Qual a relação entre ética e as tecnologias digitais?

Da governan�a da internet ao teletrabalho, da exclus�o digital � privacidade e aos crimes inform�ticos (Guardo, Maggiolini, & Patrignani, 2010), h� temas diversos que podem ser elencados como parte do que seja e o que inclua �tica Digital, a "�tica da era da inform�tica". Antes de examinar algumas desses temas de grande import�ncia e atualidade, precisamos perguntar se h� um fator comum, um "princ�pio unificante", para a �tica Digital.

Sobre a ess�ncia da �tica

Quando pensamos em �tica, em todos os seus sentidos, partimos da premissa de que estamos abordando a caracter�stica fundamental que distingue os seres humanos dos n�o humanos. Creio ser plenamente admiss�vel a ideia de muitos fil�sofos que tratam a liberdade com base na sua intr�nseca dimens�o �tica, e n�o na racionalidade. Essa liberdade sofre muitos tipos de restri��es, mas existe sempre, portanto pode ser exercida. Sem liberdade n�o se pode falar de �tica, mas de determinismo - biol�gico ou hist�rico social - e ainda menos se poderia falar de responsabilidade e, consequentemente, de �tica. Essa responsabilidade se manifesta, segundo Ricoeur (1955), em maneira direta, em rela��es interpessoais imediatas (curtas), ou em maneira indireta, em rela��es por interm�dio de institui��es ou do ambiente (longas).

Necessidade de uma nova �tica

A segunda premissa parte da necessidade de propormos um fundamento para a pesquisa e a ado��o de uma �tica Digital. Poder�amos dizer, como Jonas (1979), que a "civiliza��o tecnol�gica" em que vivemos - uma civiliza��o realmente "nova", em que as tecnologias de informa��o e comunica��o (TIC) t�m um papel vital e crescente - apela a uma "nova �tica" focada no "princ�pio de responsabilidade". Ser� que, no passado, as pessoas eram menos respons�veis e que s� agora, por alguma raz�o, deveriam tornar-se mais respons�veis? Essa raz�o n�o seria puramente te�rica, dada a crescente complexidade dos fen�menos econ�micos e sociais.

Acontece, por�m, exatamente o contr�rio. Antigamente era muito mais f�cil ser respons�vel eticamente e socialmente. Bauman (2002) afirma que os nossos antepassados eram testemunhas diretas de quase todas as consequ�ncias de seus atos, porque os acontecimentos e suas consequ�ncias muito raramente sa�am do campo visual ou do seu raio de a��o direta. Segundo Bauman (2002), "Com o in�cio da nova e crescente rede global de depend�ncias e de uma tecnologia suficientemente poderosa para produzir consequ�ncias de n�vel global - essa situa��o moralmente satisfat�ria se extinguiu".

As gera��es que nos precederam - intencionalmente ou n�o - eram conscientes das consequ�ncias de suas a��es porque as vivenciavam no tempo e no espa�o de suas vidas. Consequentemente tinham tamb�m na consci�ncia uma rela��o de causa-efeito entre a��o e consequ�ncia e eram obrigadas a consider�-la. Hoje a quest�o mudou muito: falta a plena consci�ncia do efeito das novas tecnologias. Isso ocorre desde a manipula��o gen�tica, passando por todas as novas tecnologias que incluem as da informa��o. Poucas das nossas a��es nesta sociedade tecnol�gica globalizada s�o acompanhadas da consci�ncia das consequ�ncias, e isso n�o permite uma reflex�o �tica. Nem mesmo os criminosos inform�ticos conhecem a suas v�timas (um exemplo � o phishing). Por essa raz�o, s� uma parte relativamente pequena das nossas a��es ou omiss�es � guiada pelos valores e sentimentos morais. Poucos est�o em condi��es de considerar os poss�veis efeitos de suas a��es sobre os outros, a menos que tomem parte diretamente nessas a��es.

Evidentemente, esta situa��o � insustent�vel. Estamos na dire��o de uma sociedade de irresponsabilidade social generalizada! Entretanto, n�o � admiss�vel que se possa causar danos imensos em momentos e lugares t�o diversos - sem mesmo ter consci�ncia disso - apenas porque estamos submersos numa interdepend�ncia fora de nosso controle. O te�rico da sociedade de risco, Ulrich Beck (1992), diz que devemos nos conscientizar para o fato de n�o existirem solu��es individuais para contradi��es coletivas. A nova �tica Digital, n�o pode ser uma �tica unicamente individual, mas deve ser sobretudo uma �tica coletiva, p�blica e profissional.

Por um princ�pio unificante para a �tica Digital

Uma vis�o da hist�ria da tecnologia da informa��o pode ajudar muito a estabelecer um princ�pio unificante da �tica Digital, tanto em termos de sua cria��o quanto das necessidades �s quais deveria responder. Os desafios �ticos e sociais das novas TIC t�m origem nas mesmas raz�es pelas quais tais tecnologias se difundiram, assim como � o caso do autom�vel, da energia nuclear etc. O desafio � tamb�m criar um equil�brio que nos seja favor�vel nos inevit�veis dualismos: claro - escuro; vantagem - desvantagem; ou, ainda, custo - beneficio do desenvolvimento tecnol�gico.

Como analogia, vejamos um exemplo do passado: a inven��o da escrita, a primeira tecnologia da informa��o criada pela humanidade (Maggiolini, 2010a). Bem como qualquer outra tecnologia da informa��o posterior, a escrita permitiu o acesso, a difus�o e a memoriza��o do conhecimento, aumentando a capacidade da mem�ria humana. Se pesquisarmos os usos iniciais e a difus�o da inform�tica, a analogia com a escrita � impressionante. Hoje, a inform�tica � mais usada n�o para a gest�o de bibliotecas ou para a elabora��o de dados cient�ficos, mas no campo econ�mico-financeiro. Da mesma forma, a escrita n�o foi originalmente criada para escrever a Il�ada, que se prestava mais � tradi��o oral, mas para escrever... faturas!

Al�m de aumentar a mem�ria humana, a difus�o das TIC tem, portanto, duas origens: o controle da crescente complexidade, pois precisamos cada vez mais de informa��es e de tecnologia para gerenci�-la; e a falta de confian�a gerada pelo oportunismo e a consequente necessidade de controle das rela��es humanas, n�o apenas as comerciais. Nas sociedades mais simples, nas quais as pessoas se conhecem diretamente, o controle social � mais f�cil e, portanto, requer menos informa��es (e TICs), porque existem outros meios para controlar o oportunismo. Nas sociedades mais complexas, se existisse mais confian�a entre as pessoas, seria poss�vel exercer um menor controle, e tamb�m menos TICs.

Assim, o "princ�pio unificante" que descreve o uso e a difus�o da tecnologia da informa��o e que permite de enquadrar a chamada �tica Digital � baseado em dois fatores relacionados � necessidade da informa��o e das suas tecnologias: um que podemos chamar de complexidade t�cnica e outro de complexidade pol�tica. O primeiro � diretamente proporcional ao n�vel de complexidade dos processos (e dos fen�menos) que se quer conhecer e controlar, seja numa organiza��o, na economia ou na sociedade. O segundo � inversamente proporcional ao n�vel de confian�a entre os agentes envolvidos nesses processos.

Os problemas �tico-sociais relacionados com as tecnologias da informa��o se entrela�am fortemente e aumentam junto com a complexidade t�cnica e a complexidade pol�tica. Em outras palavras, as TIC, ao mesmo tempo que fornecem solu��es cada vez mais eficazes para dominar as complexidades t�cnica e pol�tica, geram novos desafios e quest�es �tico-sociais mais graves e dif�ceis de resolver

Para esclarecimento, basta um exemplo: a privacidade. O aumento da complexidade econ�mica e social (complexidade t�cnica) e do crescimento da falta de confian�a nas rela��es comerciais e p�blicas (complexidade pol�tica) na sociedade p�s-industrial (Maggiolini, 2010b) poderia ser resolvido de duas maneiras distintas. A primeira requer que as responsabilidades sociais sejam assumidas com maior consci�ncia. A segunda � aumentar o controle - direto e/ou indireto - sobre as pessoas, o que a tecnologia certamente poderia fornecer, mas � custa da viola��o da privacidade.

Assim, diante do poss�vel beneficio oferecido pelo maior controle, cria-se um problema �tico-social pela crescente viola��o da privacidade. Isso requer uma adequada �tica relativa � TIC. Al�m disso, a complexidade "t�cnica" exige uma �tica profissional adequada dos agentes envolvidos, porque os riscos t�cnicos de mau funcionamento s�o muito elevados.

Podemos ligar o princ�pio unificante da �tica Digital aos temas �ticos da "sociedade da informa��o" (Guardo et al., 2010). Uma sociedade de crescente complexidade, sobretudo no campo econ�mico (pela globaliza��o, especialmente das finan�as e da produ��o) gera e multiplica a necessidade de informa��o para o gest�o e o controle dessa mesma complexidade, em menor ou maior grau satisfeita pela TIC.

O mesmo princ�pio unificante tamb�m se relaciona com o tema do e-Government (Fugini et al., 2005) e da e-Democracy (Cindio & Peraboni, 2010). O e-Government (governo eletr�nico) � uma tentativa de um governo p�blico da complexidade (uma promessa, mais que uma a��o efetiva). A complexidade "criminal", por raz�es de seguran�a, seria tamb�m objeto de uma tentativa de controle com base nas TIC, com todos os problemas que isso acarreta. A isso responde, e corresponde, a e-Democracy (democracia eletr�nica) no seu papel de controle e participa��o democr�tica nos processos sempre mais complexos de governo.

Podemos incluir a prote��o da propriedade intelectual (Johns, 2009) ao princ�pio unificante da �tica Digital, na medida em que se apresente como uma quest�o de (dif�cil) controle contra o oportunismo de se apoderar das ideias alheias para ganhar dinheiro, seja com bens de natureza intelectual ou com privatiza��o de bens intelectuais comuns. N�o � por acaso que foram propostos os creative commons, que correspondiam, na Idade M�dia, � propriedade p�blica, ou de uma comunidade. Num mercado de ideias, a prote��o da propriedade intelectual � obviamente superada em larga escala por bens intelectuais baseados na reciprocidade, como nos casos do Software Livre, da Wikipedia etc.

Implica��es �tico-sociais das tend�ncias das TIC

Podemos considerar tr�s dimens�es fundamentais das TIC: elaborar informa��es, memorizar informa��es e transmitir informa��es. Baseados nessas dimens�es, podemos avaliar as principais tend�ncias das TIC, que j� causam implica��es �tico-sociais. Essas tr�s dimens�es em formid�vel desenvolvimento, antes consideradas parcialmente distintas, h� muito se fundiram, criando novas quest�es problem�ticas, porque da quantidade se desenvolve a qualidade.

H� d�cadas, a pot�ncia de c�lculo dos dispositivos relacionados �s TIC continua a duplicar em muito pouco tempo, e chega-se a afirmar que essa duplica��o ocorre a cada 18 meses. Se as TIC melhoram nossa capacidade de memoriza��o, a evolu��o constante das t�cnicas de an�lise de dados implica diretamente a queda dos custos de memoriza��o. As conex�es de rede e a capacidade de transmiss�o de informa��o t�m melhorado continuamente, particularmente ap�s o estabelecimento da internet.

Essas macrotend�ncias indicam que as atividades econ�micas, cient�ficas e militares, para citar algumas, demonstram uma crescente depend�ncia das TIC, an�loga � depend�ncia da energia el�trica. Ao aumentar assustadoramente a depend�ncia dos sistemas inform�ticos e, portanto, a nossa vulnerabilidade, as quest�es vitais revelam-se aquelas do backup, da seguran�a dos sistemas e de como nos proteger do seu mau funcionamento.

N�o � por acaso que as leis de prote��o da privacidade foram criadas depois da difus�o das TIC, e n�o h� milhares de anos. Embora a preocupa��o com a privacidade seja precedente �s TIC, foi a sua difus�o em larga escala que deu origem � quest�o da prote��o da privacidade. E as perspectivas nesse campo s�o cada vez mais cr�ticas. Por exemplo, com o cloud computing, n�o se sabe onde se guardam dados, confia-se apenas nos provedores que gerenciam os servidores digitais.

Essa evolu��o tamb�m torna mais f�cil e barato do que nunca violar a propriedade intelectual, seja copiando um filme, gravando m�sica, obtendo livros inteiros. Tamb�m nas universidades o pl�gio tornou-se um problema inacredit�vel, exatamente porque nunca foi t�o f�cil copiar.

As TIC est�o revolucionando a localiza��o do trabalho. Essa deslocaliza��o (com os consequentes problemas ocupacionais), que era restrita � produ��o manufatureira, tornou-se universal, inclusive nos servi�os financeiros. Um caso t�pico � o dos call centers, em que um servi�o fornecido na It�lia pode ter origem na Hungria, Rom�nia ou Alb�nia, quando se pode, �s vezes, reconhecer esse processo pelo sotaque dos atendentes.

Problemas emergentes da �tica Digital

Um mapa interessante dos principais temas de �tica Digital foi proposto por Patrignani (2009). Al�m dos j� mencionados problemas relacionados � privacidade, � propriedade intelectual, � e-democracy e � deslocaliza��o, podemos destacar muitos outros temas cr�ticos da �tica Digital, como governan�a da internet, guerra cibern�tica, cyberterrorismo e crimes digitais.

N�o � o caso de detalhar cada tema singularmente. Gostaria de selecionar apenas tr�s dos mais importantes e ainda pouco considerados. O primeiro � a transmiss�o do conhecimento: a �tica das ferramentas de busca. O segundo tema � a gest�o das transa��es financeiras de alta frequ�ncia. O terceiro � o problema da e-reputation, ou seja, da reputa��o na rede, um problema muito delicado e importante o qual n�o se discute o suficiente, especialmente perante a rapid�ssima difus�o do uso das redes sociais.

Transmiss�o do conhecimento e �tica das ferramentas de busca

Uma novidade absoluta e crucial � a �tica dos motores de busca (Hinman, 2005), que representam desafios para a difus�o do conhecimento. Os instrumentos principais de acesso ao conhecimento, obviamente no sentido de informa��es superficiais ou muito espec�ficas, e n�o, com certeza, no sentido de aprofundamento, de sabedoria, s�o as ferramentas de busca.

A �tica das ferramentas de pesquisa e a transmiss�o do conhecimento representam problemas de confiabilidade, compet�ncia na pesquisa, e at� mesmo da capacidade cognitiva do usu�rio. A transmiss�o do conhecimento que se faz usando as ferramentas de busca constitui, hoje em dia, um grande problema. Temos � disposi��o, potencialmente, milh�es de p�ginas sobre um tema, apresentadas numa ordem que n�o se conhece claramente de onde vem.

Citando Carr (2008), em 1964, nos Estados Unidos, 81% dos adultos liam diariamente um jornal. No ano 2000, esse n�mero diminuiu 50%, porque agora as pessoas usam outros meios (digitais) para obter informa��es. Entre os jovens, os leitores de jornal em papel diminu�ram muito (caindo dos 73% em 1970 a 36% em 2006), substitu�dos por outros canais de informa��o.

Os jornais cotidianos e de assuntos gerais s�o essencialmente um pacote �nico, uma entidade com v�rias facetas que v�o da pol�tica ao esporte, da cr�nica �s finan�as etc. � claro que nem todos leem tudo, mas os jornais s�o concebidos como uma entidade �nica. O objetivo do editor � garantir que o pacote completo atraia um grupo de leitores e investidores em publicidade o mais heterog�neo poss�vel. O jornal, como produto, vale mais do que a soma de suas partes.

Na rede, qual � a diferen�a? Em geral, a informa��o nos jornais on-line tamb�m � financiada pela publicidade, cujo pre�o depende das visualiza��es e dos cliques. Algumas publica��es s�o pagas, sobretudo as revistas cient�ficas (por enquanto...) e alguns dos jornais de prest�gio. S� uma parte do jornal � acess�vel gratuitamente, mas a maioria dos leitores on-line l� s� a parte gratuita, que � financiada diretamente pela publicidade.

Procura-se diretamente, sobretudo com as ferramentas de busca, o artigo que interessa. Cada artigo transforma-se em um produto em si. O jornal on-line torna-se uma soma de peda�os que devem, individualmente, justificar-se no n�vel econ�mico, porque � isso que, em �ltima an�lise, serve para financiar o jornal. Nesse contexto, torna-se evidente que as reportagens de qualidade s�o laboriosas, caras e economicamente pouco rent�veis.

Teremos, ent�o, o que Carr chama de "o grande desempacotamento". Em teoria, n�o seremos mais obrigados a pagar - nem mesmo indiretamente - por "detritos para procurar as coisas de valor". Ou seja, a n�s interessa somente o que a ferramenta busca, seleciona e apresenta, talvez selecionado n�o somente por filtros com um algoritmo (desconhecido), mas tamb�m personalizado em fun��o do perfil do usu�rio, progressivamente definido pelas suas pesquisas precedentes. N�o sabemos como, mas o algoritmo de busca � sens�vel ao usu�rio, portanto, em vez de aumentar a gama das informa��es fornecidas, concentra cada vez mais o espectro das informa��es buscadas. Assim, � verdade que temos uma grande quantidade de informa��es dispon�veis, mas, se os filtros e mecanismos concentram as informa��es, teremos, na melhor das hip�teses, uma cultura vasta, mas de profundidade muito limitada, porque isso custa, e os textos longos n�o s�o muito apreciados no jornal on-line. Em �ltima an�lise, teremos uma cultura concentrada.

Nesse caso, colocamos em evid�ncia o problema da autoridade, ou da confiabilidade das informa��es, ou do conhecimento. Quem valida e seleciona as informa��es?

Na sociedade pr�-internet, era claro: eram os formadores de opini�o (cuja reputa��o, pelo menos, era conhecida), nos quais se incluem as m�dia tradicionais, como jornais, r�dio e TV, as revistas especializadas, mas sobretudo os respectivos editores e jornalistas. Existem as institui��es culturais e os peritos, assim como as editoras, cuja sele��o e controle das informa��es s�o feitos seguindo uma linha editorial. Esses intermedi�rios t�m uma reputa��o e devem prestar contas dela, porque � o capital em que baseia o seu trabalho.

Com a internet, o que acontece? A sele��o das informa��es e do conhecimento passa a ser, em grande parte, de responsabilidade do usu�rio. Existir�o todas as informa��es, mas o resto do resultado da busca (90%?) s�o informa��es cuja proced�ncia � desconhecida. Esse resultado da busca, mesmo que aut�ntico, e n�o um absurdo (como �s vezes acontece, mesmo nos jornais), pode ser completamente alheio � busca original.

As ferramentas de busca, por causa de mecanismos indesejados, causam confus�o, ou at� a altera��o das informa��es, portanto � o consumidor da informa��o o encarregado de a selecionar e controlar. Na forma��o das ideias, ou simplesmente na forma��o, tout court, a situa��o � muito diversa. Existe um contexto, ou um grupo, uma escola, com a qual se deve confrontar, entrar em conflito. Com isso, se verificam as suas pr�prias ideias, se est�o num contexto totalmente oposto, ou se todos pensam do mesmo jeito, t�m as mesmas tradi��es etc. A import�ncia da escola - em todos os n�veis, incluindo a universidade - � clara e evidente para propiciar esse confronto.

Com certeza, h� aspectos positivos, como uma pesquisa focada e a exclus�o autom�tica das informa��es n�o desejadas, a possibilidade de tecer rela��es somente com quem compartilha os nossos interesses e ideais. Mas os aspectos negativos devem ser tomados em considera��o: os riscos de um empobrecimento cognitivo, a perda de uma experi�ncia comum compartilhada, e sobretudo o que poder�amos chamar a polariza��o, ou, em ingl�s, mais corretamente, homophily, com a qual se indicam as pessoas que pensam no mesmo modo. Esse fen�meno foi estudado no passado por um Pr�mio Nobel da economia (Schelling, 1978), quando ainda n�o existia internet, mas que as redes sociais est�o aumentando sem nenhum controle. Isso n�o � bom: conduz ao extremismos e ao radicalismo.

High frequency trading, as negocia��es de alta frequ�ncia

O segundo tema ser� abordado como um convite � reflex�o. Quero focar o uso dos programas especiais no campo das finan�as, o High Frequency Trading (HFT): sistemas para negocia��es de alta frequ�ncia. Esse tipo de negocia��o usa programas baseados em algoritmos que d�o automaticamente ordens de compra e venda num determinado mercado.

Os HFT executam milh�es de ordens em poucos segundos num contexto financeiro, na bolsa de valores, na maioria dos casos, mas tamb�m fora dele. O tempo necess�rio para uma aquisi��o on-line � de 0,03 mil�simos de segundo. Atualmente 48,6% do volume de transa��es na bolsa � feito automaticamente com esses programas. Os HFT fizeram explodir o volume de neg�cio sem todas as bolsas do mundo (164% a mais s� em Wall Street, desde 2005). S� a Goldman Sachs, por meio do HFT, mant�m transa��es di�rias de centenas de milh�es de d�lares.

Na verdade, s�o muito poucos os operadores que conhecem a fundo o procedimento em que se baseiam as opera��es de tais programas. Mesmo para os peritos, se � que existem peritos nesse campo, cria-se uma depend�ncia muito forte da m�quina. Os HFT n�o estabilizam as varia��es dos valores financeiros, pelo contr�rio, as amplificam. Esses programas s�o considerados um dos fatores que deram origem � crise financeira recente, n�o s� acelerando e amplificando o seu percurso, mas tamb�m por meio de aut�nticas manipula��es especulativas dos mercados.

H� efeitos positivos no uso dos HFT, como aumento da liquidez e da efici�ncia dos mercados e redu��o dos custos de transa��o. Entretanto, os efeitos negativos, como manipula��o dos mercados, volatilidade, assimetria nas informa��es, dano aos pequenos investidores, efeito cascata e pr�-c�clicos, podem superar os benef�cios.

Um exemplo cl�ssico � a manipula��o especulativa. Essencialmente se lan�am tantos pedidos de compras ao mesmo tempo em rela��o a uma s�rie de t�tulos, no valor de milh�es, o que aumenta a demanda desses t�tulos e o seu pre�o. Mas eles n�o s�o comprados, porque, imediatamente depois do lan�amento, os pedidos s�o cancelados, gra�as � velocidade impressionante das transa��es. E como as transa��es efetivamente n�o ocorrem, isso permite n�o pagar pelo uso da plataforma. Os custos, por sinal altos, do uso dessa plataforma de TIC recaem sobre os que fizeram efetivamente as transa��es, e s�o estes a pagar pelo processo inteiro. Al�m disso, a opera��o de atrair a demanda sobre alguns t�tulos, fazendo-os aumentar de volume, causa a diminui��o para outros, dando margem � especula��o para jogar com o aumento a e diminui��o fict�cia de seus valores.

Com os HFT, �, enfim, poss�vel mirar um t�tulo promissor, compr�-lo, vend�-lo, apoi�-lo, ou simplesmente atac�-lo, golpe�-lo e finalmente afund�-lo. Tudo isso em fra��es de segundo, intervalos infinitesimais que podem decidir o destino de uma empresa, garantindo aos especuladores ganhos estonteantes. Aos investidores, causa perdas graves. Aos especuladores, � poss�vel gerar ataques na bolsa, transformando um t�tulo simplesmente em um n�mero. Vari�veis decisivas, como prospectivas de crescimento industrial, a situa��o financeira ou as possibilidades de dividendos, tornam-se simplesmente irrelevantes. Esse fen�meno j� � conhecido, e os gestores de bolsa est�o tentando regulamentar os HFT, porque � um grande risco para os mercados financeiros.

E-reputa��o e direito ao esquecimento

Com isso, chegamos ao terceiro tema, e-reputation (a reputa��o na rede), e ao correspondente direito ao esquecimento (Mayer-Sch�neberger, 2009).

A reputa��o na rede, apesar de ser uma quest�o s�ria e delicada, � normalmente menosprezada. Pareceria um tema ligado � privacidade, mas s� at� um certo ponto, porque a privacidade envolve fundamentalmente o acesso a informa��es pessoais que n�o se tornaram p�blicas. A reputa��o na rede � ligada �s informa��es p�blicas de uma pessoa qualquer, seja no caso em que a informa��o tenha sido posta na rede pela pr�pria pessoa ou por terceiros. N�o importa se � uma foto ou uma opini�o manipulada. E os efeitos da (m� e distorcida) reputa��o na rede podem ser traum�ticos, devastadores.

Um exemplo � o caso de Stacy Snyder (Rosen, 2010), que estudava para se tornar professora prim�ria, e publicou no MySpace uma foto na qual aparece numa festa com um chap�u de pirata bebendo com um copo de pl�stico. A sua universidade a acusou de promover o consumo de �lcool entre seus alunos menores e lhe negou a habilita��o ao ensino

O aspecto delicado � que essa pesquisa sobre a reputa��o na rede � feita com frequ�ncia pelos headhunters. Os departamentos de recursos humanos usam sistematicamente as informa��es obtidas na rede para avaliar candidatos a um emprego. Isso causa um problema inevit�vel quando o que emerge da rede contradiz o que o candidato diz sobre si mesmo. N�o � a reputa��o na rede que garante o emprego, mas pode causar uma perda de oportunidade. Alguns departamentos de recursos humanos dizem que, na d�vida, se deixam levar pela e-reputa��o do candidato.

O tema torna-se ainda mais importante com a institui��o de instrumentos (como Knout) que serviriam para medir a e-reputa��o, baseados num algoritmo que sintetiza, num �nico valor num�rico, mais de 50 indicadores de atividades nas m�dias sociais. Paralelamente t�m in�cio processos de manipula��o com os quais os usu�rios "em observa��o" tomam provid�ncias espec�ficas para aumentar o valor da sua pr�pria reputa��o.

Seguem reflex�es sobre dois casos particularmente interessantes. O primeiro concerne a um tal Marc L. Uma revista francesa (Le Tigre), muito engajada, queria mostrar como seria f�cil, com as devidas pesquisas, achar muit�ssimas indica��es sobre uma pessoa, por exemplo, fotos, informa��es sobre a vida profissional e privada, todas p�blicas, com as quais criaria um perfil biogr�fico muito preciso e acurado. Em 2008, a revista publicou o perfil de Marc L. (Meltz 2008, Meltz, 2009). O fato teve imensa repercuss�o na imprensa francesa. A pessoa em quest�o apresentou queixa (e citou o problema do direito ao esquecimento) e obteve algumas modifica��es no perfil publicado, cancelando tudo o que tinha sido publicado na rede por ela mesma. Mas, a essa altura, a sua reputa��o na rede j� estava completamente comprometida!

Concluo com o caso de um p�roco de Novara (e de Papai Noel!), porque � um caso que conhe�o pessoalmente e �, na minha opini�o, um caso realmente t�pico.

Esse p�roco, j� n�o t�o jovem, na �poca antes do Natal de 2008, disse �s crian�as de uma escola prim�ria cat�lica, durante uma missa, que "n�o se deve deixar que o Papai Noel roube o menino Jesus", considerado uma personagem do mundo da fantasia, como Cinderela e Branca de Neve.

Uma m�e comentou negativamente o ocorrido com um jornalista local, que, para chamar a aten��o, publicou em um jornal local despretensioso uma not�cia intitulada "Mataram Papai Noel". A not�cia, considerada particularmente "curiosa", foi depois repetida pela ag�ncia italiana ANSA e, de acordo com essa �ltima, pelo correspondente da BBC em Roma (Willey, 2008a). A essa altura, a m�e no caso havia sido transformada em "dezenas de pais" que protestaram. Em alguns dias, o n�mero de p�ginas de internet citando o padre de Novara (e o mencionavam pelo nome: Dino Bottino!) passou de menos de 100 para mais de 10 mil, em mais de 20 l�nguas, incluindo island�s, estoniano, lituano, h�ngaro, alban�s, chin�s, vietnamita, indon�sio, noruegu�s, sueco, polon�s, russo, romeno, eslovaco etc, em sites no mundo inteiro, em mais de 40 pa�ses, desde as Ilhas Fiji, Nova Zel�ndia, Austr�lia, Timor Leste, Indon�sia, Vietn�, China, at� no Azerbaij�o e Cazaquist�o, passando pela �frica do Sul, Angola, at� chegar ao Brasil (Willey, 2008b), Estados Unidos, Canad� e em uma boa parte da Europa. Tinha de tudo: desde cat�licos que acusavam o padre de Novara de ser o pior dos ped�filos at� o outro extremo dos neopag�os - os Raelianos - que o defendiam!

S�o importantes as li��es desse caso. Na internet, as not�cias saltam de um site ao outro sem nenhum controle, completamente fora do contexto original, e em geral sem a fonte original. Quando a lenda � mais interessante do que a realidade, todos preferem a lenda! O papel dos coment�rios �s not�cias nesse caso � fundamental: muitas vezes s�o dezenas, mesmo no modesto caso citado. Tamb�m s�o importantes os blogs nessa multiplica��o. Com certeza, os ind�cios na rede sobre essa pessoa permanecer�o por muito tempo e, fora do c�rculo restrito de quem o conhece pessoalmente, ele ser� conhecido entre os que navegam na rede como "o padre cat�lico que matou Papai Noel" (com a respectiva consequ�ncia de insultos, amea�as, sarcasmos...).

Os problemas da reputa��o na internet e do direito a ser esquecido est�o se tornando cruciais para pessoas e organiza��es, especialmente no contexto de trabalho e penal. Sobre a e-reputa��o das organiza��es, o caso do Tripadvisor � exemplar. O portal mais conhecido de aconselhamento aos viajantes j� tem registrado in�meros casos de manipula��o intencional dos coment�rios (positivos e negativos) sobre hot�is, restaurantes etc. (Hickman, 2010).

CONCLUS�ES

Em s�ntese, qual � o papel da "�tica da tecnologia da informa��o" (que inclui a �tica Digital, mas a transcende)? Da obra de Plat�o - Fedro - poder�amos assumir o que diz o rei do Egito a Theuth, o deus que inventou a primeira tecnologia da informa��o da humanidade, a escrita:

Quando, por�m, chegou a ocasi�o da escrita, Theuth comentou: "Este � um ramo do conhecimento, rei, que tornar� os Eg�pcios mais s�bios e com melhor mem�ria. Na verdade, foi descoberto o rem�dio da mem�ria e da sabedoria". Ao que o rei responde: "� engenhos�ssimo Theuth, um homem � capaz de criar os fundamentos de uma arte, mas um outro deve julgar que parte de dano e de utilidade possui para quantos dela v�o fazer uso. Ora tu, neste momento, como pai da escrita que �s, apontas-lhe, por lhe quereres bem, os efeitos contr�rios �queles de que ela � capaz."

Cada nova tecnologia da informa��o, com certeza, d� um passo adiante na hist�ria da civiliza��o humana. E os seus "inventores" (e em geral quem tem interesse, especialmente econ�mico, na sua ado��o e difus�o) as elogiam, enfatizando seus benef�cios, suas vantagens para a economia, para a sociedade, enfim, para a humanidade inteira. Mas algu�m, um "rei do Egito", o que encarna a consci�ncia critica, a �tica da humanidade, antes que os danos em potencial se manifestem de maneira irrevers�vel, ou caros demais para consertar, poderia - deveria! - poder "julgar qual parte de dano e da utilidade possui para quantos dela v�o fazer uso" e divulgar essa consci�ncia.

A evolu��o e difus�o das tecnologias s�o realmente velozes, como vimos, portanto a consci�ncia critica deve ficar alerta e tornar-se igualmente r�pida. Tem se expandido a ideia (ou "mito") de que, gra�as �s TIC e �s redes, se poderia "restaurar" (?) a democracia direta. Para quem pensa assim, vai aqui o conselho da leitura do prof�tico livro de Morozov (2011), The net delusion. N�o devemos acalentar ilus�es: al�m da potencialidade indiscut�vel a servi�o da pol�tica (ou seja, da vida da polis) de Internet & Co., devemos desmascarar a "ingenuidade" de muitas expectativas, para evitar que a Net Delusion afogue todas as esperan�as e a f� nos milagres das Tecnologias da Informa��o e Comunica��o.

Qual a relação entre ética e tecnologia digital?

Usar a ética na tecnologia não vai apenas proteger a empresa contra possíveis punições por transgressões, mas ajudar aos setores responsáveis a criar inovações que desenvolvam soluções inteligentes para evitar esse tipo de problema.

O que e ética e tecnologia digital?

Em se tratando da internet, ética no mundo digital é o que atua para manter dignidade, segurança, privacidade e outros valores no ambiente virtual, seguindo tanto os valores morais quanto as legislações a respeito do assunto.

Como a ética atua na tecnologia?

A ética na Tecnologia da Informação, assim como em tudo na vida, tem a ver com o certo e errado para orientarmos nosso comportamento. Na TI, a ética deve, acima de tudo, salvaguardar a sociedade através do uso responsável dos sistemas de informação.

Como princípios éticos devem estar presentes nas tecnologias digitais?

Como a ética digital não é exigida por lei, ela depende amplamente de como cada organização estabelece, individualmente, seus parâmetros de inovação e define como serão usados os dados de seus clientes e funcionários.

Toplist

Última postagem

Tag