Dentre as inúmeras inovações trazidas pela Lei n° 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), tem-se a chamada quitação anual, a qual consiste na possibilidade de utilização de um termo para quitação das obrigações trabalhistas suportadas pelo empregador ao longo de um ano. Destaca-se que essa inovação está prevista no artigo 507-B da CLT, que assim dispõe:
“Art. 507-B. É facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria."
Parágrafo único. O termo discriminará as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente e dele constará a quitação anual dada pelo empregado, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas.
Em que pese a previsão expressa desse novo mecanismo, o fato é que a doutrina trabalhista ainda discute a natureza jurídica de tal termo, traçando paralelos com a figura do acordo extrajudicial e com as antigas Comissões de Conciliação Prévia, no entanto, até o momento, não há um posicionamento final sobre o tema. Há, ainda, muito ceticismo em torno do assunto, especialmente pelo fato de o tema ainda não ter sido devidamente apreciado pelo Judiciário e pelas tentativas frustradas de se implantar mecanismos similares (por exemplo, as Comissões de Conciliação Prévia).
Além disso, é igualmente importante ressaltar que o termo, por si só, não produz efeitos de coisa julgada material, ou seja, não impede que os empregados, mesmo após sua assinatura, e com assistência sindical, possam ingressar com uma reclamação trabalhista[1], inclusive para pleitear o pagamento de verbas/obrigações que constam no termo – nesse caso, os empregados afetados poderão alegar a existência de vício de vontade na assinatura do referido documento, o que, se for efetivamente demonstrado, implicará na invalidade do termo em sua íntegra.
Dentre os requisitos necessários para obter a quitação prevista no artigo 507-B da CLT, verifica-se que o termo deverá, obrigatoriamente, ser submetido ao crivo do sindicato e, no caso da negativa deste, não há que se falar na quitação pretendida independentemente da assinatura e anuência do empregado.
Logo, é possível que o sindicato, se valendo de órgão homologador da quitação anual, possa ver nessa situação uma possibilidade de constante barganha com os empregadores, gerando-se, assim, conflitos entre as partes.
É importante ressaltar ainda que, de acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre situações análogas, entende-se não ser possível incluir no termo a quitação aos direitos considerados indisponíveis, assim entendidos aqueles previstos no artigo 611-B da CLT[2], uma vez que referido dispositivo prevê as proibições/limitações para objeto de negociação em Convenção Coletiva de Trabalho e Acordo Coletivo de Trabalho, e por consequência, seria ilógico que o sindicato tivesse poderes para concordar com a quitação de direitos ali previstos.
Diante dessas considerações, tem-se que, apesar de o termo de quitação representar, ao menos a princípio, uma ferramenta de resguardo por parte dos empregadores, pelo fato de o sindicato se valer da condição de “homologador” do termo, já que a lei assim determinou, as empresas devem estar preparadas para enfrentar certa resistência sindical, inclusive, sujeitando-se às possíveis barganhas impostas pelo ente sindical para que seja outorgada a quitação pretendida.
Por outro lado, os óbices possivelmente apresentados pelo sindicato da categoria podem ser amenizados com uma atuação mais incisiva por parte do sindicato patronal, o qual poderá, inclusive, buscar incluir o mecanismo da quitação anual, nos termos do art. 507-B da CLT, na própria norma coletiva.
Em suma, considerando que o termo encontra respaldo legal e não há entendimentos contrários à sua aplicação, nada obsta a sua utilização pelas empresas e assinatura pelos respectivos empregados, cabendo a estas ponderar os entraves para sua assinatura, em especial em razão da necessidade de homologação pelo sindicato e, ao final, ainda assim, contar com a possibilidade de desconsideração do termo assinado em eventual reclamação trabalhista ajuizada pelo empregado signatário.
São Paulo, janeiro de 2021.
Letícia Serrão Santos é advogada de Trigueiro Fontes Advogados em São Paulo..
[1] Comentários à Reforma Trabalhista – RDT - 2017- Homero Batista Mateus da Silva.
[2] Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
I - normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);
IV - salário mínimo;
V - valor nominal do décimo terceiro salário;
VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
VII - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
VIII - salário-família;
IX - repouso semanal remunerado;
X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal;
XI - número de dias de férias devidas ao empregado;
XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias;
XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei;
XV - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;
XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;
XIX - aposentadoria;
XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;
XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência;
XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
XXIV - medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;
XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;
XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;
XXVII - direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;
XXVIII - definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;
XXIX - tributos e outros créditos de terceiros;
XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.