Quais os motivos que levaram os africanos a migrar para o continente europeu?

Crise de refugiados

terça-feira, 17 de novembro de 2015, 7h20 Modificado: quarta-feira, 18 de novembro de 2015, 13h37

Imigrantes em situação de perigo buscam refúgio nos países europeus, atraídos, em especial, pelo desenvolvimento econômico

Jéssica Marçal
Da Redação

O principal destino dos refugiados que saem da África e Oriente Médio fugindo de guerras e situações de perigo tem sido a Europa. Só neste ano, o continente europeu já recebeu mais de 700 mil imigrantes que fizeram a travessia pelo Mar Mediterrâneo. O que torna a Europa tão atrativa para os refugiados?

Um primeiro aspecto é a localização geográfica. Os países europeus, como Grécia e Itália, constituem os refúgios mais próximos, por exemplo, para quem sai da Síria e de algumas regiões do Oriente Médio. Outro atrativo é a economia europeia e o desenvolvimento tecnológico que se observa nos países do continente.

Quais os motivos que levaram os africanos a migrar para o continente europeu?

Países da Europa estão entre os principais destinos de refugiados; Mar Mediterrâneo é uma das principais rotas / Foto: Reprodução Google Maps

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Mas essa onda de imigração para a Europa não é de agora. O continente sempre foi visto, depois da Guerra, como estado do bem estar social por ter conseguido garantir à sua população o acesso aos bens fundamentais, como educação, saúde, segurança, transporte público. A partir dos anos 1980, 1990, isso despertou o interesse das pessoas de fora e gerou um fluxo para a Europa, o que não foi de tudo negativo.

“De certa forma foi bom, porque acabou suprindo a falta de mão de obra europeia, carente em algumas áreas que exigem menos qualificação, e essas pessoas foram atuando em alguns serviços, em alguns trabalhos, alguns oficios, para exatamente complementar a população economicamente ativa europeia em alguns países”, explica o professor universitário Henrique Alckmin.

Ironia do destino: Europa acolhe imigrantes de países que colonizou

Desse ponto pra cá o fluxo só aumentou. De acordo com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), mais de 700 mil pessoas pediram asilo na Europa no ano passado, um aumento de 47% em relação a 2014. Só que esse fluxo imigratório para a Europa acabou despertando um novo nacionalismo em alguns países, como França e Itália. E isso faz com que nem sempre, nos dais atuais, haja uma grande abertura para o acolhimento. Mas essa situação, olhando para toda a história, acaba sendo uma ironia, explica Henrique.

“A Europa colonizou, de uma forma até sangrenta, algumas áreas da África, no século XIX e até no século XX, muitos massacres foram cometidos pelos belgas na República Democrática do Congo, pela França na Argélia, sem falar outros tantos. E agora, parece que a história nos ensina através de uma lição. A Europa tem que se organizar, tem que se preocupar, porque não consegue controlar o fluxo de pessoas miseráveis, que acabam saindo da África e do Oriente Médio e que buscam chegar até seus países, até suas fronteiras”.

O acolhimento na Alemanha

Um dos países que mais se abriu ao acolhimento de refugiados nessa crise foi a Alemanha, indo na contra-mão do restante da Europa. O país disse que poderia receber até 500 refugiados por ano nos próximos anos, mas pediu que seus vizinhos também se disponibilizassem ao acolhimento.

A atitude da Alemanha, segundo Henrique, pode ser entendida voltando 70 anos na história do país, que sofreu muito com a Segunda Guerra Mundial. Além da tragédia do holocausto, quando cerca de seis milhões de judeus morreram nos campos de concentração, houve muitas perdas materiais bem como de vidas humanas de outros países.

“Então a Alemanha acabou, depois da guerra, combatendo e tendo políticas muito abertas para receber imigrantes. Porque o nazifascismo foi construído a partir da égide da superioridade racial, esse era o discurso de Hitler (…) E depois da guerra, a Alemanha, certamente tenta coibir muito isso e sempre promoveu políticas de abertura”.

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Cada vez mais migrantes africanos têm vindo a fazer a perigosa viagem através do Oceano Atlântico até às Ilhas Canárias. A pandemia do novo coronavírus é um dos fatores que tem impulsionado o aumento das chegadas.

Em Fuerteventura, a segunda maior ilha das Canárias, o mar está calmo, mas Abdul Kamara, da Guiné-Conacri, recorda-se de como as águas estavam agitadas no dia em que chegou ao arquipélago espanhol. O jovem esteve muito perto de não sobreviver à jornada de três dias num barco insuflável, depois de partir de Marrocos, no início do Verão.

"De repente, ouvimos o ar a vazar do barco. Naquele momento, todos morreram de medo. Eu tive a sensação de que aquele poderia ser, de facto, o fim. Pensava na minha irmã mais nova, que teria de viver sem mim. Pensei nalguns amigos. Eu fiquei em estado de choque, já não conseguia mover-me", descreve à DW.

Travessia mais perigosa do mundo

Os migrantes que estavam naquele barco conseguiram parar a fuga de ar e chegaram a Fuerteventura. Abdul Kamara é um dos cerca de 5 mil migrantes africanos que entraram nas Ilhas Canárias desde o início deste ano - um aumento de mais de 600% em relação a 2019.

A rota de migração entre África e o arquipélago espanhol foi usada frequentemente no passado. Dezenas de milhares de migrantes chegaram às ilhas em meados dos anos 2000.

Desde então, poucos barcos ousaram fazer a viagem na travessia que é considerada a mais perigosa do mundo. De acordo com organizações humanitárias, um em cada 16 migrantes morre durante o trajeto.

Quais os motivos que levaram os africanos a migrar para o continente europeu?

Serviços de salvamento marítimo espanhóis resgataram 39 migrantes em Fuerteventura, em junho de 2020

Pandemia piorou situação

Muitos observadores ainda estão perplexos sobre qual a razão para esta rota estar de novo a ser utilizada com tanta frequência.

Bram Frouws, do Mixed Migration Center, um instituto de investigação independente com sede em Genebra, acredita que a pandemia de Covid-19 é o principal motivo da retoma desta rota migratória.

"O impacto socioeconómico da pandemia está a aumentar o desejo e a necessidade das pessoas migrarem. Mas, ao mesmo tempo, restringe os recursos, com as pessoas a ter menos dinheiro para migrar, e ambém aumenta as restrições de mobilidade", explica à DW.

"Há, portanto, duas forças opostas e está pouco claro como essas dinâmicas estão a interagir neste momento", conclui Frouws.

Acordos alteram rotas migratórias

Países europeus chegaram a vários acordos com nações de trânsito em África, como Níger e Líbia, e exigiram que os Estados africanos façam esforços para evitar que os migrantes passem pelos seus territórios muito antes de chegarem à costa.

Em troca, a União Europeia comprometeu-se a aumentar os pagamentos de apoios ao desenvolvimento. Entretanto, este tipo de negócio geralmente apenas faz com que as rotas de migração mudem. No caso das Ilhas Canárias, é razoável sugerir que Espanha foi vítima da sua própria diplomacia migratória.

"Vimos isso acontecer com Marrocos e Espanha no ano passado. Houve um aumento de migração de Marrocos para Espanha e, quase uma semana depois, houve um outro pacote de 15 milhões de euros para apoiar Marrocos, como parte da chamada cooperação de migração", diz Bram Frouws.

Marrocos cumpriu a sua parte do acordo e expulsou os migrantes de áreas próximas à costa. As chegadas a Espanha continental caíram em mais de 4 mil no primeiro semestre deste ano.

Como consequência, as rotas de migração começaram a mudar. Os migrantes passaram a embarcar no sul de Marrocos e a partir para as Ilhas Canárias, em vez do continente.

Quais os motivos que levaram os africanos a migrar para o continente europeu?

32 migrantes foram resgatados pelas autoridades marítimas espanholas em Fuerteventura

Maior movimento desde a Primavera Árabe 

Segundo analistas, este é o prenúncio de um novo movimento migratório massivo em direção à Europa. Mais de 7 mil tunisinos cruzaram o mar Mediterrâneo desde o início do ano - o maior número desde a Primavera Árabe, em 2011. Na vizinha Líbia, os contrabandistas tornaram-se agora clientes de outros contrabandistas.

Matt Herbert, da Iniciativa Global Contra o Crime Organizado Transnacional, com sede em Genebra, diz que as consequências do impacto económico gerado pelo novo coronavírus já estão a sentir-se no norte de África.

"Acho que esta é a vanguarda da onda de migração irregular impulsionada pela Covid-19. Ainda não houve tempo suficiente para que os migrantes de África Ocidental e Central e do Corno de África comecem a chegar ao norte do continente para seguir as rotas migratórias até à Europa. Mas acredito que isso vai acontecer nos próximos seis a doze meses", analisa.

Uma questão de preço

Abdul Karim Kamara não quer ficar em Fuerteventura. Em breve, espera ser transferido para um campo no continente espanhol com os outros migrantes. A partir daí, quer deslocar-se mais para norte.

Como muitos outros migrantes, Kamara fez um "desvio" para as Ilhas Canárias por uma razão muito pragmática: dinheiro.

Durante muito tempo, não viu perspetivas para o futuro no seu país de origem, a Guiné-Conacri. Depois descobriu que contrabandistas na rota do Atlântico estavam a oferecer lugares em barcos de borracha por cerca de 800 euros. No passado, podia custar mais de 2 mil euros. A oferta foi aparentemente demasiado boa para deixar passar.

Quais motivos leva os africanos a migrar para o continente europeu?

Resposta: Os africanos vão à Europa em busca de melhores condições de vida e porque fogem de perseguições políticas e religiosas.

Como os africanos migram?

Em 2017, dos 36,3 milhões de migrantes africanos registados, 25,7% viajaram para a Europa, 12,2% para a Ásia e 53,4% permaneceram em África, destaca o estudo. Se por um lado, 90% dos migrantes do norte de África foram para a Europa ou Ásia, 70,3% dos da África subsaariana saíram para outro país dentro do continente.