do conceito de negritude que sua cria��o " ... correspondia a uma necessidade... o negro na Fran�a via uma esp�cie de assimila��o diminu�da em nome do universalismo que amea�ava suprimir todas as caracter�sticas nossas. Dito de outro modo, est�vamos amea�ados por uma terr�vel depersonaliza��o" [ Aim� Cesaire, citado por Leopoldo Zea, "Negritude e Indigenismo" , in: German MARQUINEZ ARGOTE, Temas de antropologia Latinoamericana, Coleccion Antologia, N.2, Bogot�, Editorial El Buho, 5� Edi��o, 1989, pp.89-107, p.104.] Isso era muito grave em raz�o do momento hist�rico em que se debatia o problema da descoloniza��o de povos dominados por pa�ses ocidentais. Semelhante processo ocorreu por exemplo na Am�rica Latina durante o s�culo XIX, quando os latino-americanos pensaram em apagar o seu passado no desejo de assemelhar-se ao sax�o norte-americano. Da� a raz�o do voltar-se sobre o que se considerava pr�prio ao homem latino-americano e sua cultura, dando origem � pergunta pelo ser do peruano, do mexicano, do latino-americano. Cf. Leopoldo ZEA, op. cit., p. 104. A negritude afirmava que o homem negro era t�o homem quanto qualquer outro e que havia realizado obras culturais de valor universal, �s quais, os que empunhavam a negritude queriam ser fi�is. "Cada povo -- diz Senghor -- n�o desenvolveu mais que um ou v�rios aspectos da condi��o humana. A civiliza��o ideal seria aquela que, como esses corpos assim divinos surgidos da m�o e do esp�rito do grande escultor, reunissem as belezas reconciliadas de todas as ra�as" [Leopoldo Senghor, citado por Leopoldo ZEA, op. cit p. 106]. Analisando tal passagem afirma Zea que se trata pois de uma luta para que o conceito de humanidade n�o seja uma simples abstra��o, mas abarque a todos os homens com suas express�es naturais e culturais peculiares. Senghor foi um dos maiores divulgadores da negritude, buscando desvelar a alma negra cuja caracter�stica essencial seria a emo��o que se integra � raz�o de maneira distinta que na cultura europ�ia.

16 O indigenismo latino-americano, conforme Zea, origina-se na preocupa��o de assimilar um grupo socialmente marginalizado, que s�o os ind�genas, para que se transforme em latino-americano concreto, reconhecendo-se como humano, numa mesti�agem cultural em que se conservam os elementos valiosos que s�o incorporados na cultura nacional, com o cuidado de evitar o isolamento folcl�rico de grupos humanos. Essa mescla cultural deve ser fortalecida frente as culturas de domina��o.

17 Leopoldo ZEA, op. cit. p. 98

18 Aqui evidencia-se a rela��o "filosofia/circunst�ncia latino-americana", revelando-se nessa rela��o o que filosofar pode oferecer de universal.

19 O cosmos americano - uma "natureza hostil e primitiva, [que] imp�e ao homem o confronto com as paisagens, com as medidas c�smicas" -- � oposto ao cosmos grego -- no qual "domina o humano, medida micro-c�smica da natureza e da hist�ria".

20 Jos� ORTEGA Y GASSET. "La Pampa... promessas". in: Obras Completas, p. 638, citado por Raul FORNET-BETANCOURT, Problemas Atuais da filosofia na Hispano-america, S�o Leopoldo, Editora Unisinos, 1993, p. 97

21 Ibidem, p. 97-98

22 Ibidem, p. 98

23 Raul Fornet-Betancourt, Problemas Atuais da filosofia na Hispano-america, S�o Leopoldo, Editora Unisinos, 1993, p. 99

24 Ortega y Gasset, op. cit., p. 639, citado por Raul FORNET-BENTACOURT, op. cit., p. 99. Desdobrando as reflex�es de Ortega, Betancourt afirmar� em 1993 que tanto a verdade da Am�rica, como o modo de ser americano, consistem em sua pr�pria mentira. A rigor, o ser e a verdade da Am�rica aparecem como problemas, " porque n�o s�o o que aparentam ou o que pretendem ser. Seu ser � o 'n�o-ser' e, sua verdade, a mentira. O ser da Am�rica n�o � o ser imagin�rio dessa terra prometida, destinada a ser o lugar verificador de uma humanidade feliz. Nem tampouco sua verdade consiste em ser a representa��o do humano melhorado como ideal a ser realizado pelo homem. Assim, conv�m insistir nisto -- salienta Betancourt --, o ser da Am�rica � o 'n�o-ser' de sua utopia, e sua verdade, a mentira de seu sentido inventado" idem, p. 100 . Neste continente, como em qualquer outra parte do mundo, os homens vivem e morrem, s�o bons e maus, alegram-se e sofrem, esperam e se desesperam. O pretenso sentido destinal que alguns atribuem � Am�rica frente a toda a humanidade, � um engano. O homem americano � simplesmente um homem e nada mais.

25 Roberto ESCOBAR, citado por Constan�a Marcondes CESAR, "Filosofia na Am�rica Latina: Pol�micas", Revista Reflex�o, Campinas, 9(30):51-66, set dez 84, p. 57

26 Francisco MIR� QUESADA. Proyecto y Realizaci�n del Filosofar Latino-Americano. M�xico D.F. Fondo de Cultura Econ�mica. 1981

27 Ibidem p. 148

28 Ibidem, p. 148

29 Ibidem, p. 168

30 Darcy RIBEIRO, Utopia Selvagem, p. 188, citado por Hugo ASSMANN, op. cit. p.14

31 Ibidem p. 14

32 Ibidem p. 14

33 Denominamos aqui como dial�tica alterativa o m�todo que Enrique Dussel vem desenvolvendo desde os anos 70 e que recebeu do pr�prio autor variadas denomina��es como m�todo anal�tico, m�todo dial�tico positivo, m�todo dial�tico metaf�sico e m�todo anadial�tico, entre outras. Um estudo comparativo da quest�o de m�todo em Dussel percorrendo suas v�rias fases de elabora��o pode ser encontrado em nosso trabalho "Filosofia da Liberta��o - Hist�rico, Vertentes, Cr�ticas e Perspectivas".

34 Enrique DUSSEL, "Para Una Fundamentacion Dialectica de la Liberacion Latinoamericana" in Stromata 28(1-2):53-105 jan-jun 1972, aqui p. 80

35 Ibidem, p. 80-81

36 Trata-se de uma nova leitura da condi��o latino-americana desenvolvida por algumas vertentes da filosofia da liberta��o que desenvolveram uma nova metaf�sica a partir de elabora��es como as do lituano, naturalizado franc�s, Emmanuel L�vinas e as do espanhol Xavier Zubiri. Inicialmente Dussel considera a supera��o da ontologia moderna pela sua metaf�sica dial�tica como a afirma��o de um pensamento p�s-moderno que � capaz de romper os limites dos conceitos ontologicamente formulados gra�as � afirma��o de uma exterioridade hist�rica e metaf�sica, o outro, a alteridade que, metafisicamente, jamais pode ser subsumida como media��o de um projeto hist�rico que se lhe imponha, mas que desde sua infinita exterioridade pode afirmar criativamente uma nova ordem, justa e solid�ria.

37 Em um quadro mais amplo, conforme Dussel, no in�cio da d�cada de 70, a grosso modo, Estados Unidos, Europa e URSS expressam sua vontade de poder sobre Am�rica Latina, o mundo isl�mico, a �frica Negra, a �ndia, o Sudeste Asi�tico e a China. � naquele quadro geopol�tico que a filosofia da liberta��o formular� inicialmente as suas teses sobre a afirma��o da exterioridade perif�rica e dominada, afirma��o essa que implica a ruptura com as situa��es de depend�ncia econ�mica, pol�tica e cultural. Destaque-se que a integra��o econ�mica n�o pode ser compreendida como depend�ncia estrat�gica. Pelo contr�rio, a integra��o latino-americana com a economia mundial deve significar um avan�o na realiza��o da soberania popular e n�o apenas nacional. A soberania nacional deve se concretizar como soberania popular na defini��o das pol�ticas nacionais.

38 Osvaldo ARDILES, "Prolegomenos para una filosofia de la liberacion", in: Nuevo Mundo, 3(1):5-24 jan jun 73, aqui p. 6

39 Rodolfo KUSCH, "Am�rica Profunda", p. 146, citado por, Raul FORNET-BETANCOURT, op. cit p.87

40 Raul FORNET-BETANCOURT, op. cit p. 89


Sobre a Identidade Latino-Americana
Comunica��o apresentada no "2o Encontro Estadual de Estudantes de Hist�ria" (Univille - Universidade de Joinville, Santa Catarina, em 6 de maio de 1995) sob o tema "A Filosofia da Liberta��o na Am�rica Latina e o seu Papel na Constru��o de uma Identidade Latino-Americana".


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Que línguas predomina como oficiais dos países americanos devido a colonização?

Predominou a colonização de povoamento. c) Que línguas predominaram como oficiais nos países americanos, devido à colonização? R.: As línguas mais faladas e oficiais são inglês, espanhol e português.

Quais os principais idiomas oficiais os colonizadores deixaram de herança e são falados no continente americano?

e) O Espanhol e o Português são as línguas oficiais dominantes, embora existam alguns países que falam inglês e francês.

O que foi a colonização europeia na América?

A colonização européia das Américas foi o processo pelo qual colonos europeus ocuparam a América do Norte, Central e Sul, e as ilhas do Caribe. Hoje, reconhece-se também seu papel na erradicação e substituição de práticas culturais de diversos grupos indígenas dessas regiões.

Quais foram os povos europeus que colonizaram a América?

O continente americano foi colonizado principalmente por portugueses, ingleses, espanhóis, franceses e holandeses. Porém, o processo de colonização aconteceu de forma distinta entre os países do continente.