Qual a abordagem metodológica predominante no trabalho social com as famílias?

Dimensão pedagógica da intervenção profissional no trabalho com famílias

Poliana de Oliveira Carvalho1

Solange Maria Teixeira2

Resumo

O Trabalho Social com Família (TSF) é um dos principais serviços implementados na Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Além de se constituir de forma contraditória devido ao jogo de forças e interesses que envolvem toda política pública, é um desafio para o assistente social que, apesar de ser guiado por um projeto profissional crítico e libertador, tem sua ação emancipadora limitada por um conjunto de questões próprias aos moldes que as políticas públicas assumem, especialmente, a partir das reformas neoliberais. Esse artigo constitui-se de uma pesquisa teórica voltada para discutir os limites e possibilidades do alcance da emancipação a partir do TSF.

Palavras-chave

Emancipação; Serviço Social; Trabalho Social com Família (TSF).

Emancipatory educational dimension of professional intervention in work with families

Abstract

Social Work with Family (TSF) is one of the main services implemented in National Social Assistance Policy (PNAS). Besides being constituted in a contradictory way due to the play of forces and interests that involve all public politics, it is a challenge for the social worker, who, despite being guided by a critical and liberating professional project, has its emancipatory action limited by a set of issues specific to the patterns that public policies assume, especially, from neoliberal reforms. This article is a theoretical research aimed at discussing the limits and possibilities of achieving emancipation from the TSF.

Keywords

Emancipation; Social Work; Social Work with Family (TSF).

Artigo recebido: agosto de 2018

Artigo aprovado: outubro de 2018

Introdução

No trabalho do assistente social, sua finalidade é posta com base em valores ético-políticos e teórico-metodológicos sintetizados no Projeto Ético-Político (PEP) da categoria, um antídoto contra a alienação, embora não a elimine totalmente já que é inerente ao processo de trabalho, sob o controle e a direção do capitalismo.

Um dos princípios do PEP é o reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos direitos sociais. Como ressaltam Barroco e Terra (2012), Marx retratou a liberdade como a capacidade que o homem possui de se autodeterminar, de desenvolver suas potencialidades e suas habilidades, acentuando, ainda, que a liberdade inexiste na sociedade capitalista, já que é meramente formal e não permite alternativas. Essa fundamentação teórica conduz a outro princípio: a opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação/exploração de classe, etnia e gênero. Expressa, portanto, o fim buscado e o sentido dado à autonomia e à emancipação.

Apesar dessa direção e da ligação orgânica a esse projeto societário emancipador, o trabalho profissional ocorre nas instituições capitalistas, com as respostas dadas pela ordem burguesa às refrações da “questão social”. Nesse cenário, o Estado é o maior empregador, mediante políticas públicas, em especial, as sociais, cujas requisições pelo assistente social se dão por competências no planejamento, na gestão e execução dessas políticas. Então, como efetivar um trabalho profissional nessa dimensão de emancipação humana, com o exercício profissional nas políticas sociais? Quais mediações podem ser pensadas e atingidas na busca dessa emancipação mais geral? A dimensão pedagógica da intervenção profissional, com grupos de famílias, no trabalho social com famílias (TSF) na Política Nacional de Assistência Social (PNAS), tem potencialidades de acionar, movimentar e implementar ações mediadoras que favoreçam esse projeto societário emancipador?

Nessa perspectiva, este artigo visa problematizar a dimensão emancipatória do TSF desenvolvidos pelo Serviço Social, no âmbito da PNAS, destacando não apenas os limites desse, mais também as possibilidades, enquanto perspectiva mediadora desenvolvida pelo trabalho socioeducativo numa dimensão crítica.

Emancipação via políticas públicas: é possível?

Na atualidade, há um leque extenso de políticas públicas que, dentre muitos objetivos perseguidos, buscam, direta e/ou indiretamente, alcançar algum grau de emancipação social ou política, na garantia dos direitos e da democracia. Fugindo das concepções ingênuas ou simplistas, faz-se urgente questionar que emancipação uma política implementada por um Estado que é influenciado pelo sistema econômico capitalista pode alcançar.

A categoria emancipação é intrínseca à Modernidade a partir de um contexto de lutas para vencer dogmas religiosos e políticos que nublavam os horizontes de conhecimento e de liberdade. Segundo Luiz (2013), o termo liberdade é associado ao pensamento de Marx quando fez análises sobre a emancipação humana, a partir da luta por uma verdadeira democracia, por uma sociedade não dominada pela burguesia (sem dominação de classes, sem exploração e sem opressão).

Marx (1994), na obra “A Questão Judaica”, faz uma separação entre o que ele chama de emancipação política e de emancipação humana. A primeira, a partir da discussão de questões como a importância de um Estado laico, aconteceria a partir de um distanciamento do Estado de questões individuais e intrínsecas à esfera privada e a interesses particulares. Para o autor, a emancipação política é importante e um sinônimo de progresso, mas não representa a forma final de emancipação. O que, segundo Luiz (2013), pode ser considerada uma etapa para o alcance da emancipação humana.

Na atualidade, segundo Silva (2013), muitas das ações realizadas para promover a emancipação junto às populações mais pobres estariam centradas, na verdade, apenas na emancipação política por meio da satisfação (mesmo que de forma precária, uma vez que a maior parte das ações são pontuais, focais e minimalistas) de algumas carências humanas. Para promover a emancipação humana, exige-se que os sujeitos assumam o controle consciente dos rumos da sua existência, que estão permanentemente obscurecidos pelas amarras do sistema capitalista de produção. Muito do que se tem perseguido como ideal de vida (trabalho, consumo, sistemas meritocráticos, etc.), na verdade, está promovendo um ideário burguês circunscrito no ideário político.

Segundo Tonet (2014) e Silva (2013), o termo emancipação parece se conceituar por si só, mas, na verdade, carrega conotações bem mais complexas, em que não é dotado de consenso no que diz respeito ao seu significado, o que dificulta o seu entendimento e a sua aplicabilidade. O sentido desenvolvido por Marx pressupõe uma situação de liberdade plena a partir da superação das amarras políticas, sociais, econômicas e ideológicas ligadas ao sistema capitalista. Mas não é uma sociedade comunista que as políticas públicas implementadas pelo Estado procuram em qualquer etapa do capitalismo.

O pensamento de Marx pressupõe emancipação a partir da destruição das amarras de subjugação do capital sobre o homem, que parte do distanciamento dos problemas individuais, para uma luta pelo bem-estar coletivo. Segundo Luiz (2013), a emancipação política é possível de ser construída na sociedade atual, que é capitalista, já a emancipação humana não é, pois pressupõe a ultrapassagem e destruição da atual ordem. Além disso, a emancipação política não garante o alcance da outra.

Para Assunção e Pedrosa (2015), a emancipação, como construção humana, social e histórica na sociedade, acontece, principalmente, no que se refere à emancipação social, por meio da construção de uma sociedade que dá voz ao povo. Nas sociedades capitalistas, isso não acontece, pois quem tem esse poder ou competência para dar voz não representa as necessidades das camadas mais carentes.

Segundo Chauí (2014) e Gohn (2006), o pensamento de Gramsci traz uma novidade para a análise do processo de busca da emancipação social e de subjugação por parte do Estado capitalista. O pensamento de Marx focava em uma emancipação no plano econômico-estrutural. Para Gramsci, há a necessidade de se buscar uma emancipação, também, política e cultural.

O Estado capitalista difunde a hegemonia, não apenas fundamentado na dominação coerciva, mas na coesão, na busca do consenso em torno da ordem vigente. Isso quer dizer que por Estado se deve entender não somente o aparelho governamental, mas, também, o aparelho “privado” de hegemonia, ou a sociedade civil, conforme as análises gramscianas.

A luta pela hegemonia permite alianças, acordos e pactos, mas pode gerar o seu oposto, a luta contra-hegemônica, por uma nova hegemonia, novos consensos em torno dos interesses dos trabalhadores que se formam ainda na sociedade burguesa e que são mediações fundamentais para a consciência de classes para além do corporativismo. Nesse sentido, inclui-se aqui a emancipação política e a social como mediações fundamentais para a superação das necessidades sociais básicas que amarram as lutas em uma dimensão imediatista, criando possibilidades para o pensar e o lutar pela emancipação humana.

Para Gohn (2006) pensar em emancipação social é refletir sobre o campo dos problemas sociais, dos conflitos, das lutas sociais e da violência e, acima de tudo, sonhar e buscar outra sociedade, com um viés mais igualitário. Nesse contexto, destaca-se o papel privilegiado que vai ter a cultura, como representatividade do imaginário dominante de cada época. Esse pode ser fortemente redesenhado pelo contexto econômico e social, levando mensagens de hegemonia e de dominação de forma imperceptível.

O pensamento hegemônico leva a um processo de tolher as liberdades individual e grupal, a partir do direcionamento sobre como agir e pensar e pelo que não lutar. Qual liberdade nos é permitido ter em um Estado capitalista? Para Paulo Freire (1975) a liberdade é um objetivo difícil de ser alcançado, pois exige o romper com tradições, cultura e costumes estabelecidos pela sociedade atual. Para o autor, é um grande dilema para uma sociedade já acostumada a uma tutela forte do Estado e que tem uma noção de liberdade meramente formal.

O Estado, como instituição contraditória, é perpassado por interesses diversos, principalmente de ideologias liberais que ocultam os verdadeiros objetivos por trás das ações. Segundo Buci-Glucksmann (1980), o Estado, ampliado a partir da defesa dos interesses do capital, procura estabelecer hegemonia e coerção. E as políticas públicas, como resposta do Estado capitalista às expressões da “questão social”, podem, de forma direta ou indireta, perseguir esses objetivos ou ser espaço da luta contra-hegemônica.

Na lógica da sociedade capitalista moderna, ainda preponderante na atual, a infraestrutura (estrutura material/base econômica) engendra a superestrutura (estrutura ideológica, jurídica, política, etc.). Portanto, o Estado está organicamente articulado na defesa dessa sociedade. Sua importância é tão grande para a ordem capitalista, que Mészàros (2011) o define como uma estrutura, com sua própria superestrutura. Logo, os segmentos da sociedade estariam submetidos aos interesses do capital, mas obscurecidos por ideologias que fetichizam as relações sociais.

Esses interesses e esse controle vão perpassar todas as esferas da vida em sociedade, inclusive no âmbito privado (ideal de comportamento imposto que vai influenciar até no “modelo” de família desejado para a sociedade capitalista). Para Buci-Glucksmann (1980), também, são uma forma de organização do consenso, a partir da massificação de comportamentos “produtivos” ou “normais” para o sistema capitalista a partir do ideal de mulher, de família e outros.

Para Chauí (2006) a lógica econômica comanda as lógicas sociais, política e psicológica, a partir da determinação do sentido, da finalidade e do papel de cada coisa na sociedade, em encontro aos seus interesses. Logo, é ingênuo acreditar que o processo de emancipação social aconteça por meio de canais instituídos pelo Estado e não seja perpassado por contradições diversas. Mas, mesmo nesses espaços, por serem expressões de contradições de interesses antagônicos, pode-se expressar essa luta pela hegemonia ou pela contra-hegemonia.

Para dominar e manter a hegemonia o Estado se abre para interesses antagônicos, perpassados na construção das políticas públicas, cuja implementação depende também de processos de trabalhos importantes que reforçam o desenho das políticas ou fogem dele aproveitando-se de suas contradições para promover os usuários dos serviços e construir um trabalho socioeducativo emancipatório, ainda que limitados à dimensão social ou política dessa emancipação.

Para Luiz (2013) e Giaqueto, Ligabue e Proença (2015), quando se traz esse debate sobre emancipação humana para a atualidade, diante das contradições e da possibilidade de ruptura com a ordem vigente, a partir de reflexões de Gramsci, esse fenômeno pode ser alcançado de duas formas: ampla e molecular. A primeira, como o próprio nome pressupõe, aconteceria a partir do fim da ordem burguesa capitalista (a ser perseguida como fim de longo prazo).

A segunda, molecular, o que outros autores podem chamar de experiências com alcance capilar ou de rizomas (DELEUZE; GUATTARI, 1995), aconteceria a partir de práticas pedagógicas que rompem com o senso comum e potencializem o protagonismo consciente e ativo.

O processo molecular, como possibilidade de ruptura e de auto-emancipação, pressupõe, segundo Gramsci, que deve haver a construção de uma contra-hegemonia pelas classes subalternas (GIAQUETO; LIGABUE; PROENÇA, 2015). Mas como tornar essa contra-hegemonia possível em terreno tão fértil ao capitalismo? É preciso que as classes que sofrem com a submissão ao sistema econômico se fortaleçam intelectualmente, politicamente e culturalmente, para que possam questionar o que está posto pela hegemonia classista.

Essa “adaptação” feita por Luiz (2013) para realizar a análise da categoria emancipação na realidade atual trouxe também a necessidade de desenvolver um conceito diferenciado para o termo, de modo que continue gestado ao ideário marxista de contestação da ordem capitalista, mas com as mediações necessárias para atingi-la. Logo, o autor utiliza o seguinte conceito de emancipação política para realizar a sua análise: “[...] processo molecular de elevação da consciência crítica e do protagonismo social autônomo das classes subalternas” (LUIZ, 2013, p.121).

Essa dimensão do conceito é compatível com as análises gramscianas de emancipação política como parte do processo maior de emancipação humana, ou do que outros autores chamam de emancipação social, que envolve a dimensão política-cultural e a dos direitos e da cidadania.

Na visão de Santos (2001), o gozo de mais direitos sociais possibilitou uma vivência com conotações positivas e negativas. De um lado, trouxe ao acesso as vivências de autonomia, de liberdade e de acesso educacional. Mas, por outro lado, possibilitou às instituições estatais a instalação de práticas mais burocráticas e de uma vigilância controladora sobre os indivíduos.

Faleiros (2009) mostra que, devido ao poder que o sistema capitalista tem na sociedade atual, as políticas de Estado, têm funções diretas no sistema capitalista, a partir da propagação de ideologias específicas. Segundo Chauí (2006), a ideologia é o ocultamento ou a dissimulação do real. E dentro desse processo de ocultamento também há o perpassar do que se chama de discurso competente, enquanto discurso instituído pelas camadas dominantes, estabelecido como verdade incontestável.

O autor não sataniza as políticas sociais, mas mostra que elas, como medidas implementadas pelo Estado, não são neutras e nem são boas ou más em si mesmas. Trazem características positivas (alcançar um fim específico ligado a um problema social) e negativas (propagação de ideologias dominantes, como o sentimento de fracasso ao depender diretamente do Estado) (FALEIROS, 2009).

Por meio dessas ideologias, o Estado moderno também se legitima e aparece como um poder uno, imprescindível e indestrutível. Os problemas advindos da sociedade moderna aparecem como simples diversidades das condições de vida de cada um. Ocultam-se a divisão de classes, de poderes e de direitos sociais, a diferença (tratamento, acesso – do exercício de poder por uma classe social sobre outras) e a contradição (jogo de forças e interesses) (CHAUÍ, 2006).

Apesar de contraditória, a busca pela legitimidade é fundamental para a ordem capitalista. Nessa luta pela hegemonia, e em função das lutas dos trabalhadores, as respostas às refrações da “questão social” deixam de ser predominantemente coercitivas e são tratados de forma política, pela via do consenso, da política pública.

Concorda-se com Pereira (2009) quando diz que o desenvolvimento das políticas sociais não pode ser compreendido como um processo linear, de conotação exclusivamente positiva ou negativa. Apresenta-se de forma contraditória, porque pode beneficiar interesses antagônicos conforme a direção das disputas de poder e a correlação de forças prevalecentes.

Nessa perspectiva, os profissionais que executam as políticas públicas, ao atuarem no movimento contraditório das classes sociais e de seus interesses, acabam por imprimir uma direção social às suas ações profissionais que favorece um ou outro projeto societário, uma vez que é impossível uma postura de neutralidade. Nem todas as profissões tem clareza dessa dimensão política do seu processo de trabalho e acabam reproduzindo, ainda que inconscientemente, o status quo, enquanto outras assumem uma dimensão consciente a favor dos interesses dos usuários dos serviços, como é o caso dos assistentes sociais.

Além disso, o trabalho profissional nesse campo das políticas sociais abarca ações socioeducativos, cujo conteúdo pedagógico pode se dirigir para a referida emancipação social ou política, as revoluções moleculares, culturais, como mediação para a emancipação humana, resultante de lutas sociais mais amplas e de um projeto alternativo de sociedade.

A título de exemplo, os assistentes sociais assumem o compromisso com o princípio da liberdade concebida historicamente, como a possibilidade de escolher entre alternativas concretas, daí o compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Nesse contexto, os direitos sociais e de cidadania, fundamentais na emancipação social, são mediações para um atendimento digno, mas o fim é uma sociedade mais justa e igualitária, para além do capitalismo. Eles não esgotam, nem dão origem linearmente a uma transformação da realidade, mas atendem a necessidades básicas e geram possibilidades de avanço das lutas para além do corporativismo e das lutas imediatas.

Conclui-se neste item enfatizando que a política social está organicamente relacionada à política econômica (financiamentos, direcionamentos etc.). Logo, uma política instituída por um Estado que funciona a partir dos direcionamentos da política econômica encontra muitos empecilhos para promover objetivos audaciosos como a emancipação social. Mas isso não quer dizer que se busca o impossível, e, sim, que, devido ao seu caráter contraditório, espaços se abrem para criar condições para essa emancipação social, para ações de dimensão política, a depender dos compromissos profissionais com os projetos societários antagônicos. Assim, é possível realizar ações transformadoras e moleculares, que geram uma consciência crítica da realidade vivida e a necessidade de lutas para transformá-la.

A dimensão pedagógica da intervenção do assistente social nos espaços socio-ocupacionais das políticas sociais

O assistente social atua sobre as refrações da “questão social” e o seu “[...] enfrentamento [...] envolve a luta pela construção, materialização, consolidação dos direitos sociais, como uma mediação para a construção de uma outra sociabilidade” (CFESS, 2013, p. 25). Como ainda ressalta o documento referido, uma das formas de acessar e de garantir esses direitos é por meio das políticas sociais, em especial, as públicas, um dos principais espaços socio-ocupacionais da profissão desde suas origens.

O profissional tem um contato privilegiado com os usuários das políticas e, como ressalta Barroco e Terra (2012), independente da sua intenção, ele tem de ter consciência que suas ações e seus encaminhamentos terão repercussões e consequências para o usuário. Logo, é imprescindível que toda a sua ação esteja embasada no PEP e no PROJETO societário perseguido pela categoria, enquanto princípios e diretrizes, defendidos pela maioria dos profissionais, que, apesar de não ser unívoco, representam um ideal incorporado no Código de Ética, na Lei que regulamenta a profissão e no próprio conteúdo que perpassa a matriz curricular do curso.

As políticas públicas têm uma função social importante na dinâmica da reprodução social. Na sociedade capitalista organizada, a partir da contradição básica entre aqueles que produzem a riqueza social e aqueles que exploram e se apropriam dessa riqueza socialmente produzida, esse complexo assume, predominantemente, o caráter de assegurar a reprodução social da ordem hegemônica.

Todavia, essas políticas são perpassadas por contradições, decorrem de lutas sociais, de resistências e são marcadas pelos projetos societários antagônicos. Como destaca CFESS (2010, p. 16):

As políticas de Seguridade Social são concebidas na ordem capitalista como resultado de disputas políticas e, nessa arena de conflitos, as políticas sociais, resultantes das lutas e conquistas dos trabalhadores, assumem caráter contraditório, podendo incorporar as demandas do trabalho e impor limites, ainda que pontuais, à economia política do capital.

Vale ressaltar, conforme Yazbek (2009), que a reprodução social inclui o processo de reprodução da totalidade das relações sociais na sociedade, que não é meramente reprodução e manutenções, mas um processo complexo que contém a possibilidade do novo, do diverso, do contraditório e da mudança. “Trata-se, pois, de uma totalidade em permanente reelaboração, na qual o mesmo movimento que cria as condições para a reprodução da sociedade de classes cria e recria os conflitos resultantes dessa relação e as possibilidades de sua superação” (YAZBEK, 2009, p.127).

O trabalho do assistente social incide sobre a reprodução social, mediada pelas políticas sociais. Como destaca Iamamoto (2001), o trabalho do profissional tem efeito nas condições materiais e sociais (político-ideológica, cultural e educativa). Ou seja, tem efeito nas condições de reprodução material da força de trabalho e da sua família, por meio de benefícios, de serviços, de programas, que incidem na sobrevivência desse grupo, mas, também, tem um efeito social, pois enfoca no “[...] campo do conhecimento, dos valores, dos comportamentos, da cultura que, por sua vez, têm efeitos reais interferindo na vida dos sujeitos” (IAMAMOTO, 2001, p.68).

Ainda conforme a autora, o trabalho do assistente social interfere no processo de reprodução sociopolítica ou ideo-política e, junto com outros profissionais e inúmeros protagonistas, na criação de consensos na sociedade, sejam os dominantes ou os das classes dominadas, contribuindo no reforço da hegemonia vigente ou na criação de uma contra-hegemonia no cenário da vida social.

Assim, seu trabalho é marcado, conforme Yazbek (2009), pelo atendimento de demandas e de necessidades, mediante serviços das políticas públicas e das privadas, e por uma ação socioeducativa para com os usuários dos serviços, interferindo em seus comportamentos e seus valores, em seu modo de viver e de pensar, em suas formas de luta e de organização e em suas práticas de resistências.

Destaca-se nesse trabalho a atuação do assistente social junto ao TSF na Política de Assistência Social. Com um histórico de clientelismo e pouca efetividade, a Assistência Social brasileira luta para a afirmação de uma nova feição voltada para a conquista de direitos e o desenvolvimento de um sistema organizado e descentralizado de serviços, que busque construir ações de caráter pedagógico voltadas para o desenvolver de indivíduos e de famílias com capacidade de reflexão e de contestação da realidade dada, por meio do protagonismo, da autonomia e da participação social.

Dimensão contraditórias no trabalho social com famílias e as possibilidades de emancipação social e política

Com metodologias, bases teóricas e objetivos diversificados, o TSF é o carro chefe das ações socioassistenciais, principalmente, na Proteção Social Básica (PSB), constituindo-se em um grande desafio para os assistentes sociais, uma vez que esses têm lugar cativo na composição das equipes de referência a partir da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social (NOB-RH/SUAS) e se tornaram um dos principais executores desse serviço. O TSF aposta em metodologias de intervenção voltadas para a promoção da reflexão e a construção de cidadãos mais autônomos e participativos, a partir da lógica de alcance da emancipação social.

Isso não acontece de maneira fácil, uma vez que, contraditoriamente, esse trabalho tenta conciliar o objetivo de uma política voltada para a construção de direitos com a parceria da família na construção da proteção social. Daí o objetivo primeiro de o serviço estar centrado na potencialidade das funções familiares na garantia de uma socialização menos problemática.

O TSF propõe metodologias de intervenção voltadas para a promoção da reflexão, a construção de cidadãos mais autônomos e participativos, a partir da identificação de seus recursos e potencialidades, pautando-se no respeito à dialogicidade e à autonomia das famílias (BRASIL, 2012).

O TSF embora se configure na mobilização para a participação ou da formação política para o efetivo exercício da cidadania, ainda se pauta, em grande escala, em atividades de esclarecimento, de repasse de informações no direcionamento para a mudança de hábitos e ações (como cuidar dos filhos, como melhor administrar seu lar, gerir os recursos dos benefícios, acompanhar os filhos etc.), como se as vulnerabilidades sociais decorressem de más condutas ou do não cumprimento das funções da família (EIRAS, 2012).

Segundo Mioto (2004), o trabalho com família ainda é direcionado por lógicas arcaicas, enraizadas culturalmente, na busca por padrões de normalidade e estabilidade. Perante tantas mudanças empreendidas ao redor da família, não tem como se instituir um padrão de funcionamento e de modelo ideal, sem se tornar conservador e excluidor.

Para Mioto (2016) e Teixeira (2016) o trabalho culpabiliza as famílias e mesmo atuando na dimensão da proteção social básica, ainda se volta para as que fracassaram no cuidado. Os problemas são identificados centrados nas próprias famílias. Logo a forma como se vem interpretando e implementando o serviço vai de encontro ao que defende o PEP da profissão.

Em relação às tendências teóricas identificadas na base desse trabalho socioeducativo, destacam-se as bases gramscianas e da Pedagogia de Paulo Freire (EIRAS, 2012; LIMA e MIOTO, 2011; ABREU, 2011). Segundo Abreu (2011), apesar de essas bases já serem identificadas no trato da “questão social” desde a década de 1970, haveria, na atualidade, uma atualização dos perfis pedagógicos, a partir da reconstrução dos princípios educativos, na busca de superar, principalmente, o perfil de conformismo (novo conformismo social – consenso), imposto pelos interesses do capital e exemplificado pela subalternidade dos usuários da assistência social, criando.

Segundo Lima e Mioto (2011), as bases de Gramsci são referenciadas para a busca da construção e da consolidação de uma perspectiva de trabalho social que visa a emancipação – uma pedagogia emancipatória, a partir da organização e da mobilização em torno de necessidades comuns. A proposta chama o indivíduo, a família e, principalmente, a classe trabalhadora a questionar a realidade e lutar por seus direitos. Isso significa tanto o fortalecimento da autonomia dos indivíduos quanto da sua organização e da sua mobilização em torno de necessidades comuns na esfera pública.

Segundo o Manual de Orientações Técnicas sobre o Serviço de Atenção Básica Família (PAIF) (BRASIL, 2012), os trabalhos podem ser organizados a partir de uma pedagogia problematizadora, que foi pensada, inicialmente, a partir das contribuições de Paulo Freire na educação popular. Além da valorização da possibilidade de constante mudança e de recriação do ser humano, também se aposta na capacidade de libertação por meio do diálogo e da reflexão, o que exige, ainda, um processo constante de reflexão e de crítica por parte dos técnicos sobre o trabalho e a metodologia adotada. O Manual também cita como abordagem metodológica, a Pesquisa-Ação, como uma forma de intervenção técnica que visa a solução de uma questão específica e que possibilita, ainda, a coleta de dados importantes para o conhecimento da realidade.

A base freireana possibilita, a partir de um conteúdo deflagrador de discussão (condições de vida e estratégias de sobrevivência), construir um processo pedagógico que leva à reflexão e ao questionamento da realidade: “O trabalho socioeducativo realizado grupalmente permite ou possibilita que os sujeitos possam identificar-se com o grupo, possam construir uma identidade grupal e agir a partir de convergências de interesses ou da formação de horizontes comuns” (EIRAS, 2012, p.139).

Essa pedagogia perpassa, transversalmente, principalmente no processo de acompanhamento familiar, o desenvolvimento da capacidade de vocalizar demandas e necessidades. Parte-se do princípio de que, a partir do momento em que se ganha a capacidade de refletir e de dialogar sobre sua realidade, é um passo importante para problematizar sobre a realidade em que vive.

Segundo Abreu (2011) e Eiras (2012), o TSF fundado nessa pedagogia, se implementado de forma não embasada teoricamente ou por profissionais sem um compromisso com um projeto profissional emancipatório, pode atualizar a pedagogia da “ajuda” e da “participação”, e não a da emancipação. O uso das expressões empoderamento e protagonismo no interior da política acontecem no sentido de a família resolver “seus problemas” com seus próprios recursos e os da comunidade. No mesmo sentido, é utilizada a noção de autonomia, uma visão individualizante e liberal.

As metamorfoses operadas nas pedagogias da “ajuda” e da “participação”, acontece a partir da incorporação de novos elementos e de mediações que refuncionalizam essas pedagogias no processo de reorganização da cultura, a partir da orientação neoliberal. Trata-se da função histórica do ocultamento não só das dimensões econômica e política da assistência no processo de reprodução na força de trabalho e no exercício do controle social, mas, fundamentalmente, como desdobramento dessas dimensões, a dissimulada manutenção do trabalhador em permanente estado de necessidade material e de dominação político-ideológica.

Perante o que foi levantado, Abreu (2011) não descarta a contribuição da função pedagógica na construção de processos emancipatórios. O que aconteceria por meio da construção de estratégias de efetivação de direitos, da incorporação das necessidades dos usuários na construção e idealização das ações, bem como mediante a participação deles na gestão dos serviços. O assistente social, enquanto profissional comprometido com a construção de uma ordem societária voltada para o bem-estar do trabalhador por meio de uma sociedade igualitária tem o compromisso ético-político de buscar e efetivar essas estratégias.

Cabe aos profissionais que executam o serviço se apropriar dos referenciais teóricos adequados e assumir uma faceta moderna e libertadora, obrigação essa que tem um peso maior para os assistentes sociais, uma vez que se pressupõe um comprometimento ético com um projeto profissional que abarca essa faceta.

Isso nos leva a refletir sobre as principais dificuldades enfrentadas para a construção desse trabalho social com grupos de famílias. A questão financeira tem sido um dos grandes desafios para a execução da Política de Assistência Social, em especial para os serviços. Falta de equipamentos, de profissionais, de infraestrutura e de uma rede de serviços.

O formato do trabalho também é questionado pela ausência das relações horizontais e participativas em todo o processo. Identifica-se, claramente, o coordenador, os profissionais e o participante. Geralmente, o planejamento e as avaliações dos serviços não constam de processos participativos pelos usuários, cuja única participação solicitada é a frequência nos encontros de acompanhamentos.

Eiras (2012) questiona como se incentiva a reflexão e a emancipação nesses processos de trabalho, se a participação do indivíduo membro da família é diminuída e secundarizada. Nos próprios manuais de orientação sobre o TSF prever-se que a reunião aconteça sob a coordenação de um técnico de nível superior da equipe de referência do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) (BRASIL, 2012).

Para Teixeira (2013, p.129), as próprias concepções de autonomia, de protagonismo e de empoderamento apresentadas no TSF são contraditórias, “[...] pois sua garantia e efetivação dependem de recursos privados, mesmo informais ou sem-fins lucrativos, da capacidade de resposta individual e familiar”.

Para Paiva (2006), a política por si só já é permeada por preocupações que giram em torno do financiamento da infraestrutura etc. Há, também, preocupações técnicas e teóricas – saberes e condições de trabalho. Faz-se urgente o fortalecimento da dimensão político-pedagógica do direito socioassistencial, com base no rigor técnico e no controle social, capazes de mobilizar e potencializar a decisão de participação da população, diretamente e de forma emancipatória.

O trabalho deve se pautar na efetivação de direitos e na busca de uma postura emancipatória, em que, para isso, as ações do grupo devem construir uma atuação livre de preconceitos e de estigmas, bem como procurar desvendar as potencialidades que vão fortalecer a atuação dessas famílias em seus territórios de vivências.

Conclusão

A discussão mostra que as práticas educativas que levam à reflexão da realidade nem sempre são emancipatórias, principalmente, se elas têm por foco funções familiares, de criar habilidades e aquisições, como se os problemas decorressem das desfuncionalidades ou do não cumprimento adequado dessas funções.

Essa direção é possível em virtude das contradições da PNAS e do modo como incorpora a família, ora como sujeito de direitos, ora como agente de proteção social de seus membros, e dos objetivos do serviço de potencializar as funções protetivas da família, mas também de incentivar sua participação, protagonismo e autonomia.

Promover a autonomia e participação não pode ser encarado como sinônimo de resolver um conjunto de problemas resultados de expressões da “questão social” – fruto de uma economia e sociedade excludente e geradora de desigualdades –, com os recursos ou ativos da própria família, como capacidade de resolução de conflitos internos, de disciplinamento e cuidado dos filhos, sem o subsídio do Estado na garantia de direitos.

Todavia, por ser a política e o serviço contraditórios, e ter por objetivo a garantia de direitos, visar a participação, a autonomia e protagonismo o trabalho pode ser redirecionado para uma perspectiva emancipatória, mesmo que na dimensão social, política ou cultural, como mediação para se atingir finalidades mais amplas na direção da emancipação humana, como horizonte maior.

Apesar das limitações identificadas no serviço, na infraestrutura e nas metodologias, faz-se preponderante a presença de profissionais comprometidos e embasados ética e teoricamente, para que esses desafios sejam minimizados e as potencialidades do serviço alcancem patamares maiores e levem ao alcance de objetivos emancipatórios de fato.

A construção do PEP da profissão foi acompanhada pelo desenvolvimento de um processo de construção de uma massa crítica na categoria que repercutiu positivamente no conjunto de ações e produções cientificas dos profissionais de Assistência Social. Mas como toda política pública, inserida na sociedade capitalista, é permeada de conflitos e jogo de forças, em que é possível identificar, estrutura de trabalho sucateadas, profissionais com formação precária, profissionais desestimulados com a pouco resolubilidade da política e usuários ainda desacreditados do potencial dessa política.

Não é que não haja pontos positivos, experiências com êxitos a ser examinadas ou a necessidade de redesenhar totalmente uma nova política. Mas há muitos desafios e obstáculos a serem vencidos. Não é fácil mudar o que envolve cultura, forma de fazer a política e de conseguir atender adequadamente quem tanto precisa dela, especialmente, em contexto de crises econômicas, políticas e com ajustes fiscais restritivos ao orçamento das políticas sociais.

Contudo, é possível mediante alianças com profissionais com perspectivas teórico-metodológicas comuns, resguardadas as condições da autonomia profissional, ainda que relativa, impor uma direção fundamentada em certas passagens e objetivos da legislação e redirecionar para um sentido diferentes, para dimensões emancipatórias, adotando como pressuposto, conforme Teixeira (2016): 1) trabalhar com direção pedagógica para estimular o protagonismo comunitário na pressão por mais e melhores serviços; 2) tornar as famílias e o cidadão mais fortalecido para lutar e acessar e usufruir dos bens e serviços. Um dos objetivos do trabalho socioeducativo deve ser o fortalecimento do processo organizativo dos usuários, do coletivo, do desenvolvimento do sentimento comum na família, nos grupos de famílias, naquele território, a necessidade da participação e do controle social.

Ou ainda, conforme a autora, a constituição de sujeitos de direitos se dá no processo de compreensão das determinações sociais de suas condições de vida, material e afetiva; no reconhecimento da força do coletivo; e nas possibilidades concretas de acesso aos bens e serviços produzidos socialmente que supere a situação de vulnerabilidade social de muitas famílias e que as permitam conciliar vida profissional e vida familiar. Aliado a isso, um trabalho socioeducativo com dimensões emancipatórias.

Como deve ser o trabalho social com famílias na assistência social?

Para desenvolver o Trabalho Social com Famílias, a equipe de referência necessita estar capacitada e livre da visão tradicional do assistencialismo e clientelismo; além disso, deve pensar e planejar ações que envolvam a família como um todo, evitando atendimentos de forma segmentada.

Qual a metodologia de trabalho do CRAS?

No trabalho coletivo desenvolvido no NAF/CRAS, usa-se uma metodologia participativa que objetiva promover os vínculos fami- liares e comunitários, proporcionando situações que estimulem a reflexão sobre as suas formas de organização.

Qual o conceito de família para o serviço social?

Relevante é considerar também o conceito de família segundo o Programa Nacional de Assistência Social (2004:25) “o grupo de pessoas que se acham unidas por laços consanguíneos, afetivos e, ou de solidariedade”.

O que é um plano de acompanhamento familiar?

O Plano de Acompanhamento Familiar nada mais é do que o diagnóstico da realidade de famílias referenciadas aos serviços de proteção social, no que tange aos vários aspectos da vida em sociedade: moradia, emprego/renda, saúde, educação, convivência familiar/comunitária, riscos/vulnerabilidades sociais.