RESUMO Show
A questão social tem sido colocada, na nova proposta de reformulação curricular, como objeto do Serviço Social. Resgatar a concepção de questão social como forma de refletirmos sobre a possibilidade de a questão social, ou, as expressões da questão social, se constituir em nosso objeto profissional, é o objetivo deste artigo. Palavras-chaves: serviço social, objeto, questão social Ter como objeto de análise o objeto do Serviço Social é sempre um desafio. O Serviço Social é uma profissão legitimada socialmente, isto significa que ele tem uma função social. As profissões são criadas para responderem às necessidades dos homens. O desenvolvimento das forças produtivas colocam as necessidades de novas profissões, assim como considera outras desnecessárias. Mas, mesmo respondendo a uma necessidade social, o que pode ser corroborado pelo número de assistentes sociais inseridos no mercado de trabalho; pelo fato de que eles, efetivamente, trabalham desenvolvendo ações que tem um produto, produto social com dimensões econômicas e políticas; ainda assim, o Serviço Social mantém, historicamente, o dilema da especificidade profissional. Especificidade, esta, que é dada pelo objeto profissional. Em termos bastante simples, a questão é: sobre o que trabalha o Serviço Social? A resposta a esta questão responde, também, com qual objetivo trabalha o Serviço Social. O objeto do Serviço Social, neste sentido, está, intimamente, vinculado a uma visão de homem e mundo; fundamentado numa perspectiva teórica que, no modo capitalista de produção, implica em uma opção política – a teoria norteadora da ação, a ação que re-constrói a teoria, demonstram de que lado está o Serviço Social. E, desde o Movimento de Reconceituação, o Serviço Social tem construído uma ação voltada para a maioria da população. Mas esta não foi sempre sua história. O Objeto: da incapacidade individual às determinações estruturais Em 62 anos, 1937 a 1999, o Serviço Social realizou uma transformação no interior da profissão. Começou creditando aos homens a “culpa” pelas situações que vivenciavam, e acreditando que uma prática doutrinária, fundamentada nos princípios cristãos, era a chave para a “recuperação da sociedade”. Chega, em 1999, assumindo uma postura marxiana, analisando que a forma de produção social é a causa prioritária das desigualdades – os homens, individualmente, não são desiguais, a forma de produção e apropriação do produto social é que produz as desigualdades, modo de produção este que deve ser reproduzido, para manter a dominação de classe. É um salto elogiável para uma profissão que começou querendo moldar os homens de acordo com os princípios cristãos de respeito à autoridade, e, hoje, tem, nos homens, a autoridade máxima a ser respeitada; uma profissão que tinha nos homens o objeto do seu trabalho, e, hoje, entende que os homens são sujeitos da história. O objeto do Serviço Social, no Brasil, tem, historicamente, sido delimitado em virtude das conjunturas políticas e sócio-econômicas do país, sempre tendo-se em vista as perspectivas teóricas e ideológicas orientadoras da intervenção profissional. Assim, é que, no início do Serviço Social no Brasil, 1937, o objeto definido era o homem, mas um homem específico: o homem morador de favelas, pobre, analfabeto, desempregado, etc. Enfim, entendia-se que esse homem era incapaz, por sua própria natureza, de “ascender” socialmente. Daí que o objeto do Serviço Social era este homem, tendo por objetivo moldá-lo, integrá-lo, aos valores, moral e costumes defendidos pela filosofia neotomista. Posteriormente, o Serviço Social ultrapassa a idéia do homem como objeto profissional. Passa-se à compreensão de que a situação deste homem – analfabeto, pobre, desempregado, etc. – é fruto, não só de uma incapacidade individual mas, também, de um conjunto de situações que merecem a intervenção profissional. O objeto do Serviço Social se coloca, então, como a situação social problema:
Na década de 70, com a mobilização popular contra a ditadura militar, o Serviço Social revê seu objeto, e o define como a transformação social. Apesar do objeto equivocado, afinal a transformação social não se constitui em tarefa de nenhum profissional – é uma função de partidos políticos ; o que este objeto, efetivamente, representou foi a busca, pelas assistentes sociais, de um vínculo orgânico com as classes subalternizadas e exploradas pelo capital. E é esta postura política que tem marcado os debates do Serviço Social até os dias atuais. Teoricamente, o Serviço Social passa a orientar-se pela análise marxiana da sociedade burguesa, mas abandonou a transformação social como objeto profissional e, no âmbito da ABESS/CEDEPSS **, o objeto passou a ser definido como a questão social, ou as expressões da questão social:
O que é questão social? A concepção de questão social está enraizada na contradição capital x trabalho, em outros termos, é uma categoria que tem sua especificidade definida no âmbito do modo capitalista de produção. A concepção de questão social mais difundida no Serviço Social é a de CARVALHO e IAMAMOTO, (1983, p.77):
Não contraditória à esta concepção, temos a de TELES, (1996, p. 85):
Portanto, a questão social é uma categoria que expressa a contradição fundamental do modo capitalista de produção. Contradição, esta, fundada na produção e apropriação da riqueza gerada socialmente: os trabalhadores produzem a riqueza, os capitalistas se apropriam dela. É assim que o trabalhador não usufrui das riquezas por ele produzidas. A questão social representa uma perspectiva de análise da sociedade. Isto porque não há consenso de pensamento no fundamento básico que constitui a questão social. Em outros termos, nem todos analisam que existe uma contradição entre capital e trabalho. Ao utilizarmos, na análise da sociedade, a categoria questão social, estamos realizando uma análise na perspectiva da situação em que se encontra a maioria da população – aquela que só tem na venda de sua força de trabalho os meios para garantir sua sobrevivência. É ressaltar as diferenças entre trabalhadores e capitalistas, no acesso a direitos, nas condições de vida; é analisar as desigualdades e buscar forma de superá-las. É entender as causas das desigualdades, e o que essas desigualdades produzem, na sociedade e na subjetividade dos homens. E as consequências da apropriação desigual do produto social são as mais diversas: analfabetismo, violência, desemprego, favelização, fome, analfabetismo político, etc.; criando “profissões” que são frutos da miséria produzida pelo capital: catadores de papel; limpadores de vidro em semáforos; “avião” – vendedores de drogas; minhoqueiros – vendedores de minhocas para pescadores; jovens faroleiros – entregam propagandas nos semáforos; crianças provedoras da casa – cuidando de carros ou pedindo esmolas, as crianças mantém uma irrisória renda familiar; pessoas que “alugam” bebês para pedir esmolas; sacoleiros – vivem da venda de mercadorias contrabandeadas; vendedores ambulantes de frutas; etc. Além de criar uma imensa massa populacional que frequenta igrejas, as mais diversas, na tentativa de sair da miserabilidade em que se encontram. Como toda categoria arrancada do real, nós não vemos a questão social, vemos suas expressões: o desemprego, o analfabetismo, a fome, a favela, a falta de leitos em hospitais, a violência, a inadimplência, etc. Assim é que, a questão social só se nos apresenta nas suas objetivações, em concretos que sintetizam as determinações prioritárias do capital sobre o trabalho, onde o objetivo é acumular capital e não garantir condições de vida para toda a população. Neste terreno contraditório entre a lógica do capital e a lógica do trabalho, a questão social representa não só as desigualdades, mas, também, o processo de resistência e luta dos trabalhadores. Por isto ela é uma categoria que reflete a luta dos trabalhadores, da população excluída e subalternizada, na luta pelos seus direitos econômicos, sociais, políticos, culturais. E é aí, também, que reside as transformações históricas da concepção de questão social. O avanço das organizações dos trabalhadores e das populações subalternizadas, coloca em novos patamares a concepção de questão social. Se, no período ditatorial brasileiro pós-64 a luta prioritária era romper com a dominação política, hoje a luta é pela consolidação da democracia e pelos direitos de cidadania. As transformações no mundo do trabalho, seja com a substituição do homem pela máquina, seja pela erosão dos direitos trabalhistas e previdenciários, exigem, também, que se reatualize a concepção de questão social. Importa ressaltar que a questão social é uma categoria explicativa da totalidade social, da forma como os homens vivenciam a contradição capital – trabalho. Ela desvenda as desigualdades sociais, políticas, econômicas, culturais, bem como coloca a luta pelos direitos da maioria da população, ou, como os homens resistem à subalternização, à exclusão, e à dominação política e econômica. Considerando a concepção de questão social aqui, minimamente, debatida, resta-nos perguntar se é possível que ela se constitua em objeto do Serviço Social. Questão Social : Objeto do Serviço Social? IAMAMOTO, (1997, p. 14), define o objeto do Serviço Social nos seguintes termos:
É indiscutível a inserção da intervenção do Serviço Social no âmbito das desigualdades sociais, ou, mais amplamente, da questão social. Entretanto, considerando a concepção de questão social, é de se perguntar se a mesma, ou suas expressões, podem se constituir em objeto de uma única profissão. Estamos partindo da concepção de que o objeto é o que demonstra, coloca, a especificidade profissional. Ora, entender a questão social como objeto específico do Serviço Social, das duas uma: ou se destitui a questão social de toda a abrangência conceitual, ou se retoma a uma visão do Serviço Social como o único capaz de atuar nas mudanças/transformações da sociedade. Se pensarmos na abrangência da concepção de questão social, concluiremos que as mais diversas profissões têm suas atuações determinadas por ela: o médico que atende problemas de saúde causados por fome, insegurança, acidentes de trabalho, etc.; o engenheiro que projeta habitações a baixo custo; o advogado que atende as pessoas sem recursos para defender seus direitos; enfim, os mais diferentes profissionais que, também, atuam nas nas expressões da questão social. Há, ainda, uma outra reflexão possível: em sendo a questão social uma categoria que explicita, expressa, as desigualdades geradas pelo modo de produção capitalista, ela se colocaria, também, como objeto de todos aqueles que apostam no capitalismo como a forma perfeita de produção da vida social. Assim, ela, também, se expressaria nas políticas econômicas, sociais, culturais, traçadas em âmbito governamental, para manter as classes que vivem do trabalho subordinadas e dominadas. Ou seja, se a manifestação da desigualdade, a luta pelos direitos sociais e de cidadania, são uma expressão da questão social, não interessa as classes detentoras dos poderes políticos e econômicos que haja um acirramento da contradição, viabilizando, desta forma, espaços de organização da população. Neste sentido, a contradição capital – trabalho também é um objeto dos que buscam, na manutenção do capitalismo, a garantia de privilégios econômicos e políticos. Segundo FALEIROS, (1997, P. 37):
Portanto, definir como objeto profissional a questão social, não estabelece a especificidade profissional. Podemos entender, na sugestão de FALEIROS, que qualificar a questão social significa apreender o que compete ao Serviço Social no âmbito da questão social. Se falarmos, por exemplo, nas expressões sociais da questão social, estaremos, minimamente, definindo um espaço de atuação profissional. Há que se ressaltar que, para FALEIROS, entretanto, o objeto do Serviço Social se define pelo empowerment:
Não estamos defendendo, aqui, a opção por um ou outro objeto. O fundamental é repensarmos como o objeto de Serviço Social tem sido colocado, e como poderemos revê-lo para darmos objetividade a atuação profissional. Entendemos que, a cada situação, temos que re-construir o objeto profissional. Entretanto, ele tem determinações mais amplas, e essa re-construção tem por finalidade, apenas, garantir, no processo de intervenção, as particularidades de cada situação, inserida no contexto específico de onde atuamos. NOTAS
ABSTRACT The social subject has been placed, in the proposal of the new curriculum, as object of the Social Service. To rescue the conception of social subject as form of we contemplate about the possibility of the social subject, or, the expressions of the social subject, to constitute in our professional object, it is the objective of this article. Key-words: social service, object, social subject REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABESS/CEDEPSS. Proposta básica para o projeto de formação profissional. Serviço Social & Sociedade, XVII (50): 143-71. São Paulo, Cortez, abr. 1996 AGUIAR, Antonio Geraldo de. Serviço Social e Filosofia : das origens a Araxá. São Paulo, Cortez, 1984. DEBATES Sociais. Documento de Araxá. Rio de Janeiro, no. 4, maio 1967 FALEIROS, Vicente de Paula. Estratégias em Serviço Social. São Paulo, Cortez, 1997 IAMAMOTO, Marilda Vilela; CARVALHO, Raul. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo, Cortez, 1983 IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na contemporaneidade: dimensões históricas, teóricas e ético-políticas. Fortaleza, CRESS –CE, Debate n. 6, 1997 TELES, Vera da Silva. Questão Social: afinal do que se trata? São Paulo em Perspectiva, vol. 10, n. 4, out-dez/1996. p. 85-95 >> volta para índice Qual o objetivo da intervenção do profissional assistente social enquanto profissional inserido na divisão sociotécnica do trabalho?Como profissional inserido na divisão sociotécnica do trabalho, o assistente social é demandado a desenvolver ações como gestor e executor de políticas sociais, programas, projetos, serviços, recursos e bens no âmbito das organizações públicas e privadas, operando sob diversas perspectivas, como no planejamento e ...
Qual o objeto de trabalho do Serviço Social na divisão social e técnica do trabalho?Afirmar que o Serviço Social é uma profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho como uma especialização do trabalho coletivo, e identificar o seu sujeito vivo como trabalhador assalariado, implica problematizar como se dá a relação de compra e venda dessa força de trabalho a empregadores diversos, como o ...
O que significa ser um profissional inserido na divisão social e técnica do trabalho conforme o assistente social?Assim, o assistente social, ao ser inserido na divisão social e técnica do trabalho, como vendedor de sua força de trabalho, tem de atender às demandas constituídas pela instituição a qual está vinculado, e é isso que marca o seu perfil de assalariado.
Qual e o objetivo da intervenção investigativa em Serviço Social?Desta forma, a finalidade do trabalho do assistente social está voltada para a intervenção nas diferentes manifestações da questão social com vistas a contribuir com a redução das desigualdades e injustiças sociais, como também fortalecer os processos de resistências dos sujeitos (materializados em organizações sociais ...
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