Durante praticamente todo o século 19 o Brasil foi a única monarquia de uma América Latina dividida em várias e pequenas repúblicas. Para além da diferença entre monarquia e
república, por que, no caso latino-americano, o Brasil foi o único país a manter o regime monárquico? Quais as consequências dessa particularidade em relação às outras nações latino-americanas?
Até o início daquele século, o pano de fundo histórico da América Latina foi relativamente o mesmo. Embora tenha existido uma grande diferença entre o processo colonizador espanhol e português, o Novo Continente sempre foi visto pelos povos ibéricos, de modo geral, como um fornecedor de produtos tropicais e matéria-prima para o mercado europeu. Tanto o Brasil quando as demais nações latino-americanas, portanto, tiveram praticamente a mesma formação colonial.
Dali em diante, contudo, os caminhos começaram a se dividir. Enquanto a república foi adotada largamente pelos países que iam surgindo no continente, a monarquia foi escolhida como forma de governo no Brasil. Também por isso o país prosseguiu relativamente isolado das outras nações da América Latina. Por outro lado, a monarquia lhe conferiu o poder necessário para manter uma extensão territorial bem maior que qualquer outro país da região.
Rompimento em relação à Europa
O início do século 19 marcou profundamente a história da Europa.
Napoleão Bonapartehavia iniciado um ambicioso plano de expansão territorial. Desse projeto, por exemplo, fez parte o
Bloqueio Continental, decretado em 1806 pelo imperador francês.
A Espanha, ao contrário de Portugal, associou-se ao plano de Bonaparte. Na América, as colônias espanholas se organizaram contra o rei José Bonaparte (José 1º), irmão de Napoleão - um monarca fantoche que assumiu o trono espanhol em aliança com a França.
Instalaram-se nas colônias espanholas juntas governativas contra o rei José 1º. Diante do isolamento da metrópole durante as guerras napoleônicas, as possessões da Espanha na América ficaram envolvidas pelo sentimento separatista, que, aos poucos, foi se alastrando. À divisão político-administrativa dos territórios espanhóis corresponderam os limites territoriais dos novos países que surgiam.
Embora a
luta independentistanão tivesse contemplado, de início, uma discussão sobre a forma de governo, a república apareceu como modelo ideal. De um lado, porque rompia com a matriz espanhola, monárquica. De outro, pois atendia à participação popular na luta contra a metrópole. A república, sendo uma forma de governo então considerada mais democrática, fortaleceu-se como modelo adequado para aquele momento.
Continuação em relação à Europa
Em 1808, a Família Real portuguesa
chegou ao Brasil- na época, sua mais importante colônia. A presença da Corte lusitana na América mudou completamente o destino do Brasil face aos vizinhos latino-americanos. A transferência da Corte para o Reino Unido de Portugal e Algarves limitou as perspectivas do movimento separatista em relação à metrópole.
Diferentemente das colônias espanholas, a presença do rei de Portugal no Brasil não isolou a metrópole da possessão portuguesa na América. De um lado, isso não deu espaço às agitações políticas e sociais que marcaram o início do século 19 na América espanhola. De outro, ao invés de romper, manteve a tradição portuguesa quanto à forma de governo.
A adoção da monarquia no Brasil pós-independência representou uma continuação em relação à Europa, e não um rompimento, como nos demais países da região.
Ao mesmo tempo, a adoção da forma de governo monárquica provocou uma diferença importante entre os processos independentistas do Brasil e das outras nações latino-americanas. Enquanto nestas a população, de modo geral, participou da luta contra a antiga metrópole, no Brasil, a
independênciafoi feita "pelo alto", proclamada pelo filho que o rei de Portugal deixou para trás ao voltar para a Europa.
A adoção do regime monárquico, portanto, significou a centralização do poder em torno da figura de
dom Pedro 1°.
Em 15 de novembro de 1889, depois de quase 70 anos de
Monarquia, o Brasil tornou-se uma
República.
Qualquer mudança de regime - especialmente após uma longa tradição política como aquela - só pode ser explicada por vários e complexos fatores. A velocidade e a força do processo de transformação pelo qual o Brasil passou na segunda metade do século 19 ajudam a explicar o crescente isolamento da Monarquia.
O período monárquico divide-se em três fases bem distintas. A primeira, chamada de 1° Reinado, vai da
Independência, em 1822, à
abdicação de dom Pedro 1°, em 1831. A segunda, conhecida como
Regência, cobre os anos de 1831 a 1840. A última, denominada
2° Reinado, vai da antecipação da maioridade de
dom Pedro 2°, em 1840, à
Proclamação da República, em 1889. Trata-se do período mais longo da Monarquia brasileira, bem como da fase em que o Império passou por profundas transformações que abalaram a própria ordem vigente.
A crise da Monarquia
Sob o ponto de vista econômico, a segunda metade do século 19 caracterizou-se pela crise do Vale do Paraíba - até então, a mais importante região produtora de café brasileira - e a emergência dos cafeicultores do Oeste paulista. Ao contrário dos grandes fazendeiros do Paraíba, que apoiavam as instituições monárquicas, os dos Oeste paulista faziam oposição à centralização do Império.
De outro lado, ampliou-se a propaganda republicana. Embora a proposta sempre tivesse tido espaço nas discussões políticas, foi em 1870 que o Partido Republicano foi formalmente criado, no Rio de Janeiro. Nos anos seguintes, outros partidos semelhantes seriam organizados em províncias importantes do Império. Os republicanos "históricos" criticavam a centralização da Monarquia, seu caráter hereditário, o poder excessivo nas mãos de Pedro 2°, a vitaliciedade do Senado e o sistema político em geral, que excluía a maioria absoluta da população.
Outro elemento fundamental para a crise da Monarquia foi o desgaste entre os militares e o Império. O Exército brasileiro, cada vez mais "popular" em sua composição, passou a estar em franca contradição com o elitismo que sempre caracterizou o regime monárquico. As ideias trazidas da
Guerra do Paraguaisó alimentaram a disposição militar em "purificar" os costumes políticos, consolidando a auto-imagem do Exército, de salvador nacional.
A chegada da República
Aos poucos, os militares foram se colocando contra a Monarquia, aproximando-os daqueles que já levantavam a bandeira da República. A
abolição da escravidão, em 1888, foi o golpe de misericórdia. Os grandes fazendeiros, extremamente dependentes da mão-de-obra escrava, ressentiram-se contra a Monarquia. Esta, por sua vez, isolava-se cada vez mais ao perder, uma a uma, suas forças de sustentação - fossem civis ou militares.
Com a saúde debilitada, o que só alimentava os boatos de que a Monarquia estava à deriva, o imperador ainda tentou incorporar as críticas de seus opositores com a nomeação do visconde de Ouro Preto para chefiar o gabinete ministerial, em julho de 1889. Ouro Preto propôs uma série de reformas políticas e sociais, recebendo inúmeras críticas dos setores conservadores que ainda sustentavam o Império.
Diante da crescente hostilidade do Exército, Ouro Preto resolveu aumentar os poderes da
Guarda Nacional, o que foi recebido como afronta pelos militares. Vários pequenos episódios ocorridos entre julho e novembro de 1889 radicalizaram ainda mais um quadro que já era de grande tensão. Assim, no dia 15 daquele mês, sob a liderança do
marechal Deodoro da Fonseca, o Brasil passou da Monarquia à República.
A reação dos monarquistas
Nesse processo, os monarquistas não tiveram êxito em impedir o crescimento da bandeira republicana. No final do século 19, a Monarquia já dava claros sinais de ser um sistema incapaz de conciliar as velhas e novas demandas, atendendo satisfatoriamente os setores conservadores sem, contudo, ignorar a força crescente dos militares, das camadas médias urbanas (que surgiram com o aumento das cidades, notadamente em São Paulo) e dos fazendeiros do Oeste paulista.
Assim como em toda fase de intensa transformação, os primeiros anos da República foram marcados pelas dissensões, pelas divergências e pelas disputas em torno do caminho a seguir e da conciliação dos diferentes interesses das forças que sustentavam o novo regime. Os monarquistas conseguiram aproveitar habilmente as brechas no bloco político que apoiava a República.
Em várias ocasiões, como na
Revolta da Armada, as figuras identificadas com a Monarquia souberam compor com os elementos descontentes com os primeiros governos republicanos para lutar contra o novo regime, em favor da restauração da Monarquia. Com o passar do tempo, porém, não conseguiram manter o mesmo espaço que tiveram outrora, sendo derrotadas pelos militares e civis que exerceram os primeiros mandatos presidenciais.