Quais são as práticas corporais e qual a importância dessas práticas para a sociedade?

    Falar sobre pr�ticas corporais em �mbito escolar, num primeiro momento nos remete a aula de Educa��o F�sica como um espa�o de refer�ncia. No entanto, existe a necessidade de ampliarmos nossa vis�o, pois somos corpo em todos os momentos, estamos sempre sendo, fazendo e pensando enquanto um ser corp�reo. O corpo � a condi��o de exist�ncia no homem no mundo e as pr�ticas corporais s�o sua forma m�xima de express�o de desejos, necessidades, emo��es, conflitos e, por que n�o, de pertencimento e identifica��o a um determinado grupo social e sua cultura identit�ria. Para tanto, salientamos que ao falarmos em pr�ticas corporais, n�o estamos pressupondo que existem pr�ticas que n�o sejam corporais, que existe a possibilidade de separar o movimento do pensamento, mas muito al�m disso, queremos refor�ar a unicidade do ser humano ao movimentar-se.

    Ao tratarmos do espa�o escolar, esse entendimento precisa fazer parte do �repert�rio� dos professores que ao veicularem concep��es, valores, cren�as e atitudes a partir de suas a��es, est�o colaborando na forma��o dos sujeitos � alunos � e na sua constru��o como docentes. Constru��o esta, que estar� vinculada a cultura escolar e as representa��es que os professores e alunos possuem. Balizando essas representa��es em torno do corpo, percebemos que elas podem indicar uma in(corpo)ra��o de s�mbolos e sentidos produzidos socialmente e transmitidos historicamente no interior da cultura modelando os corpos dos sujeitos conforme suas regras, normas e refer�ncias disciplinares.

    O espa�o escolar, com seus rituais, normas e estruturas privilegia ou desenvolve algumas representa��es em torno do corpo em movimento de seus alunos que muito tem a ver com o que historicamente constitui-se sobre sua express�o, como a dualidade cartesiana, como um corpo alienado ao trabalho e, agora, pensamos em um corpo como express�o do ser no mundo. Mas at� onde essa express�o � espont�nea? Ser� que ela representa mesmo o que o sujeito est� passando no momento? Ser� o contexto escolar um espa�o que privilegia essas representa��es? Ou ser� que a escola esta fazendo com que os alunos in(corpo)rem pap�is sociais e rela��es de poder que far�o parte do seu mundo quando adultos?

    Partindo dessas indaga��es � que surgiu a motiva��o e necessidade por escrever este ensaio. Objetivamos assim refletir sobre o espa�o escolar e as pr�ticas corporais que o permeiam e como est�o agindo na modelagem do corpo dos sujeitos segundo os significados sociais atribu�dos a ele. Nossas reflex�es est�o baseadas, prioritariamente, pela refer�ncia a dois espa�os escolares, observados durante a realiza��o do est�gio curricular no curso de gradua��o em uma escola da rede p�blica estadual de ensino: a aula de Educa��o F�sica, escolha justificado pela nossa forma��o na �rea e por tratar da cultura do movimento enquanto base e fundamenta��o para os seus conte�dos e, o recreio escolar, por se caracterizar como um espa�o diferenciado, que �possibilita� aos alunos �expressarem-se livremente� diante das situa��es vivenciadas.

Cultura e cultura escolar, ou ser�... culturas!

    O sentido e o significado atribu�dos as a��es nos levam a localiz�-los dentro de um contexto e um tempo em que acontecem, necessidade esta, que nos reporta a id�ia de cultura. De acordo com Geertz (1989, p. 56), partindo de uma perspectiva antropol�gica, �[...] a cultura � melhor vista n�o como complexos padr�es concretos de comportamentos [...], mas como um conjunto de mecanismos de controle [...] para governar o comportamento�.

    Partindo desse conceito, entendemos a cultura escolar como express�o desse conjunto de mecanismos de controle da a��o dos sujeitos dentro da institui��o. Compartilhando essa id�ia, P�rez G�mez (2001), traduz a cultura escolar como

    [...] o conjunto de significados e comportamentos que produzem a escola como institui��o social, [...] os rituais e [in�rcias] que a escola estimula e se esfor�a em conservar e reproduzir, condicionam claramente o tipo de vida que nela se desenvolve e refor�am a vig�ncia de valores, cren�as e expectativas ligadas a vida social dos grupos que constituem a institui��o escolar.

    A cultura escolar � uma das preocupa��es durante as discuss�es acerca da organiza��o escolar, do curr�culo e do tratamento did�tico-pedag�gico dado ao conte�do. No entanto, considerando alguns acontecimentos na hist�ria da educa��o, dentre eles e de grande import�ncia, o surgimento do paradigma cient�fico, com suas bases afincadas no positivismo, a organiza��o escolar acabou por criar uma cultura padronizada, disciplinadora dos sujeitos.

    Tradicionalmente a escola tem mantido o corpo sob controle em seu cotidiano, uma vez que, as suas diversas estrat�gias metodol�gicas regularmente apontam para o imobilismo, para a constru��o do conhecimento priorizando o aspecto cognitivo, pouco atento as express�es corporais e os movimentos constru�dos pelos alunos, que traduzem um conjunto acumulado de conhecimento e cultura.

    Candau (2000, p. 182) ao tratar dessa quest�o escreve que a escola, influenciada pela modernidade, �terminou por criar uma cultura escolar padronizada, ritual�stica, formal [...] que enfatiza processos de mera transfer�ncia de conhecimentos, quando esta de fato acontece, e est� referida a cultura de determinados atores sociais�, produtores da cultura hegem�nica e universal.

    Sobre essa quest�o trazemos as contribui��es de Foucault (1987) ao tratar sobre a institui��o escolar e seus sistemas e rela��es de poder. Conforme o autor, a sua organiza��o espacial, o regulamento meticuloso que rege sua vida interior, as diferentes atividades a� organizadas, os diversos personagens que a� vivem e se encontram, cada um com uma fun��o, um lugar, um rosto bem definido - tudo isto constitui um �bloco� de capacidade-comunica��o-poder. A atividade que assegura o aprendizado e a aquisi��o de aptid�es ou tipos de comportamento a� se desenvolve atrav�s de todo um conjunto de comunica��es reguladas (li��es, quest�es e respostas, ordens, signos codificados de obedi�ncia, marcas diferentes do �valor� de cada um e dos n�veis de saber) e atrav�s de toda uma s�rie de procedimentos de poder (enclausuramento, vigil�ncia, recompensa e puni��o, hierarquia piramidal).

    Dessa forma, a escola enquanto institui��o social auxilia na manuten��o da hierarquia de poder, refor�ando estruturas sociais, onde o corpo e suas manifesta��es atrav�s de movimentos, de certa forma, amea�am o controle escolar com sua infinidade de express�es e possibilidades, promovendo o descontrole do r�gido sistema da escola que geralmente se sustenta pela obedi�ncia de diversas regras constru�das, por vezes, sem sentido e significado para os alunos.

    Essas caracter�sticas que definem a cultura escolar, se traduzem em um importante aspecto para uma reflex�o cr�tica. Considerando que vivemos em uma sociedade amplamente diversificada culturalmente, que nos dificulta inclusive identificar, como indica Hall (2005), a identidade cultural de um sujeito devido a multiplica��o dos sistemas de significa��o e representa��o cultural, a escola, inserido num contexto social mais amplo, n�o pode fechar os olhos para essa situa��o, simplesmente ignorando-a.

    Por isso a necessidade preconizada por P�rez G�mez (2001) de se considerar a escola como um espa�o de cruzamento de culturas, cuja responsabilidade que a distingue das outras institui��es � a media��o reflexiva das diferentes culturas existentes na sociedade.

    As pr�ticas corporais como integrantes da cultura escolar, trazem inscritas as marcas de uma determinada cultura, que n�o devem, ou n�o deveriam ser homogeneizadas. N�o deveriam porque a estrutura do contexto escolar em seus v�rios espa�os, na sala de aula, na sala dos professores, no p�tio, no recreio e na aula de Educa��o F�sica acaba por abarcar e ter sob controle o corpo dos sujeitos, modelando-os dentro dos padr�es socialmente desejados.

    Dessa forma o corpo, entra num sistema de disciplinamento que visa n�o unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujei��o, mas a forma��o de uma rela��o que no mesmo mecanismo o torna mais obediente quanto � mais �til, e inversamente. Forma-se ent�o uma pol�tica das coer��es que s�o um trabalho sobre o corpo, uma manipula��o calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que esquadrinha, o desarticula e o recomp�em. A disciplina fabrica assim, corpos submissos e exercitados, corpos d�ceis (FOUCAULT, 1987, p. 127).

Espa�os escolares e as pr�ticas corporais: caracterizando e aula de educa��o f�sica e o recreio

    O espa�o escolar possui particularidades em rela��o a outros espa�os sociais e, embora como parte de uma institui��o social � escola � � influenciado e produzido por determina��es hist�rico-culturais que ultrapassam os muros escolares. Para entendermos as manifesta��es simb�licas do meio escolar, portanto, devemos consider�-lo dentro de um contexto mais amplo.

    � atrav�s desses espa�os de a��o e de constru��o de rela��es e significados que o sujeito se desenvolve socialmente. O espa�o escolar � respons�vel por grande parte da forma��o da personalidade e identidade dos sujeitos. No entanto, ao ingressarem na escola, estes se deparam com espa�os diversificados e que possuem caracter�sticas, de certa forma, antag�nicas, pois provocam estados de intera��o que podem ser considerados como opressores, exigindo sil�ncio, disciplina e postura dos alunos em detrimento a sua livre express�o atrav�s de suas a��es de movimento.

    A aula de Educa��o F�sica, em nossa compreens�o, deve propiciar um espa�o onde as express�es por meio do �se-movimentar� s�o mais livres, mais exploradas, possibilitando um �di�logo entre homem e mundo� (GORDJIN apud HILDEBRANDT-STRAMANN, 2001, p.103).

    Nessa condi��o, a concep��o do se-movimentar traz como pontos de refer�ncia: movimento � uma a��o de um sujeito, vinculada a uma determinada situa��o concreta e relacionada a um sentido/significado (BUYTENDIJK apud TREBELS, 1992). Assim, o sujeito que �se-movimenta� � visto como um ser rico em intencionalidade, intencionalidade esta que d� sentido as a��es humanas, que configura-se na rela��o com o mundo e, que abre a possibilidade de superar um mundo confi�vel e conhecido para desafiar e experimentar o desconhecido.

    No entanto, em muitos casos, isso n�o est� presente na Educa��o F�sica escolar, pois, a ado��o de padr�es estereotipados de movimento, do movimento t�cnico e mec�nico, facilmente encontrado nas aulas, nos aponta para o que McLaren (1991, p. 137) denominou de 'estado de estudante', o qual �[...] se refere a uma ado��o de gestos, disposi��es, atitudes e h�bitos de trabalho esperados do 'ser um estudante'�. Conforme o autor ainda, nesse estado, �[...] os jovens geralmente ficam quietos, demonstram boas maneiras, s�o previs�veis e obedientes, [...] h� pouco movimento f�sico, exceto sob o comando do professor�. Na aula, isso � percebido quando os alunos s�o expostos a uma s�rie de limita��es de suas a��es de movimento, e conseq�entemente das rela��es sociais e culturais de troca e aprendizagem de novas formas de movimento, e seus sentidos/significados. E ainda, s�o expostos a uma avalia��o, onde para obterem �xito precisam realizar o movimento tal qual foi demonstrado pelo professor, deixando-o alheio ao seu movimento, como se este, seu meio de express�o e linguagem estivesse completamente errado e/ou inadequado.

    Tratando agora, sobre o recreio escolar, ele pode ser compreendido como o tempo livre que a crian�a disp�e dentro da escola, como um tempo �nico, principalmente no aspecto de liberdade de escolha das atividades que deseja realizar e com quem ir� realiz�-las, sem a interfer�ncia direta dos adultos.

    Nesse sentido, essas caracter�sticas nos reportam para ao estado de intera��o denominado de �estado de esquina de rua�, proposto por McLaren (1991), em que as a��es, raramente se conformam a um cen�rio previs�vel, �os limites entre espa�os, pap�is e objetos s�o mais pl�sticos, adapt�veis e male�veis, [...] os estudantes parecem mais imprevis�veis, barulhentos e desordeiros, que em outros estados de intera��o [...]�.

    Segundo o autor, o movimento corporal, nesse estado, traz tons de alegria, farra e geralmente n�o possuem as demarca��es de gestos precisos, e al�m disso, h� muito contato f�sico. Os comportamentos geralmente enfatizam as fun��es pessoais que normalmente s�o controladas, e que nesse estado n�o s�o consideradas como tabu, como, por exemplo, algumas manifesta��es corporais. E ainda, conforme McLaren (1991, p. 135), �[...] o esp�rito caracter�stico nesse estado � l�dico ou da natureza do jogo e da brincadeira�.

    A partir disso, consideramos importante as coloca��es de Huizinga (2000), ao falar da natureza e significado do jogo como fen�meno cultural, onde encontramos in�meros aspectos que podem ser associados ao que as crian�as vivem na escola, e especialmente durante o recreio, que independente das atividades pode ser considerado como um jogo de intera��o com os outros sujeitos e com o meio. Assim, este momento �[...] trata-se de uma evas�o da vida 'real' para uma esfera tempor�ria de atividade com orienta��o pr�pria� (HUIZINGA, 2000, p.11), constituindo-se num �faz de conta� onde a crian�a exp�e seus sentimentos mais �ntimos e sua vis�o com rela��o ao mundo, geralmente o mundo adulto, do trabalho, chegando a representar esses pap�is nas atividades e na intera��o com os outros, tornando esse momento como algo sagrado e permeado por muita seriedade.

    Partindo dessas caracteriza��es dos espa�os escolares que nos propomos refletir, compreendemos que o contexto escolar influencia de maneira bastante significativa na constru��o de significados e sentidos que os sujeitos v�o estabelecer para suas manifesta��es atrav�s do movimento, compreendido enquanto uma totalidade localizada num contexto social, hist�rico e cultural determinados, e nos processos de intera��o que s�o vivenciados em �mbito escolar, ou mesmo, fora dele.

A constru��o de sentidos/significados para as pr�ticas corporais

    Para refletirmos sobre a constru��o e/ou in(corpo)ra��o de significados sociais nas pr�ticas corporais na escola, e para melhor explicitarmos nossa leitura do contexto escolar, recorremos a Tikunoff (apud P�REZ-GOMEZ, 2001) ao considerar que existem tr�s tipos de vari�veis que est�o presentes em processos de intera��o - que n�o devem ser entendidas isoladas, mas como complementares - tais como os observados na aula e no recreio, que possibilitam a aprendizagem e o desenvolvimento dos sujeitos.

    Primeiramente, vamos caracterizar e exemplificar as vari�veis situacionais. Estas, �[...] constituem o contexto complexo e mut�vel em que vivem, experimentam e se relacionam os indiv�duos de um mesmo contexto� (TIKUNOFF apud P�REZ-GOMEZ, 2001, p. 247). Dentre elas, cabe distinguir e destacar �o clima de objetivos e expectativas�, que de acordo com o autor, � formado pelas rela��es de converg�ncia ou conflito entre os objetivos e as expectativas dos diferentes indiv�duos e as rela��es de poder nas formas de definir os objetivos da situa��o. E, o �cen�rio de conviv�ncia� que diz respeito ao espa�o, a estrutura da atividade, a organiza��o de tempo e espa�o e os pap�is que os indiv�duos desempenham.

    Para uma melhor compreens�o de como isso � percebido nas aulas trazemos algumas situa��es que foram observadas em contexto reais, onde percebemos que desde a entrada na escola o esporte aparece como conte�do hegem�nico das aulas de Educa��o F�sica, principalmente no que se refere as atividades realizadas pelos meninos, passando a definir e orientar o �clima de objetivos e expectativas� com rela��o a aula. Os meninos passam grande parte das aulas jogando futebol, ou ent�o simplesmente �jogando bola�, como eles mesmo dizem e configuram sua concep��o de aula de Educa��o F�sica. Uma das quest�es fundamentais na compreens�o desse processo, ligadas aos objetivos e expectativas na realiza��o da atividade � o fato das crian�as desde muito cedo serem inseridas nesse meio � esportivo -, o que em parte constitui o desejo dos pais terem filhos atletas e o sucesso que isso poder� proporcionar, e tamb�m as rela��es de poder sobre a imagem transmitida pela m�dia, pela ind�stria cultural. Dessa forma tamb�m, na organiza��o das atividades observamos uma hierarquiza��o do poder, onde os que �jogam melhor� decidem sobre a organiza��o e regras do jogo, criando para isso um �cen�rio de conviv�ncia� muito semelhante ao encontrado fora do �mbito escolar e que diz respeito aos esportes normatizados, distribuindo determinados pap�is aos sujeitos conforme suas caracter�sticas.

    J� com rela��o ao recreio, observamos que essas situa��es s�o mais male�veis, em fun��o da �liberdade� que os alunos possuem ao organizarem-se para realizar alguma atividade. Neste espa�o, eles conversam sobre as atividades que ir�o realizar, distribuindo os pap�is para cada um durante a brincadeira, que geralmente � organizada por aluno que exerce a fun��o de l�der, cabendo a ele tamb�m decidir sobre determinadas regras para a atividade. S�o geralmente atividades bastante din�micas, principalmente as realizadas pelos meninos, tais como a brincadeira de pego, pol�cia e ladr�o, entre outras, j� as meninas brincam de mam�e e filhos, amarelinha e casinha. Na atividade de pego, verificamos que as regras s�o bastante conhecidas por todos, e os alunos n�o demoram para se organizar e come�ar a brincar, sendo que, n�o existe um espa�o delimitado para a atividade, eles apenas determinam um lugar onde estar�o �salvos� se estiverem cansados.

    Ao brincarem de casinha, por exemplo, as meninas tem um papel a desempenhar, distribu�do entre elas: uma � m�e, e as outras as filhas. Nesta atividade, a que faz o papel de m�e, determina o que as outras devem fazer, e quem n�o aceita � exclu�da do grupo pelas outras. Observando esse ponto, concordamos com Kunz (2003, p. 99) ao dizer que, �[...] no seu brincar a crian�a constr�i simbolicamente sua realidade e recria o existente�. � nessa tentativa de representar sua realidade que acontece a incorpora��o de diferentes pap�is, onde como citado no exemplo, percebemos claramente os alunos assumindo pap�is que a institui��o social/familiar lhes coloca. Dessa forma, �as institui��es incorporam-se na experi�ncia do indiv�duo por meio de pap�is. [...] Ao desempenhar pap�is, o indiv�duo participa de um mundo social� (BERGER; LUCKMANN, 1998, p. 103). Assim, ao tentar fazer parte desse mundo, verificamos que desde muito cedo as crian�as s�o estimuladas a assumir mais responsabilidades, deixando de explorar v�rias situa��es do �faz de conta� do mundo infantil, e com isso, prejudicando suas capacidades de vivenciar atividades de movimento, al�m das tradicionais, para corresponder ao clima de objetivos e expectativas esperados delas.

    O segundo grupo de vari�veis presentes nesse processo de intera��o trata-se das vari�veis experienciais. Estas est�o relacionadas com os significados e os modos de atua��o que desenvolvem os diferentes sujeitos, considerando a sua hist�ria de vida, experi�ncia e modos de compreens�o e atua��o (TIKUNOFF apud P�REZ-GOMEZ, 2001, p. 247).

    Para uma melhor compreens�o dessas vari�veis, fazemos refer�ncia �s pr�ticas movimento dos alunos nas s�ries finais do ensino fundamental e no ensino m�dio. Estas, at� ent�o expressas atrav�s da incorpora��o de habilidades t�cnicas das modalidades esportivas, agora aparece para a maioria dos alunos destitu�da de significados. Esse fato, acreditamos estar relacionado com a cultura de movimento desde os primeiros anos de vida e especialmente ap�s a entrada na escola, ou seja, pela falta de viv�ncia e experi�ncias de movimento, os alunos v�o perdendo o interesse, incorporando outras responsabilidades e interesses substituindo as pr�ticas de movimento pela desenvolvimento de atividades profissionais.

    Dessa forma, percebemos que a aula de Educa��o F�sica, configura-se como um �jogar por jogar�, e que pela falta de objetivos que justifiquem sua pr�tica, com o passar do tempo foi destituindo a seu sentido, tornando a rela��o corporal dos alunos com o movimento, formas intensamente estranhas. Como exemplo, citamos a realiza��o do jogo de futebol entre os meninos, nas varias turmas observadas, onde percebemos muita cobran�a dos alunos com rela��o � forma de executar os fundamentos do jogo. Para eles, existia uma �nica forma de realizar aquele movimento, tendo como refer�ncia o esporte de rendimento. A cria��o de novas formas de movimentos �n�o regulamentadas�, pr�prias dos alunos, n�o oferece nenhum prazer na sua realiza��o. O que pode estar relacionado com a falta de conhecimento corporal e, com isso, das novas formas de movimento que poderiam ser exploradas, transformando inclusive, o sentido que esta pr�tica possui para os alunos.

    E, o terceiro grupo de vari�veis relaciona-se �s vari�veis comunicativas, isto �, os n�veis e elementos que alimentam, condicionam e canalizam a comunica��o de significados, onde podem distinguir-se diferentes n�veis, como: intrapessoal, interpessoal, grupal e global. (TIKUNOFF, apud P�REZ G�MEZ, 2001).

    Para exemplificar como ocorre esse tipo de vari�vel, citamos a brincadeira de amarelinha realizadas pelas meninas durante o recreio, elas criam uma determinada ordem e estabelecem regras, primeiramente, constroem a amarelinha com giz no p�tio da escola. Em seguida, j� com o grupo organizado estabelecem uma ordem para cada uma realizar suas tentativas, sendo que durante a atividade, todas permanecem muito atentas para ver se as colegas n�o est�o desrespeitando as regras.

    Nesta atividade, como existe uma depend�ncia da habilidade motora, principalmente a localiza��o espacial e o equil�brio, os alunos que n�o possuem estas incorporadas, s�o prejudicados, ou seja, independente de ser uma brincadeira ou n�o, todos querem atingir o �xito na atividade, e se n�o conseguem se excluem do grupo, e buscam outras atividades. Conforme a atividade vai se desenvolvendo, uma das meninas estava com muitas dificuldades, com isso ela sugere que sejam modificadas algumas regras, obviamente tentando facilitar a sua participa��o, por�m, as demais n�o aceitaram a sugest�o dela e a mesma saiu da brincadeira, ou seja, n�o houve uma intera��o de fato entre elas, as inten��es para a atividade eram diferentes, e esta que apresentou novas sugest�es, pode ser caracterizada como a desmancha prazeres do grupo, e, portanto � exclu�da.

    A partir dessa situa��o, percebemos que os alunos possuem internalizada essa capacidade/necessidade de constru��o de regras, embora tenham dificuldades com uma das compet�ncias para que ocorra efetivamente a intera��o entre os participantes da atividade, trata-se da compet�ncia do agir comunicativo. De acordo com Baecker (1996) � �[...] uma condi��o para a intera��o social, porque atrav�s dela � poss�vel ocorrer um entendimento entre os participantes da intera��o para a conjuga��o/coordena��o/sincroniza��o de suas a��es�.

    Essa vari�vel comunicativa � tamb�m observada nas aulas de Educa��o F�sica, uma vez que se coloca como condi��o imprescind�vel para que a aula e/ou atividade se d�. Contudo, salienta-se a import�ncia de se estimular todos os alunos a comunicarem-se, a participar ativamente dos discursos, uma vez que, habitualmente, existe um l�der que coordena as atividades, ou ent�o o professor � que d� todas respostas. A partir das coloca��es de Kunz (2001), o di�logo � um processo fundante da educa��o, entendendo a palavra como express�o do estar-no-mundo. E, nas aulas de Educa��o F�sica, especificamente, trata do movimento humano, como sendo o di�logo entre o homem e o mundo, cujos sentidos/significados devem ser dial�gica e argumentativamente feitos e refeitos.

    Percebemos, ainda nas aulas, que os alunos est�o conscientes de que sua participa��o em um determinado grupo, n�o pode se dar somente pelas suas prefer�ncias e opini�es, mas estas devem ser discutidas para que se chegue a uma conclus�o que seja o desejo da maioria, o que implica em dever e direito de cada um dos sujeitos envolvidos. Assim, como educadores precisamos fomentar nos alunos a capacidade comunicativa, visto que a mesma n�o � dada, como simples produto da natureza, mas deve ser desenvolvida (KUNZ, 2003, p. 31).

Considera��es finais

    Considerando nossas observa��es e reflex�es com rela��o ao espa�o escolar, compreendemos que ao mesmo tempo em que a escola funciona como repressora e disciplinadora dos corpos dos sujeitos, atrav�s de seus rituais e normas ela pode tamb�m configurar-se como um dos importantes instrumentos de transforma��o se ultrapassar essa concep��o instrumentalizadora do movimento.

    Tradicionalmente a escola mant�m o corpo sob controle em seu cotidiano, pois as suas diversas estrat�gias metodol�gicas regularmente apontam para o imobilismo, para a constru��o do conhecimento priorizado no aspecto cognitivo, pouco atento as express�es corporais e os movimentos constru�dos pelos alunos, que traduzem um conjunto acumulado de conhecimento, cultura e hist�ria. Assim, a escola enquanto institui��o social auxilia na manuten��o da hierarquia de poder, refor�ando estruturas sociais pouco focadas em mudan�as.

    Dessa forma, � importante ressaltar a necessidade de se considerar a diversidade de manifesta��es culturais entre as sociedades e at� mesmo, dentro de cada sociedade, buscando subs�dios para compreender cada uma dessas manifesta��es a partir de suas rela��es com o corpo dos sujeitos que formam a sociedade, produzem cultura(s) e carregam suas marcas na forma como v�em e agem, construindo suas rela��es com o mundo.

    Nesse sentido, o corpo deve ser percebido como condi��o de exist�ncia do homem no mundo, que sente, que pensa e que age como esse corpo, que � �[...] a express�o da cultura, e portanto, cada cultura vai se expressar por meio de diferentes corpos, porque se expressa diferentemente como cultura� (KOFES apud DA�LIO, 2004, p. 39). Contudo, a� reside algumas quest�es que foram nosso foco nesse texto e que devem ser enfatizadas, visto que, muitas vezes somos pressionados a in(corpo)rar � como se refere Gon�alves (1994) � uma express�o corporal ou pr�ticas corporais consideradas ideais para nossa cultura, mediante gratifica��es e puni��es, o que na escola aparece atrav�s das atividades realizadas pelos alunos em seus diferentes estados de intera��o.

    Como nos aponta Vigarello (apud SOARES, 1998, p. 17) �[...] o corpo � o primeiro lugar onde a m�o do adulto marca a crian�a, ele � o primeiro espa�o onde se imp�em os limites sociais e psicol�gicos que foram dados a sua conduta, ele � o emblema onde a cultura vem inscrever seus signos como tamb�m seus bras�es�. Dessa maneira, �[...] atuar no corpo implica atuar sobre a sociedade na qual o corpo est� inserido� (DA�LIO, 2004, p. 42). Essa condi��o, na aula de Educa��o F�sica, configura-se num processo de reconhecimento de que, cada sujeito possui express�es diferentes, faz parte de culturas de movimento diferentes e significativas em seu contexto, o que precisa ser problematizado para que os sujeitos tenham a possibilidade de experienciar pr�ticas corporais provenientes de outras culturas, tornando-os significativos e ampliando suas possibilidades de agir, construir e representar sua cultura por meio do movimento.

    Nesse contexto, precisamos ampliar nossa vis�o e trabalhar para que na escola, e mais especificamente, nas aulas de Educa��o F�sica Escolar, as experi�ncias de movimento dos alunos n�o sejam silenciadas, ou mesmo enquadradas em padr�es estereotipados de um modelo de cultura que se pretende transmitir como paradigma hegem�nico, determinado por outros �mbitos sociais. Dessa forma, a Educa��o F�sica, por suas caracter�sticas singulares e apelo prazeroso que possu� em rela��o �s outras disciplinas do cotidiano escolar, pode aproveitar tais oportunidades para redimensionar o seu papel social e a sua fun��o pedag�gica, colaborando para uma forma��o emancipat�ria.

Refer�ncias

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O que são práticas corporais e qual a sua importância?

As práticas corporais e/ou atividades físicas são consideradas fator de proteção à saúde e contribuem para o aumento da qualidade de vida.

Quais são as práticas corporais?

As práticas corporais são práticas e fenômenos heterogêneos que se mostram ao nível corporal e que constituem-se como manifestações humanas, tais como os jogos, danças, ginásticas, esportes, artes marciais, acrobacias, brincadeiras, práticas corporais de aventura, entre outras.

Qual a importância das práticas corporais e atividades físicas no nosso cotidiano?

A importância da atividade física é fundamental em qualquer idade e é um dos meios de cuidar da saúde e ter uma melhor qualidade de vida. Além disso, a atividade física é um importante meio de prevenção para combater doenças crônicas como diabetes tipo 2 e hipertensão arterial¹.

Qual a relação das práticas corporais com a sociedade?

As práticas corporais são expressão da sociedade e da cultura e são suscetíveis às di- nâmicas que regem o mundo atual. Elas não escapam das lógicas de mercado que servem de base para a sociedade capitalista e são transformadas em produtos a serem consu- midos.

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