Quais impactos da Revolta dos Malês causados à sociedade escravocrata da época?

Em 24 de janeiro de 1835, em Salvador, um levante causado por escravizados muçulmanos abalou Salvador. Durante uma noite, um grupo de escravizados enfrentou as autoridades locais após anos de abusos e desrespeitos por conta de sua condição de escravizados e por conta de sua religião. Embora fracassada, a rebelião marcou a história da escravidão no Brasil e mandou uma mensagem aos senhores de escravos: se foi possível uma rebelião acontecer, outras seriam possíveis, e por todo Brasil o medo de novas rebeliões se espalhou. Convidamos o Prof. Danilo Luiz Marques para conversar sobre o assunto e explicar quais foram os impactos imediatos e duradouros da Revolta dos Malês.

Apesar de ter durado apenas um dia, a Revolta Malê levou novamente ao medo de uma insurreição dos africanos contra a ordem escravocrata.

Quais impactos da Revolta dos Malês causados à sociedade escravocrata da época?
Pintura de Johann Moritz Rugendas (1802-1858) retratando o porão de um navio negreiro.*

Por Tales Pinto

A Revolta Malê ocorrida em 25 de janeiro de 1835, em Salvador – Bahia, inseriu-se na série de revoltas que colocaram em perigo o Estado imperial brasileiro durante o Período Regencial (1831-1840). Não tanto pela sua duração, mas sim por sua composição e ameaça à sociedade escravocrata.

A Revolta Malê foi uma revolta organizada e dirigida por africanos, escravizados ou livres, cujo objetivo era a abolição da escravidão e a africanização da Bahia. A revolta fez surgir novamente o medo junto à classe exploradora escravocrata brasileira da repetição em solo nacional da Revolução do Haiti, que exterminou e expulsou da ilha das Antilhas quase toda a população branca.

Outra característica peculiar da Revolta Malê foi o fato de os escravos que dela participaram serem em sua maioria muçulmanos. Malê era o nome dado a todo escravo, de qualquer etnia, que professasse a religião muçulmana e soubesse ler e escrever em árabe. Além disso, a maioria dos participantes, graças a essas atribuições, cumpria principalmente a função de escravos de ganho, destinada a executar serviços urbanos remunerados, conseguindo dinheiro para seus senhores.

É interessante ler um extrato do relato do chefe de polícia de Salvador, Francisco Gonçalves Martins, publicado no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, em 10 de fevereiro de 1835:

“a insurreição estava tramada de muito tempo, com hum segredo inviolavel, e debaixo de hum plano superior ao que devíamos esperar de sua brutalidade e ignorancia. Em geral vão quasi todos sabendo ler e escrever em caracteres desconhecidos, que se assemelhão ao Arabe, usado entre os Ussás, que figurão terem hoje combinado com os Nagós. Aquella Nação em outro tempo foi a que se insurgio nesta Provincia por varias vezes, sendo depois substituida pelos Nagós. Existem mestres que dão lições, e travão de organisar a insurreição, na qual entravão muitos forros Africanos, e até rios.”

“Tem sido encontrados muitos livros, alguns dos quaes, diz-se, serem preceitos religiosos, tirados de misturas de sectas, principalmente du Alcorão. O certo he que a Religião tinha sua parte na sublevação, e os chefes fazião persuadir aos miseraveis, que certos papeis os livrarião da morte, d’onde vem encontrar-se nos corpos mortos grande porção dos direitos, e nas vestimentas ricas e exquisitas, que figurão pertencer aos chefes, e que forão achados em algumas buscas.”¹

O chefe da polícia aponta o fato de os negros serem principalmente das nações nagô e ussás (ou hauçá) e com unidade construída entre eles em decorrência da religião e da alfabetização. Esses africanos organizaram ainda outras revoltas na província, o que permite perceber que a Revolta Malê foi uma dentre outras revoltas escravas.

A revolta havia sido organizada com certa antecedência e contava ainda com a participação dos negros forros, os que haviam recebido sua alforria. O fato de o chefe de policia indicar que a religião tinha parte na sublevação e que a participação poderia livrá-los da morte pode indicar que a Revolta Malê fosse também um caso de jihad, a guerra santa contra os não muçulmanos.

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Mesmo com a organização realizada com antecedência, a revolta não logrou sucesso. A previsão era o ataque aos prédios do governo, principalmente os edifícios ocupados pelas forças policiais e militares. A data foi escolhida em razão de haver uma festa católica, a de Nossa Senhora da Guia, e também por ser o dia do Qadr, o dia da revelação corânica². O objetivo era realizar o assalto aos prédios na aurora do dia 25 de janeiro. Porém, uma denúncia feita às forças policiais, possivelmente por duas escravas libertas que souberam da ação um dia antes, levou à precipitação do ataque.

Uma casa onde se reunia cerca de 60 escravos foi invadida pela polícia. Os africanos, ameaçados de serem pegos, partiram para o confronto com as forças policiais munidos de espadas e facões, além de poucas armas de fogo. Durante a madrugada e o dia seguinte, a capital da província da Bahia foi sitiada pelos revoltosos. Porém, a cavalaria e mais tropas que vieram em reforço conseguiram conter a revolta. Alguns conseguiram fugir pelo Recôncavo, atacando os canaviais, mas também foram contidos nesses espaços.

Estima-se que cerca de 600 a 1500 africanos participaram do levante. Dezenas foram mortos e muitos foram presos, castigados e deportados. Torturas e açoites compuseram as formas de punição, principalmente aos libertos, já que os escravos ainda tinham funções produtivas a cumprir.

Contrariamente a outras rebeliões coloniais e do Período Imperial, a Revolta Mal ê foi composta exclusivamente por africanos, sem a direção de brancos. Esse fato que proporcionou o grande impacto e medo na população baiana e brasileira livre do período. Um comentador anônimo que presenciou a rebelião, no jornal Pão D’Assucar, publicado no Rio de Janeiro, em 10/02/1835, ilustrou com suas palavras a apreensão de parte da população do Império: “Avalia agora por aqui o risco que corremos com semelhante gente, e o que ainda poderemos soffrer um dia, se não tivermos sempre a mais rigorosa cautela”³.

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* Crédito da Imagem: Galeria Digital da Biblioteca Pública de Nova Iorque.

[1] CAIRUS, José Antônio Teófilo.  Jihad, Cativeiro e Redenção: escravidão, resistência e irmandade, Sudão Central e Bahia (1835). Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2002. p. 26. Pode ser encontrado em: Casadasafricas.org.

² Idem. Ibidem. p. 14.

³ Idem. Ibidem. p. 29.

Por Tales Pinto

Quais impactos a Revolta dos Malês causou na sociedade escravocrata da época?

O acontecimento da Revolta dos Malês aumentou consideravelmente a repressão sobre os escravos africanos na Bahia nos anos seguintes. Essa repressão afetou tanto escravos como libertos e existem estudos que afirmam que dos 5 mil libertos que habitavam em Salvador cerca de 20% foi forçada a retornar para a África|5|.

Quais foram as consequências para os negros escravizados na Revolta dos Malês?

Cerca de 200 escravos foram presos e julgados. O resultado do julgamento foi: pena de morte para os principais líderes do movimento e açoites e trabalhos forçados para os demais.

Qual foi a consequência da Revolta dos escravos?

Duzentos escravos foram levados aos tribunais. Suas condenações variaram entre a pena de morte, os trabalhos forçados, o degredo e os açoites, mas todos foram barbaramente torturados, alguns até a morte. Mais de quinhentos africanos foram expulsos do Brasil e levados de volta à África.

Qual foi o resultado da Revolta dos Malês?

A última batalha deu-se em um local de Salvador chamado Água de Meninos. Muitos dos africanos, encurralados, procuraram fugir pelo mar e acabaram afogados. A Revolta dos Malês, portanto, fracassou.