Quais as causas que levaram os ingleses a desenvolverem um modelo de colonização diferente ao que foi proposto pelo modelo ibérico?

Geo Crítica
Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. IX, núm. 200, 1 de noviembre de 2005


DA EUROPA PARA AMÉRICA: A TRAJETÓRIA DO MOVIMENTO OLÍMPICO BRASILEIRO

Katia Rubio
Universidade de S�o Paulo

Recibido : 27 de mayo de 2005. Devuelto para revisi�n : 14 de junio de 2005. Aceptado : 14 de julio de 2005.


Resumo

Originados como um ritual em homenagem a Zeus, os Jogos Ol�mpicos foram recriado no final do s�culo XIX e enfrentaram diversas dificuldades de estabelecimento at� conquistar a condi��o de um dos principais fen�menos socioculturais contempor�neos. Atravessou o s�culo XX acompanhando par e passo a din�mica social e os interesses comerciais e pol�ticos que foram sendo acoplados direta ou indiretamente ao universo esportivo. Nascido e desenvolvido na Europa foi conquistando ades�es em todos os continentes. Os atletas contempor�neos, que em princ�pio tiveram sua condi��o social e identidade associadas a amadores, amantes da pr�tica esportiva e representantes de um grupo social que se dedicava exclusivamente �s realiza��es atl�ticas, viram esse papel ser alterado em fun��o das transforma��es �s quais os Jogos Ol�mpicos foram submetidos. O objetivo desse trabalho � apresentar a din�mica do desenvolvimento do esporte e do movimento ol�mpico moderno e sua chegada ao continente americano, mais precisamente ao Brasil. Nesse processo fica evidenciado que mais que uma pr�tica l�dica e amadora a implanta��o e desenvolvimento tanto do esporte como do movimento ol�mpico tiveram um car�ter pol�tico e comercial que foi ampliado ao longo de seus 108 anos de exist�ncia.

Palavras-chave: Jogos Ol�mpicos, Brasil, esporte.


Abstract

Originated as a ritual in Zeus’s honor, the Olympic Games were recreated in the end of XIXth century the Olympic Games faced many difficulties to be established until acquire the condition of most important contemporary social culture phenomenon. They crossed over the XXth century strictly following the social dynamic and the politic and commercial interests that had been attached to this event. Created and developed in the Europe they were expanding to all continents. The contemporary athletes, that at the beginning had their social condition and identity as amateurs, lovers of sportive practice and representative of a social group dedicated only to the athletic realizations, saw this role be changed by the transformations of the Olympic Games. The purpose of this research is presented de development of sport and modern Olympic movement and its arrive in the American continent, specifically in Brazil. In this process it’s clear that the sport and the Olympic movement have politic and commercial character that was multiplied during the last 108 years.  

Key words: Olympic Games, Brazil, sport.


As condi��es que levaram o esporte moderno a se organizar denunciam as particularidades do lugar e momento hist�rico em que esse fen�meno se desenvolveu.

A Inglaterra tornara-se a principal pot�ncia da Europa e dominava parte do continente americano, africano e asi�tico, com um modelo diferente do ib�rico que havia predominado nos s�culos anteriores. No s�culo XVIII j� n�o bastava descobrir, explorar e/ou colonizar. Era preciso expandir mercados para o escoamento da produ��o industrial que crescia com a inven��o de m�quinas e novas tecnologias. As escolas ganhavam destaque nesse cen�rio preparando os representantes do imp�rio, respons�veis por levar a cultura e a ideologia brit�nicas �s col�nias e ao novo mundo, tanto no plano das id�ias como no f�sico.

As pr�ticas esportivas ganharam um papel de destaque nesse processo e momento hist�rico. Hobsbawn (1997) entende que nesse per�odo, final do s�culo XIX e in�cio do s�culo XX, o esporte ocupou um lugar privilegiado na sociedade europ�ia e norte-americana por colaborar para a constru��o de identidades nacionais. A esse processo os autores denominam de tradi��o inventada.

Cultura e tradi��o tornam-se valores preciosos na conquista de novos mercados, respons�veis pela cria��o de necessidades desconhecidas e pela implementa��o de comportamentos e atitudes in�ditos.

O Brasil passou a fazer parte dessa zona de influ�ncia a partir do in�cio do s�culo XIX, assimilando parte dessa cultura e transformando outra, agregando valores que j� lhe eram pr�prios.

O Movimento Ol�mpico, por sua vez, participou de uma din�mica de busca de a��es internacionalistas e de paz. Nasceu no continente europeu, ber�o das diversas guerras dos s�culos XIX e XX e buscou se contrapor aos desdobramentos desses conflitos com uma proposta pac�fica. As competi��es esportivas rapidamente se se identificaram com um grande evento competitivo, e os Jogos Ol�mpicos tornaram-se uma nova met�fora para o ganhar e o perder. Nesse cen�rio n�o se fazia necess�ria a ru�na do derrotado.

J� o Movimento Ol�mpico Brasileiro surgiu como um desdobramento dessa ‘tradi��o inventada’ em solo europeu, como sugere Hobsbawn (1997), e buscou sua pr�pria identidade no decorrer do s�culo XX, experimentando em parte os conflitos sociais vividos na Europa – esportes de elite e populares – em parte as peculiaridades da organiza��o social brasileira.

O esporte moderno

O esporte e a atividade f�sica chegaram ao s�culo XIX acompanhando as transforma��es pol�ticas e sociais que come�aram nos s�culos anteriores demonstrando, desde ent�o, uma tend�ncia a servir como uma tela de proje��o da din�mica social.

Merece especial aten��o o processo ocorrido na Inglaterra dos s�culos XVIII e XIX, uma vez que nesse pa�s surgiram e se difundiram v�rios elementos do esporte moderno em um modelo que se chama de popular.

Conforme Mandell (1986) o esporte como se conhece na sociedade contempor�nea surgiu em um momento hist�rico marcado por condi��es sociais particulares e foi modelado conforme c�nones de prazer e �cio de determinadas classes sociais.

No entender de Hobsbawn (1997) v�rios fatores contribu�ram para a afirma��o desse fen�meno como o local e pre�o dos equipamentos utilizados bem como a defesa do amadorismo (condi��o exclusiva daqueles que podiam usufruir de forma desinteressada do esporte). Esses fatos dificultavam, e at� impediam, o acesso da classe oper�ria �s pr�ticas esportivas. Entretanto, essa situa��o se transformou em parte por press�o de reivindica��es, em parte por um pol�tica de coopta��o de v�rias institui��es interessadas em ampliar seus quadros, aproximando as camadas m�dias da elite.

As peculiaridades do sistema esportivo ingl�s est�o relacionadas diretamente a hist�ria da Inglaterra e a din�mica das rela��es sociais que ali se desenvolveram.

Diferentemente do que ocorria do outro lado do Canal da Mancha, o status aristocr�tico ingl�s dependia muito mais da riqueza, da influ�ncia na corte e dos lucros acumulados por antepassados aristocr�ticos. Diante disso, muitos ingleses experimentaram novos meios de controle de recursos e de cria��o de riqueza favorecendo a Revolu��o Industrial e o esporte moderno.

Salvador (2004) afirma que o esporte � filho das revolu��es burguesas, neto do Renascimento e da Idade M�dia surge de meios culturais diversificados que convergiram para um �nico modelo esportivo: a mercantiliza��o. O esporte moderno evoluiu rapidamente por via do industrialismo, tendo o liberalismo como ideologia e o capitalismo como modelos que haviam de ser seguidos.

O aliado inconteste para o desenvolvimento pr�tica esportiva era o sistema educacional ingl�s. Devido ao isolamento rural das escolas e universidades das classes altas foi necess�rio que essas institui��es de ensino se abrissem aos filhos dos ricos comerciantes, o que levou a uma am�vel conviv�ncia entre essas classes sociais.

Denominadas public schools, diferentemente do que sugere o nome, eram os centro educativos mais seletos do reino, onde os filhos var�es da aristocracia e da alta burguesia tinha, sua educa��o encomendada, conforme Gonz�lez (1993). O autor afirma que as public schools assemelhavam-se �s institui��es totais e caracterizavam-se por uma grande disciplina interna, que levavam ao abuso, � tirania e a crueldade f�sica dos alunos mais velhos e maiores sobre os mais novos e pela mais completa autonomia dos alunos no uso de seu tempo livre. Embora os garotos tivessem tradicionalmente o direito de desfrutar e dispor de seu tempo livre como melhor desejassem, porque se supunha que essa liberalidade fosse fundamental para ao forma��o de um esp�rito independente dentro da tradi��o liberal, era preciso regulamentar algumas pr�ticas que pareciam fugir ao controle das institui��es.

A necessidade de regula��o das atividades de �cio levou a uma reformula��o das institui��es educacionais ao longo do s�culo XIX. Esse momento foi marcado pela utiliza��o do esporte como parte da estrat�gia de controle das atividades dos adolescentes das classes dominantes e, em um per�odo muito curto de tempo, transformou-se em um dos conte�dos curriculares mais importantes dessas institui��es.

At� ent�o tradicionalmente os estudantes tinham garantido o direito de desfrutar e disponibilizar de seu tempo livre de acordo com seu desejo, porque se supunha que tal liberdade era de fundamental import�ncia para a forma��o do esp�rito independente dos futuros l�deres sociais. Como resultado dessa postura era comum que ap�s o per�odo regular de estudos os estudantes buscassem ref�gio em lugares distantes da escola e realizassem atos de vandalismo e atividades proibidas (como a invas�o de propriedades, ca�a e pesca) ou se ocupassem com pr�ticas populares (formas tradicionais de futebol e outros jogos com bola, persegui��es etc.) que assumiam tamb�m o car�ter inici�tico dos mais jovens que eram obrigados a desempenhar o papel de sofredores.

Essas condi��es acabaram por gerar uma necessidade de normatiza��o de conduta e de regras. Elias e Dunning (1992:224) apontam que a concep��o e organiza��o do esporte moderno na Inglaterra est�o intimamente relacionadas aos complexos processos sociais e pol�ticos que viveram esta na��o ao longo dos s�culos XVII e XVIII, e justificam:

“No decurso do s�culo XIX e, em alguns casos, mais cedo, na segunda metade do s�culo XVIII, com a Inglaterra considerada como um modelo, algumas atividades de lazer exigindo esfor�os f�sicos assumiram tamb�m em outros pa�ses as caracter�sticas estruturais de ‘desportos’. O quadro de regras, incluindo aquelas que eram orientadas pelas id�ias de ‘justi�a’, de igualdade de oportunidades de �xito para todos os participantes tornou-se mais r�gido... A ‘desportiviza��o’, em resumo, possui o car�ter de um impulso civilizador compar�vel, na sua orienta��o global, � ‘curializa��o’ dos guerreiros, onde as minuciosas regras de etiqueta representam um papel significativo.”

A crueldade, a vulgaridade e a rudeza das pr�ticas de tempo livre realizadas pelos estudantes ingleses levaram as autoridades educacionais a reconsiderar o princ�pio da liberdade e independ�ncia, instalando um sistema de vigil�ncia que teve importantes desdobramentos para a organiza��o das atividades esportivas. Alguns passatempos tradicionais foram prontamente proibidos e outros considerados suscet�veis de serem regulados, de ajustar-se melhor a um marco espacial definido ou de fomentar esp�rito de equipe, foram adotados.

Os processos de regula��o a que foram submetidos os passatempos tradicionais pr�-esportivos foram produto de assembl�ias de cursos e escolas, de discuss�es entre os estudantes at� serem transformados em esportes como por exemplo o futebol e o rugby. Como conseq��ncia foram sistematizados os c�digos, os gestos apropriados e homologadas as similitudes e as variedades das diversas modalidades (Gonz�lez, 1993; Ulmann, 1982).

Nesse contexto quadras, campos, piscinas e pistas converteram-se em verdadeiro celeiro de l�deres que iriam atuar na ind�stria, na pol�tica, no ex�rcito, nas empresas comerciais e na administra��o do imp�rio colonial e a influ�ncia socializante dos jogos era enfatizada para promover lideran�a, lealdade, coopera��o, autodisciplina, iniciativa e tenacidade, qualidades necess�rias � administra��o do Imp�rio brit�nico. Em algumas d�cadas uma gera��o origin�ria dessas institui��es, a chamada cristandade muscular (Mangan, 1986), conquistou postos de dire��o no governo, no parlamento, na igreja, em empresas privadas e na educa��o e difundiu com muito �xito a nova mensagem esportiva. Segundo esse autor desde que o Imp�rio brit�nico se estabeleceu as public schools tornaram-se seu suporte. Os alunos oriundos dessas institui��es subscreviam totalmente o imperativo �tico imperial. Eles desempenhavam o papel de agentes de persuas�o da hegemonia, ou seja, eram executores autocratas, com capacidade para impor seu ponto de vista exercendo o papel moral n�o pela for�a, mas pela autoridade: ocupavam os p�lpitos das igrejas, participavam das competi��es esportivas, da ca�ada na selva, realizavam palestras em escolas ou escreviam os editoriais dos peri�dicos oferecendo � sociedade sua vers�o da realidade. Os formandos das public schools serviam para legitimar as convic��es dominantes, conquistando a juventude e criando unidade no terreno da ideologia.

E assim, a Inglaterra passou a exportar as pr�ticas esportivas juntamente com suas mercadorias e poder b�lico para a �ndia, para a �frica, para a Am�rica e onde mais se descortinasse um mercado consumidor. De acordo com Mangan (1986) algumas modalidades esportivas como o criket definiam claramente o conceito de cavalheirismo, embora o rugby e o futebol propusessem os valores mais apropriados para o imperialismo: a coragem, o autocontrole e o companheirismo.

O Movimento Ol�mpico

O Movimento Ol�mpico contempor�neo tem como principal ide�logo Pierre de Freddy, conhecido pelo t�tulo nobili�rquico de Bar�o de Coubertin. Educador, fil�sofo e historiador, quando se empenhou na reorganiza��o dos Jogos Ol�mpicos almejava revalorizar os aspectos pedag�gicos do esporte mais do que assistir � conquista de marcas e quebra de recordes. Sua preocupa��o fundamental era valorizar a competi��o leal e sadia, o culto ao corpo e � atividade f�sica.

Embora de origem aristocr�tica Coubertin resistia � id�ia e a pr�tica de perpetuar um modelo pol�tico social que havia levado a Fran�a a tr�s monarquias, dois imp�rios e tr�s rep�blicas em menos de cem anos. Por essa raz�o definia-se como um republicano e embora desacreditasse da pol�tica desejava promover a��es que levassem � transforma��o de uma sociedade que lhe parecia enferma.

Nesse contexto come�ou a freq�entar a �cole Sup�rieure des Sciences Politiques na qual teve contato com a pessoa e a obra de Hip�lito Taine e com um n�cleo angl�filo que buscava compreender a din�mica cultural inglesa capaz de proporcionar uma estabilidade social que faltava � Fran�a.

De acordo com Tavares (2003) duas caracter�sticas da sociedade inglesa interessavam a Coubertin e iriam influenciar sobremaneira sua obra e suas a��es: uma delas era o “‘esp�rito de associa��o’ da sociedade inglesa corporificado nas associa��es privadas de patronato das mais diversas causas”(p. 40); o segundo foi o sistema educacional ingl�s, “inclusive as atividades esportivas nas escolas que Taine discute sublinhando seu valor como uma prepara��o para a vida numa sociedade democr�tica”(p. 40).

Mas, sobretudo as obras Notes sur l’Anglaterre de Hippolyte Taine e Tom Brown’s Schooldays de Thomas Hughes iriam provocar profunda identifica��o de Coubertin com o sistema educacional e esportivo ingleses. Hughes foi aluno de Thomas Arnold na escola de Rugby, marco da institucionaliza��o do esporte nas escolas inglesas, e na obra Tom Brown’s relatou de forma romanesca e apaixonada o cotidiano e as preocupa��es de uma pedagogia pelo esporte. A fundamenta��o dessa pedagogia se assentava na responsabilidade e na hierarquia. A responsabilidade estava associada ao uso da liberdade e do cumprimento de normas e tradi��es que entre, outras a��es, refletia-se no uso do tempo ocioso. A hierarquia demandava a compreens�o e aceita��o de uma ‘ordem natural’ imposta pelos veteranos, por aqueles que primeiro chegaram � institui��o impondo a perpetua��o de uma cultura que deveria ser reproduzida pelos mais novos.

Embora Coubertin encontrasse em Taine o eco necess�rio para a reflex�o sobre um modelo pedag�gico � em Fr�d�ric Le Play que a reforma social por meio de uma pedagogia esportiva encontrar� seu porto seguro. Organizador da Soci�t� d’�conomie Sociale e da Unions de la Paix Sociale, Le Play soci�logo e fil�sofo da segunda metade do s�culo XIX exerceu grande influ�ncia sobre Coubertin que iria afirmar em seus escritos no final da vida que “Le Play foi, juntamente com Arnold, o mestre a quem dedico minha gratid�o no momento em que o fim se aproxima. A esses dois homens eu devo mais do que eu posso dizer” (Mangan, 1986:83).

Coubertin come�ou a se preocupar em desenvolver um modelo de reforma social por meio da educa��o e do esporte em uma perspectiva internacionalista depois de obter pouco sucesso com programas de car�ter educacional em seu pa�s, a Fran�a. MacAloon (1984) aponta que durante os idos de 1880 visitou in�meras escolas inglesas, uma verdadeira peregrina��o, em busca de refer�ncia para seu projeto esportivo-pedag�gico, deslocando, entretanto esse micro sistema –a educa��o– do macro sistema –a sociedade– no qual ele estava inserido e situado. N�o satisfeito com isso, em 1889, partiu para os Estados Unidos para conhecer de perto o modelo americano emergente e distinto do ingl�s, agora n�o mais na condi��o de observador, mas como comiss�rio oficial do governo franc�s ligado ao minist�rio da educa��o. Em quatro meses visitou escolas e universidades de Chicago e Nova Iorque at� Nova Orleans e Fl�rida. Nessa oportunidade Coubertin mostrou-se surpreso com os ‘sentimentos democr�ticos do catolicismo americano’ que separava igreja do Estado e tolerava a liberdade de culto, fato menos comum na Inglaterra. Talvez essa quest�o tenha lhe chamado tanta aten��o em virtude da resist�ncia que os pa�ses de cultura puritana ofereciam � id�ia dos Jogos Ol�mpicos, relacionando-os com uma festa pag�, extinta pelo imperador Teod�sio, um cat�lico fervoroso, a pedido do bispo de Mil�o, San Ambrosio, no ano de 394.

Foi, sobretudo, o renascimento do interesse pelos estudos cl�ssicos, fazendo reviver na intelectualidade de ent�o a fascina��o que a cultura hel�nica exercia sobre a cultura europ�ia, al�m das descobertas de s�tios arqueol�gicos que permitiam desvendar acontecimentos relacionados aos Jogos Ol�mpicos da Antiguidade, que levou Pierre de Coubertin a tomar para si a tarefa de organizar uma institui��o de car�ter internacional com a finalidade de cuidar daquilo que seria uma atividade capaz de transformar a sociedade daquele momento: o esporte.

Tavares (2003) aponta que o estabelecimento do Movimento Ol�mpico nos idos de 1894 coincide com a cria��o e prolifera��o de um amplo espectro de organiza��es de cunho internacionalista, cujo principal objetivo era a promo��o da paz. Isso porque, embora durante o s�culo XIX tivesse ocorrido um grande desenvolvimento das ci�ncias humanas e da produ��o de id�ias, os conflitos ainda eram resolvidos de forma brutal por meio da guerra. As organiza��es internacionalistas buscavam a resolu��o de conflitos, tanto de ordem interna como externa, pelo uso da raz�o e das leis, e n�o pelas armas. Dentro dessa l�gica a competi��o esportiva era uma forma racionalizada de conflito, sem o uso da viol�ncia.

O projeto de restaura��o dos Jogos Ol�mpicos como na Gr�cia Hel�nica foi apresentado em 25 de novembro de 1892 quando da ocasi�o do 5� anivers�rio da Uni�o das Sociedades Francesas de Esportes Atl�ticos, que teve como paraninfo o Bar�o de Coubertin. Naquela ocasi�o ele manifestaria seu desejo e inten��es com rela��o os Jogos: “� preciso internacionalizar o esporte. � necess�rio organizar novos Jogos Ol�mpicos” (L�pez, 1992:21)

A tarefa audaciosa de promover uma competi��o esportiva de �mbito internacional, espelhada nos Jogos Ol�mpicos gregos, com car�ter educativo e permanente demandava a cria��o de uma institui��o que desse o suporte humano e material para a realiza��o de tal empreitada.

E assim, em junho de 1894, na Universidade Sorbonne, em Paris, diante de uma plat�ia que reunia aproximadamente duas mil pessoas, das quais setenta e nove representavam sociedades esportivas e universidades de treze na��es, teve in�cio o congresso esportivo-cultural, no qual Coubertin apresentou a proposta de recria��o dos Jogos Ol�mpicos.

Inicialmente o Bar�o intentava realizar a primeira edi��o dos Jogos Ol�mpicos na capital francesa em 1900, como parte das comemora��es da virada do s�culo que ocorreria em seis anos. Entretanto, diferentemente do que havia sugerido o proponente, a competi��o foi antecipada para o ano de 1896, para Atenas, como uma defer�ncia aos criadores dos jogos originais (Rubio, 2002.a).

Algumas particularidades marcaram a cria��o do Comit� Ol�mpico Internacional e sua din�mica ao longo do s�culo XX.

Constitu�do por representantes de v�rias nacionalidades indicados pelos participantes do encontro da Sorbonne, o COI tinha como miss�o e inten��o a organiza��o dos Jogos Ol�mpicos bem como a normatiza��o das modalidades disputadas, muitas delas rec�m-criadas e sem um corpo de regras universalizadas.

A id�ia inicial, e que posteriormente foi perpetuada, era da celebra��o de uma competi��o de car�ter internacional, com realiza��o quadrienal, cujos participantes estariam vinculados a representa��es nacionais.

Subjacente a essa proposta, lembra Tavares (2003:64), estava a id�ia e o princ�pio de

“uma organiza��o n�o ideol�gica, destinada a promover uma id�ia, se organizar em torno de uma elite e servir a humanidade em regime de total independ�ncia de correntes pol�ticas e de governos nacionais.”

A proposta de cria��o da institui��o nessas bases guardava preocupa��es com a isen��o, autonomia e independ�ncia de um movimento que se propunha internacional, apol�tico e apartid�rio. Como decorr�ncia dessa perspectiva Coubertin idealizou o Movimento Ol�mpico sustentado na for�a dos comit�s ol�mpicos nacionais, mas principalmente na coopta��o e atua��o dos membros do Comit�.

Os dirigentes do Comit� Ol�mpico Internacional s�o indicados, desde sua constitui��o, pelos membros j� participantes, ou seja, o regime que sustenta a organiza��o ol�mpica n�o est� pautado em uma concep��o democr�tica. Tavares (2003) enfatiza que Coubertin se baseou no princ�pio da representatividade reversa dos membros do COI como forma de garantir a independ�ncia de sua organiza��o.

Embora reconhecida como defeituosa e limitada seu idealizador acreditava que a din�mica impressa na institui��o garantiria sua estabilidade e defendia essa posi��o com o seguinte argumento:

“N�s n�o somos eleitos. N�o somos auto-recrutados, e nossos mandatos s�o limitados. Existe qualquer outra coisa que pudesse irritar mais a opini�o p�blica? O p�blico tem visto de maneira crescente o princ�pio da elei��o se expandir, gradualmente, colocando todas as institui��es sob seu dom�nio. Em nosso caso, estamos infringindo essa regra geral, uma coisa dif�cil de tolerar, n�o � mesmo? Bem, n�s temos muito prazer em tomar a responsabilidade por esta irregularidade e n�o estamos nem ao menos preocupados com ela.” (M�ller, 2000: 587-589)

A pr�tica de indica��o pelo pr�prio Comit� persiste at� os dias atuais e seus membros s�o considerados embaixadores dos ideais ol�mpicos em seus respectivos pa�ses e n�o delegados de suas na��es junto ao Comit�, numa tentativa de destituir aqueles que lidam com o esporte de qualquer rela��o com manobras pol�ticas (Sagrave, 1988). Isso vem representar um paradoxo uma vez que embora n�o haja representa��o nacional dentro da estrutura burocr�tica do COI, a um atleta s� � permitido participar de uma edi��o de Jogos Ol�mpicos desde que tenha os �ndices necess�rios, obtido em situa��es em que ele tenha representado seu pa�s em eventos internacionais. Ou seja, � vetada a participa��o independente de qualquer pessoa, mesmo habilidosa, sem que ela defenda as cores de uma bandeira nacional.

O receio de lidar com conflitos internos e o ceticismo com a democracia levou Coubertin a estruturar e organizar o COI como uma institui��o unipartid�ria, em um modelo pr�ximo ao olig�rquico, tendo como documento norteador de sua pr�tica a Carta Ol�mpica, elaborada pelo fundador do movimento ol�mpico em aproximadamente 1898 (Valente, 1999).

Regidos desde ent�o por princ�pios fundamentais contidos na Carta Ol�mpica, os Jogos Ol�mpicos pautaram-se por um conjunto de valores que s�o a refer�ncia fundamental do Movimento Ol�mpico at� os dias atuais.

De acordo com Tavares (1999.a:15) os Jogos Ol�mpicos eram para seu reinventor a institucionaliza��o de uma concep��o de pr�ticas de atividades f�sicas que “transformava o esporte em um empreendimento educativo, moral e social, destinado a produzir reflexos no plano dos indiv�duos, das sociedades e das na��es” – concep��o que expressava a forma��o humanista e ecl�tica de Coubertin. E, � justamente o ecletismo uma das chaves para compreender a l�gica interna do corpus de valores do Olimpismo, uma vez que a defini��o contida nos Princ�pios Fundamentais da Carta Ol�mpica (Comit� Ol�mpico Internacional, 2001) � pouco precisa – ou em �ltima an�lise, como afirma DaCosta (1999) uma filosofia em processo durante o tempo de vida de Coubertin – o que tem levado estudiosos do tema a discuss�es extensas e inconclusivas (Lenk, 1976; Sagrave, 1988; Grupe, 1992).

Vale ressaltar que o termo Olimpismo refere-se ao conjunto de valores pedag�gicos e filos�ficos do Movimento Ol�mpico, e n�o aos aspectos formais e/ou burocr�ticos que sustentam a institui��o e o fen�meno ol�mpico.

A Carta Ol�mpica (2001) apresenta o conceito de Olimpismo no Princ�pio Fundamental n� 2 enquanto

“uma filosofia de vida que exalta e combina em equil�brio as qualidades do corpo, esp�rito e mente, combinando esporte com cultura e educa��o. O Olimpismo visa criar um estilo de vida baseado no prazer encontrado no esfor�o, no valor educacional do bom exemplo e no respeito aos princ�pios �ticos fundamentais universais”(pag. 8).

E apresenta como objetivos no Princ�pio n� 3:

“Colocar em toda parte o esporte a servi�o do desenvolvimento harmonioso do homem, na perspectiva de encorajar o estabelecimento de uma sociedade pac�fica preocupada com a preserva��o da dignidade humana. Neste sentido o Movimento Ol�mpico se engaja em coopera��o com outras organiza��es e dentro do limite dos seus meios, em a��es para promover a paz.”(p. 8)

E no Princ�pio n� 6:

“Contribuir para a constru��o de um mundo melhor e pac�fico pela educa��o da juventude atrav�s do esporte praticado sem discrimina��o de qualquer tipo e no esp�rito ol�mpico, o qual requer entendimento m�tuo com um esp�rito de amizade, solidariedade e fair play.” (p. 9)

Alguns autores buscam definir o conceito de Olimpismo, contemplando as id�ias originais de Coubertin e assimilando as transforma��es ocorridas tanto no esporte como na sociedade do s�culo XX.

� o caso de M�ller (2000:14) que entende o Olimpismo como

“Uma esp�cie de excesso de esfor�o, de transcend�ncia do homem enquanto uma unidade psicossom�tica, os quais revelados pela e na pr�tica do esporte e ativado pelos constantes esfor�os do indiv�duo em seguir princ�pios est�ticos e morais, s�o encontrados na consci�ncia, para integrar todos os valores humanos na educa��o do corpo e da mente.”

As modernas Olimp�adas, ou seja, o per�odo em que ocorrem as edi��es dos Jogos Ol�mpicos, dividem-se em Jogos de inverno e de ver�o, s�o realizadas de quatro em quatro anos, como na Antig�idade, alternando-se a cada dois anos entre os Jogos de Ver�o e os de Inverno. Diferentemente da dificuldade para defini��o da sede ocorrida nas edi��es iniciais, na atualidade, a realiza��o das competi��es � disputada por grandes metr�poles dos cinco continentes, em um processo que demanda alguns anos.

O crescimento da import�ncia do evento pode ser observado nos n�meros entre Gr�cia em 1896 e Atenas em 2004. As modalidades saltaram de 9 para 26. Os pa�ses participantes passaram de 13 para 197. De 250 atletas homens na Gr�cia o total entre mulheres e homens em Atenas ficou em torno de 10 mil. A evolu��o dos n�meros � um bom indicador de que na atualidade os Jogos Ol�mpicos adquiriram a import�ncia e o prest�gio de que desfrutavam na Gr�cia Hel�nica, embora as raz�es para isso sejam bastante distintas.

Para os gregos, os Jogos representavam um momento de tr�gua nas guerras e conflitos de qualquer ordem para que competidores e espectadores pudessem chegar a Ol�mpia. Ao longo desses cento e oito anos de competi��es os Jogos Ol�mpicos da Era Moderna j� sofreram interrup��o por causa das duas Grandes Guerras e boicotes promovidos por Estados Unidos e Uni�o Sovi�tica na d�cada de 1980, indicando que o Movimento Ol�mpico n�o est� alheio �s quest�es sociais e pol�ticas do mundo contempor�neo como desejava Pierre de Coubertin.

Apesar dos boicotes e das inevit�veis gest�es diplom�ticas para a supera��o de conflitos internacionais foi basicamente dois preceitos ol�mpicos fundamentais que mais fizeram o Movimento Ol�mpico ver sua estabilidade abalada: o fair play e o amadorismo.

O fair play

Considerado uma das bases do movimento ol�mpico o termo fair-play foi utilizado pela primeira vez por Shakespeare, em 1595, sem qualquer rela��o com a pr�tica esportiva (Mangan, 1996). A partir de 1880 foi incorporado ao esporte para designar um tipo de conduta.

O fair-play, ou ‘esp�rito esportivo’, ou ‘jogo limpo’, ou ‘�tica esportiva’pode ser definido como um conjunto de princ�pios �ticos que orientam a pr�tica esportiva, principalmente do atleta e tamb�m dos demais envolvidos com o espet�culo esportivo.

O fair-play presume uma forma��o �tica e moral daquele que pratica e se relaciona com os demais atletas na competi��o, e que este atleta n�o far� uso de outros meios que n�o a pr�pria capacidade para superar os oponentes. Nessas condi��es n�o h� espa�o para formas il�citas que objetivem a vit�ria, suborno ou uso de subst�ncias que aumentem o desempenho.

De acordo com Turini (2002) o fair play � entendido como um dos principais valores do Olimpismo sendo considerado a �tica do esporte moderno cujo prop�sito � orientar a conduta do competidor na pr�tica esportiva.

Dentre os valores culturais ingleses com os quais Pierre de Coubertin teve contato, o fair play foi sem d�vida aquele que mais influ�ncia exerceu sobre sua concep��o de Olimpismo. A g�nese do fair play est� fincada no cavalheirismo, esp�cie de comportamento social que contemplava a nobreza de car�ter, os valores crist�os e humanistas relacionados ao Renascimento. Esse ethos cavalheiresco era a base do comportamento que definia um gentleman, o ideal de homem na sociedade inglesa do s�culo XIX. A transposi��o para o �mbito esportivo dessa atitude social foi idealizada e empregada desde o surgimento do Movimento Ol�mpico contempor�neo, afirmando a rela��o de proje��o que existe entre sociedade-cultura e movimento ol�mpico-esporte. Nesse sentido, embora a Inglaterra representasse a principal pot�ncia no cen�rio geopol�tico de ent�o, exercendo uma forte hegemonia sobre pa�ses europeus e americanos, seus padr�es culturais n�o eram universais, e assim, era de se esperar que o fair play tamb�m n�o representasse uma unanimidade.

Tavares (1999.b) endossa essa afirma��o apontando que as implica��es do fair play enquanto um conjunto de valores normativos dos comportamentos no �mbito da competi��o reflete a formula��o de um ambiente cultural espec�fico.

“Desse modo, ainda que o Olimpismo de um modo geral, e o fair play em particular, tenham adquirido alguma express�o hipoteticamente universal, � altamente recomend�vel que se examine a signific�ncia atual do fair play a partir de um cen�rio cultural multidimensional.” (p. 178)

Em outro trabalho Tavares (2003) cita o fil�sofo alem�o Gunter Gebauer para discutir o paradoxo inerente ao esporte que associa a ‘liberdade de excesso’ (altius, citius, fortius) e o cavalheirismo (fair play) por serem dificilmente compat�veis diante das codifica��es �ticas e princ�pios morais em um campo onde o que prevalece s�o as a��es pr�ticas. H� condi��es objetivas que levam a essa conclus�o.

“Mesmo quando as regras n�o mudam ou mudam pouco, o desenvolvimento da prepara��o f�sica, o aumento da ‘seriedade’ da competi��o e toda a carga de mudan�as competitivas trazida pela crescente l�gica profissional do esporte, determinam uma din�mica e um sentido novos que fazem um mesmo esporte se tornar um jogo bastante diferente. A busca pela vantagem, por sua chance, � o que determina a perspectiva interna que um atleta tem na situa��o competitiva, a maneira como organiza a��es e a quantidade e a qualidade dos recursos que ele mobiliza para atingir seus objetivos.” (p.102)

Diante do universalismo sugerido e desejado pelo Olimpismo seria de se esperar que o multiculturalismo fosse contemplado em respeito aos diversos atores sociais que protagonizam os Jogos Ol�mpicos, a principal manifesta��o do Movimento Ol�mpico. N�o obstante, assim como o ideal de amadorismo, o fair play foi concebido a partir de uma perspectiva cultural dominante, e como decorr�ncia natural euroc�ntrica (ou angloc�ntrica), em um momento em que a estrutura e organiza��o ol�mpicas restringiam-se a um pequeno grupo de pessoas que tinham a si pr�prios como refer�ncia para a cria��o de regras.

Diante desse quadro, Abreu (1999:75) destaca que

“O Olimpismo e, conseq�entemente, suas bases multiculturais guardam conceitos tradicionalmente transmitidos pela cultura universal e posi��es contestadoras referentes a problemas atuais. Portanto, conforme a experi�ncia hist�rica, a atividade esportiva � ensinada e vivida de forma diferente em cada sociedade, sendo interpretada segundo valores da cultura local.”

A atividade esportiva, bem como a competitiva, s�o cria��es culturais localizadas hist�rica e geograficamente. A universalidade desejada � constru�da demandando tempo para a sua assimila��o. Um exemplo dessa din�mica s�o as regras para a aceita��o de uma nova modalidade esportiva em Jogos Ol�mpicos.

Conforme a Carta Ol�mpica (2001: 78) para que uma modalidade esportiva venha a fazer parte dos Jogos Ol�mpicos � preciso que ela seja praticada em um m�nimo de setenta e cinco pa�ses em quatro continentes para homens e em, no m�nimo, de quarenta pa�ses de tr�s continentes para mulheres. Essas modalidades ter�o, em um primeiro momento, apenas car�ter de exibi��o, e em sendo reconhecidas e aprovadas passam a fazer parte do programa oficial.

Os estudos sobre o fair-play t�m recebido a aten��o de estudiosos do Olimpismo preocupados com as transforma��es que v�m ocorrendo nas regras e conduta dos praticantes das diversas modalidades esportivas, bem como do avan�o dos estudos culturais (Lenk, 1986; Loland, 1995; Mangan, 1996; Marivoet, 1998; Tavares, 1999.b). Isso porque o pr�prio Movimento Ol�mpico criou padr�es, normas e orienta��es que norteiam e influenciam a pr�tica e o entendimento do esporte, tanto por parte de quem o pratica como de quem o assiste.

Para Gebauer a id�ia de cavalheirismo e fair play formuladas por Coubertin funcionam como uma ideologia que n�o permite ao atleta explorar o limite das possibilidades de uma competi��o. Sendo assim, o r�gido c�digo de conduta a que s�o submetidos os participantes de um embate � ‘injusto e intelectualmente desonesto’ para o esporte moderno e para a cria��o de uma atmosfera intelectual nos Jogos. �, contudo, a ‘perspectiva interna do praticante’, a partir de uma moral egoc�ntrica, que permitir� a cria��o de valores culturais, ou sua destrui��o. Sobre esses valores morais Gebauer afirma:

“Elas podem ser julgadas triviais, mas tamb�m podem enriquecer a imagem do ser humano. O reconhecimento desta moral vai depender de at� que ponto a sagacidade � valorizada e at� que ponto as inten��es do esporte e os objetivos do Movimento Ol�mpico parecem desej�veis.” (apud Tavares, 2003:102-103)

A compreens�o e aplica��o do fair play envolvem elementos emocionais e cognitivos que levaram Lenk (1986) a postular duas manifesta��es poss�veis: o fair-play formalqueest� relacionado diretamente ao cumprimento de regras e regulamentos escritos e formalizados que o participante da competi��o deve cumprir, em princ�pio, sendo considerado como uma ‘norma obriga��o’ (must norm). � o comportamento normatizado, caracterizado como um comportamento objetivo; o fair-play n�o formalligado ao comportamento pessoal e aos valores morais do atleta e daqueles envolvidos com o mundo esportivo. N�o est� limitado por regras escritas e � legitimado culturalmente. A aus�ncia de uma regulamenta��o oficial confere a ele um car�ter subjetivo. � o comportamento efetivo influenciado pelos estados emocionais e motivacionais.

Apesar de caracterizado por uma abordagem normativa e conservadora do comportamento atl�tico, o fair-play serviu durante longo per�odo como orienta��o para os protagonistas do espet�culo esportivo, ainda que n�o fosse seguido durante todo o tempo.

Assim como o conceito de amadorismo foi abolido do Olimpismo, assiste-se a mudan�as no que se refere ao fair-play. Tavares (1999.b: 190) justifica essa transforma��o porque

“o esporte vem sofrendo deslocamentos de sentido nos �ltimos trinta anos, apontando para uma poss�vel relativiza��o dos valores tradicionais ligados � pr�tica esportiva, entre eles o fair-play.”

O autor tenta justificar essa guinada situando, principalmente, o fair-play dentro de uma nova ordem cultural.

� preciso discutir, entretanto, a motiva��o intr�nseca do Olimpismo atual que est� pautada na pot�ncia comercial que o COI se tornou. Dentre os muitos interesses que cercam o cumprimento de normas ou uma atitude cavalheiresca com um advers�rio est�o os interesses de empresas e meios de comunica��o de massa respons�veis pela divulga��o e espetaculariza��o do evento esportivo.

Sens�vel � transforma��o irrefre�vel que os Jogos Ol�mpicos v�m sofrendo Tavares (1999.b) considera que

“talvez o pr�prio conjunto de valores do fair-play necessite ser repensado em fun��o de um cen�rio cultural bastante diverso do ambiente aristocr�tico do s�culo passado em que surgiu o Olimpismo, incorporando novos valores sociais contempor�neos ao mesmo tempo que mantendo seus elementos essenciais, numa articula��o entre tradi��o e mudan�a.” (p. 190)

Parece acaso, mas o lapso temporal apontado pelo autor coincide com o fim do amadorismo e o in�cio do profissionalismo no esporte, conferindo uma nova moral, ao Olimpismo. E mais uma vez os ideais ol�mpicos Coubertinianos s�o postos � prova.

De 1896 em Atenas a 2000 em Sydney, os Jogos Ol�mpicos cresceram em n�mero de pa�ses e atletas participantes e em import�ncia. Tornaram-se um evento significativo tanto do ponto de vista esportivo, como econ�mico e pol�tico. J� n�o possui o purismo sonhado por Coubertin, que idealizava o esporte como um momento de celebra��o quase religiosa entre os povos. Na atualidade os Jogos Ol�mpicos s�o o principal evento esportivo competitivo do mundo, principalmente naquilo que se refere a �ndices de desempenho atl�tico, n�mero de provas, de modalidades, de esportistas e de pa�ses participantes, al�m de ser um evento com forte apelo tur�stico e comercial.

Contribuiu grandemente para essa transforma��o o advento das transmiss�es televisivas, principalmente ao vivo a partir de 1960 em Roma, que permitiram o acompanhamento em tempo real das fa�anhas realizadas nas pistas, quadras, piscinas e gin�sios, por atletas que come�aram a ver seus pap�is transformados ao longo do s�culo XX (Rubio, 2001).

Marivoet (1998) considera que o desenvolvimento do modelo profissional de atua��o esportiva deve ser considerado um dos principais perturbadores do fair play. Isso porque ao n�vel da mais alta competi��o que o profissionalismo imp�e a dedica��o em tempo integral a que o atleta � submetido, exige contrapartidas pecuni�rias que assumem elevadas somas em algumas modalidades.

O amadorismo

Como j� discutimos anteriormente, o esporte foi originalmente concebido como uma pr�tica tipicamente aristocr�tica e da alta burguesia, tido como uma atividade de �cio e um meio de educa��o social dos filhos dessas classes sociais, fato que sofreu grandes transforma��es com a massifica��o do esporte.

Essa concep��o levou o atleta amador a ser definido como aquele que

“Pratica esporte apenas por prazer e para usufruir t�o somente dos benef�cios f�sicos, mentais e sociais que derivam dele e cuja participa��o n�o � nada mais do que recrea��o sem ganho material de nenhuma natureza, direta ou indireta.” (Bastos, 1987: 75)

Posto que organizadores e praticantes do esporte criaram e defenderam o esporte como uma atividade de poucos e para poucos n�o � de se estranhar que o amadorismo tenha se constitu�do como um dos pilares fundamentais sobre qual se assentou o Movimento Ol�mpico. Preocupados com a perda do controle da pr�tica esportiva origin�ria em seus dom�nios, aristocratas e burgueses lan�aram-se em defesa dessa atividade alegando que a permiss�o para o seu exerc�cio seria dada apenas �queles que pudessem t�-la para uso no tempo ocioso, distanciando o trabalhador da participa��o em esportes institucionalizados e dos Jogos Ol�mpicos.

Embora associado a uma atividade n�o remunerada, o conceito de amadorismo viu-se envolvido em ambig�idades devido �s transforma��es sociais ocorridas ao longo do s�culo XX. Uma das quest�es principais dessa discuss�o se deu ap�s a entrada dos pa�ses do bloco socialista nas disputas ol�mpicas. Para o mundo capitalista parecia n�o haver dificuldades em identificar amadores e profissionais. Amador era todo aquele atleta que n�o recebia qualquer bem ou valor em troca de sua atua��o esportiva. Profissional, por sua vez, tinha a sua for�a de trabalho, a performance, paga pelos clubes que negociavam passes e sal�rios, gerando a raz�o de ser do capitalismo: o lucro. J� para os participantes do chamado bloco do leste, o argumento da socializa��o dos meios de produ��o era utilizado para negar a exist�ncia de profissionais do esporte, afirmando a condi��o amadora de todos seus atletas-cidad�os.

Diante disso, afirmam Salles e Soares (2002), o status de atleta estava relacionado com uma atitude do esportista, representava um estilo de vida e diante da din�mica das rela��es internacionais passou a ser determinado por quest�es internas dos diversos Estados participantes dos Jogos Ol�mpicos.

“Portanto, os valores estabelecidos sobre amadorismo s�o apropriados em diferentes contextos, n�o aceitando as mesmas determina��es em todos os pa�ses devido ao fato das estruturas pol�ticas e culturais serem distintas.” (p. 438)

O amadorismo foi no passado tema t�o tabu quanto o uso de subst�ncias dopantes, considerado uma virtude humana e condi��o sine qua non para qualquer atleta ol�mpico. Mas, mais que um valor �tico essa imposi��o era um qualificador pessoal e social dos atletas que se dispunham a seguir a carreira esportiva (Rubio, 2002.b).

Envolvida em uma discuss�o ideol�gica tanto para os que defendiam esse princ�pio como para os que o atacaram, a hist�ria ol�mpica contempor�nea est� pontuada por ocorr�ncias que demonstram o uso parcial desse preceito.

Entre os muitos casos de falta de amadorismo um dos mais destacados se deu nos Jogos Ol�mpicos de Estocolmo, em 1912, quando um americano de origem ind�gena chamado Jim Thorpe perdeu suas duas medalhas de ouro no pentatlo e no decatlo, acusado de competir pela liga profissional americana de football entre os anos de 1909 e 1910.

L�pez (1992), bem como Cardoso (2000), classificam essa atitude menos ol�mpica do que racista, visto que um outro medalhista ol�mpico, o ginasta italiano Alberto Braglia, havia passado os quatro anos que separaram os Jogos Ol�mpicos de Londres-1908 a Estocolmo-1912 trabalhando como acrobata de circo, fazendo uso de suas atribui��es e habilidades esportivas. Foram necess�rios 70 anos para que o COI revisse o ocorrido e reabilitasse Jim Thorpe. No ano de 1982, as medalhas confiscadas do campe�o ol�mpico foram entregues a seus filhos, em um ato de reconhecimento pelos feitos atl�ticos do pai e de revis�o de decis�o que n�o em tese, mas de fato, feriam o esp�rito ol�mpico. Thorpe havia morrido alguns anos antes como indigente, pobre e esquecido.

Embora epis�dios como esse fizessem o tema amadorismo freq�entar com const�ncia as reuni�es e congressos do Comit� Ol�mpico Internacional, para Coubertin a quest�o n�o era de toda solucionada a ponto de faz�-lo se posicionar claramente. Tanto � assim que quando em Antu�rpia-1920 pela primeira vez se hasteou a rec�m criada bandeira ol�mpica e se prestou, tamb�m pela primeira vez, o juramento ol�mpico, ambos obra de Pierre de Coubertin, nenhuma refer�ncia se fazia ao amadorismo ou profissionalismo, mas sim se prometia respeito aos regulamentos.

Em seu livro de mem�rias publicado em 1997 Coubertin finalmente esclarece sua posi��o sobre o tema. Deixa claro que a quest�o do amadorismo n�o era central para si, mas diante da import�ncia que adquiria para a comunidade brit�nica e do peso pol�tico desse grupo dentro do Comit� Ol�mpico Internacional, era ent�o necess�rio tomar uma atitude contra o ‘perigo’ que o profissionalismo poderia representar para os Jogos Ol�mpicos.

“Pessoalmente, eu n�o estava particularmente preocupado com isso (o amadorismo). Hoje eu posso admitir: essa quest�o nunca realmente me preocupou. Ela servia como pano de fundo para reunir os participantes do Congresso que tinham por objetivo recriar os Jogos Ol�mpicos. Diante da import�ncia do tema nos c�rculos esportivos, eu sempre apresentei o entusiasmo necess�rio, mas era um entusiasmo sem convic��o real. Minha pr�pria concep��o de esporte sempre foi diferente de um grande n�mero de membros da Academia – sen�o da maioria. Para mim o esporte era uma religi�o, com suas igrejas, seus dogmas, seus servi�os... mas, acima de tudo um sentimento religioso... Os ingleses eram particularmente sens�veis a essa quest�o. Era um sinal e um press�gio do poder do Comit� Ol�mpico Internacional quando eles voltaram a pedir ajuda.”(M�ller, 2000: 653-654)

At� ser superado definitivamente pelo profissionalismo, o amadorismo foi tratado como uma quest�o central do Olimpismo, conforme atestam as palavras de Coubertin.

Tanto foi assim que em outra passagem de suas mem�rias Coubertin frisa uma vez mais seu desapego a esse ideal e entende que essa discuss�o camuflava outras quest�es centrais do Olimpismo, que ganhavam vulto, na medida que os Jogos Ol�mpicos cresciam em visibilidade e import�ncia.

“�Siempre el amateurismo! Hac�a ahora diecis�is a�os que hab�amos pretendido ingenuamente acabar con el problema, y he aqu� que segu�a candente, id�ntico e inalcanzable: un aut�ntico bal�n de waterpolo con esta peculiar manera de resbalar y escurrirse bajo la presi�n de la mano, como el gato, alej�ndose unos metros. Personalmente, ello me ten�a sin cuidado; hoy me atrevo a confesar con franqueza que este asunto jam�s me ha apasionado. Desde luego, me sirvi� de pretexto para convocar el Congreso destinado a restablecer los Juegos Ol�mpicos. Viendo la importancia que se le atribu�a en los medios deportivos, le dediqu� la m�xima atenci�n pero era un celo sin convicci�n real”(Coubertin, 1989:65).

Alguns autores chegaram a afirmar que essa quest�o poderia comprometer a pr�pria raz�o de ser do Movimento Ol�mpico, caso suas bases n�o fossem revistas.  � o caso de Donnely (apud Gomes & Tavares, 1999) para quem o amadorismo � fundamental para o Olimpismo. Embora seu desenvolvimento tenha se dado dentro de um contexto bastante espec�fico – uma Inglaterra regulada pela moral vitoriana – veio a sofrer verdadeira muta��o com o estabelecimento de uma rela��o causal entre dinheiro e desempenho esportivo. Por isso, o Olimpismo � para esse autor, uma atitude em extin��o no mundo ol�mpico

“mais do que solidariedade e respeito m�tuo, o principal referencial para a realiza��o do esporte de alta competi��o atualmente � a capacidade de gerar remunera��o financeira para todos os envolvidos direta ou indiretamente.” (p. 248)

Como conseq��ncia desse processo e do esfor�o de muitos, o amadorismo foi sendo esquecido como um dos elementos fundantes e fundamentais do Olimpismo no final da d�cada de 1970, emergindo um movimento de disfarce de atletas em funcion�rios de empresas para que escapassem � condi��o de profissionais do esporte. Esse esfor�o foi substitu�do definitivamente e com sucesso pelos contratos com patrocinadores e empresas interessadas em investir no esporte, surgindo a partir da� outros tipos de problema.

Muitos foram os valores implicados nessa mudan�a. A transforma��o do espet�culo esportivo em um dos neg�cios mais rent�veis do planeta foi talvez a principal motiva��o para a reconsidera��o sobre o que era e qual a finalidade do amadorismo na participa��o do atleta em Jogos Ol�mpicos.

A profissionaliza��o acabou por imprimir uma grande altera��o na organiza��o esportiva tanto do ponto de vista institucional como na atividade competitiva em si, levando o esporte a se tornar uma carreira profissional cobi�ada e uma op��o de vida para jovens habilidosos e talentosos.

A competi��o atl�tica ganhou visibilidade e complexidade ao se tornar espet�culo esportivo e produto da ind�stria cultural. E assim, interesses econ�micos aliados a disposi��es pol�ticas e interven��o estatal produziram e refor�aram uma das institui��es mais robustas do planeta.

Conforme Bourdieu (1993) algumas chaves constitutivas do dispositivo esportivo, esbo�adas no s�culo XIX, n�o se transformaram plenamente at� meados do presente s�culo. Uma das mudan�as mais significativas teve rela��o com a crescente interven��o do Estado, isso porque a esportiviza��o da sociedade constitui uma parte importante da interven��o e do desdobramento de distintas ag�ncias que, durante sua atua��o, se autodefiniam e recriavam. Al�m disso, a filosofia do amadorismo, que dominou o Olimpismo praticamente at� os Jogos Ol�mpicos de 1984, em Los Angeles, tratou sempre de apresentar as pr�ticas esportivas independentes dos poderes p�blicos, como produto da iniciativa individual e do associacionismo volunt�rio.

Os protagonistas do espet�culo esportivo s�o na sociedade contempor�nea figuras espetaculares, por realizarem feitos incomuns aos cidad�os m�dios, e p�blicas, por serem alvo de proje��o e de identifica��o, principalmente pela popula��o infantil e jovem. Esses olimpianos, como os designaria Morin (1997) s�o o exemplo de um profissional poss�vel em um mundo onde o trabalho se torna escasso.

No entender de Brohm (1993) o atleta competitivo � um novo tipo de trabalhador que vende a um patr�o – clubes e patrocinadores – sua for�a de trabalho que � um espet�culo capaz de atrair multid�es a espa�os p�blicos ou de reter milh�es de telespectadores diante de um aparelho eletr�nico. O valor de troca de sua for�a de trabalho, regulado pelas leis de oferta e procura do mercado, est� determinado pelo tempo de trabalho socialmente necess�rio para sua fabrica��o. O amadorismo deixou de existir quando esse trabalhador do esporte teve agregado ao seu esfor�o o distintivo de um clube ou a logomarca de uma empresa.

Enquanto ideal ol�mpico o amadorismo constitu�a um imperativo de igualdade de circunst�ncias entre os atletas. Ainda que desde cedo n�o tenha tido efic�cia pr�tica, Marivoet (1998) afirma que o princ�pio que lhe subsiste tem sido remetido para a diferencia��o dos quadros competitivos, de acordo com as especificidades dos atletas e das suas compet�ncias, de modo a garantir uma posi��o mais igualit�ria, assim como um maior equil�brio na dimens�o competitiva.

A atividade esportiva como profiss�o � um fen�meno recente, posto que a profissionaliza��o no esporte, exceto para o futebol onde isso j� ocorria, s� se tornou uma realidade a partir do in�cio da d�cada de 1980. O marco desse evento coincide com os Jogos Ol�mpicos de Los Angeles e os procedimentos que marcaram essa pr�tica nas na��es ricas do planeta, com fortes investimentos privados e p�blicos, diferem em muito dos pa�ses pobres ou em desenvolvimento onde o esporte ainda se estrutura em bases amadoras e/ou familiares.

O profissionalismo

A inten��o de limitar o esporte a nobres e aristocratas intentava sobreviver dentro de uma concep��o anacr�nica de amadorismo derivada, em parte, de conceitos medievais de hierarquia social, em parte do ideal renascentista de habilidades plurais sem pr�ticas espec�ficas.

Defendido arduamente por nobres e aristocratas, o amadorismo foi enfrentado ainda no s�culo XIX, justamente na modalidade que sintetiza a organiza��o do esporte moderno.

Dunning e Sheard (1976) analisaram a cis�o do esporte ingl�s em 1895 quando dissidentes do Rugby Football Union (RFU) fundaram a Rugby League Professional (RLP). O conflito imediato surgiu por causa do r�gido senso de amadorismo da RFU a qual n�o admitia qualquer tipo de pagamento para seus atletas e clubes por treinos e jogos, exceto medalhas. A quest�o central desse procedimento era a natureza social do esporte como institui��o. O centro dessa controv�rsia era o receio de nobres, aristocratas e alta burguesia ver a pr�tica esportiva cair nas m�os da classe oper�ria, principalmente na regi�o industrial inglesa, ao norte. Em outras palavras, ainda que a elite das public schools tendia a racionalizar seu ethos no esporte stricto senso, grande parte deles desejava preservar as caracter�sticas originais do esporte carregadas das hostilidades regionais e de classe. A condi��o amadora era um instrumento de estado de guerra de classes.

A exclusividade e a apropria��o da pr�tica esportiva deixou de existir na medida em que ela se tornou uma manifesta��o cultural maior que a express�o de um valor social. Guttmann (1992) lembra que uma forma dos players (como eram chamados os profissionais) se distinguirem dos gentlemen (amadores sem qualquer atividade remunerada) foi a apropria��o lenta e sistem�tica de atividades esportivas competitivas que culminaram nos Jogos dos Trabalhadores no ano de 1920. Organizado pelos socialistas europeus esses Jogos tinham por finalidade democratizar a pr�tica esportiva competitiva, uma vez que a busca de bons resultados e �ndices estavam levando os atletas a se especializarem e se dedicaram com exclusividade � pr�tica esportiva, impedindo o trabalhador de participar de forma igualit�ria do processo. Esses Jogos viriam a se repetir nos anos de 1929, 1933 e 1937 com grande sucesso de p�blico e de participantes, tendo sido interrompidos em fun��o da guerra.

Os Jogos Ol�mpicos da Era Moderna atravessaram o s�culo XX e sobreviveram a duas Grandes Guerras, dois boicotes declarados e alguns disfar�ados, mas n�o suportou a for�a do poder financeiro que prevaleceu sobre o esp�rito do amadorismo ap�s os Jogos de Los Angeles – 1984. Entre os v�rios motivos que favoreceram essa abertura est� a falta de entendimento generalizado do que seja a condi��o amadora.

Guttmann (1976) profetizou o que ocorreria com o esporte a partir do entendimento que pa�ses capitalistas e socialistas tinham sobre o papel desempenhado por seus atletas no cen�rio ol�mpico.

“As na��es do bloco capitalista devem abolir a distin��o entre amadorismo-profissionalismo na presente forma porque ela � t�o antiga quanto anacr�nica e tamb�m porque ela tem sido corro�da pela hipocrisia e falsidade da pr�tica das na��es comunistas nas quais os ‘amadores’ t�m mais tempo para o esporte do que nossos ‘profissionais’.” (p. 32)

A disparidade provocada em algumas modalidades pela utiliza��o de atletas do bloco socialista em disputas ol�mpicas levou � altera��o da regra do futebol nos Jogos de Los Angeles – 1984 quando poucos meses antes da competi��o a FIFA proibiu a participa��o nos Jogos Ol�mpicos de atletas que j� haviam disputado alguma Copa de Mundo independente da idade. A quest�o n�o era complexa. As sele��es que disputavam a competi��o ol�mpica dispunham de atletas jovens, talentosos, mas com pouca experi�ncia. Quando em disputa com as sele��es dos pa�ses do bloco socialista a disparidade f�sica ficava evidente, bem como os v�rios anos a mais de vida e de carreira. O argumento da falta de paridade prevaleceu. Isso levou, no caso do Brasil, � dissolu��o da equipe que j� se preparava para a competi��o, com v�rios atletas ainda jovens, mas com experi�ncia profissional em Copa e o convite, primeiro ao Fluminense do Rio de Janeiro, e posteriormente ao Internacional de Porto Alegre para representar a sele��o nacional.

Outro elemento que n�o pode ser desprezado na transforma��o dos valores do amadorismo foi a possibilidade de transmiss�o televisiva a partir dos Jogos de Roma. Uma cadeia transnacional de televis�o transmitiu os jogos ao vivo para 200 milh�es de espectadores em dezenove pa�ses da Europa Ocidental. Estados Unidos e Jap�o tamb�m puderam assistir �s imagens das competi��es por videoteipe, o que rendeu ao COI na �poca a quantia de 50 mil d�lares. Nos Jogos de T�quio-1964 a transmiss�o seria via sat�lite, ao vivo e em cores e abrangeria os Estados Unidos, a Europa e o Jap�o e o valor pago ao COI foi de 65 mil d�lares. Nas edi��es subseq�entes dos Jogos Ol�mpicos os valores n�o pararam de crescer, superando a marca do milh�o nos Jogos de Sydney-2000. A televis�o passaria a incorporar o espet�culo ol�mpico tanto quanto os pr�prios atletas (Cardoso, 2000).

No gr�fico abaixo � poss�vel observar a evolu��o da participa��o da televis�o nos Jogos Ol�mpicos nas duas �ltimas d�cadas.

Gr�fico 1. Valores pagos pela transmiso dos
Jogos Olímpicos, 1980-2008 (em U$ milhões)

Quais as causas que levaram os ingleses a desenvolverem um modelo de colonização diferente ao que foi proposto pelo modelo ibérico?
Fonte: Krajewski, Guimar�es e Ribeiro (2003: 215).

Uma nova ordem comercial se estabeleceu com a entrada da televis�o no mundo ol�mpico. A visibilidade que os atletas ganharam estimularam empresas comerciais a terem suas marcas associadas �queles seres sobre-humanos capazes de realiza��es incomuns. Diante do risco que a celebra��o de contratos podia representar para a carreira dos atletas, o caminho era burlar as normas por meio de atitudes inusitadas. Foi o que fez Mark Spitz nos Jogos de Munique-1972 que tendo se destacado como ganhador de sete medalhas de ouro com sete recordes, um feito nunca antes realizado por nenhum atleta, subiu ao p�dio com um par de t�nis... no pesco�o. Embora com o mundo a seus p�s era na por��o superior do corpo que sua marca ganhava destaque.

Simons e Jennings (1992) tornaram-se ilustres no meio esportivo n�o por serem jornalistas competentes, mas principalmente por apontar em uma obra contundente The lords of rings (e n�o confundi-la com a obra hom�nima de J. R. R. Tolkien) como o poder econ�mico minava os ideais ol�mpicos t�o duramente defendidos por Pierre de Coubertin ao longo de sua vida. A quest�o central dessa investiga��o era a rela��o pr�xima e discut�vel entre o COI, a FIFA e a Adidas e os benef�cios pessoais que essa associa��o estava proporcionando. Parecia dif�cil admitir que diante da nobreza da proposta ol�mpica justamente a corrup��o, e n�o exatamente o profissionalismo ou o doping, pudesse manchar a honra de uma institui��o internacionalmente respeitada.

Tavares (2003), em um trabalho sobre a democracia dentro do Comit� Ol�mpico Internacional e suas inst�ncias de poder, discute essa quest�o a partir do esc�ndalo da escolha da cidade de Salt Lake City como sede dos Jogos de Inverno-2002, ocasi�o em que diversos membros do comit� respons�vel pela vistoria das cidades candidatas foram subornados, colocando em risco a idoneidade da institui��o.

Outro fato que levou � busca da profissionaliza��o n�o apenas entre os atletas, mas � estrutura do Comit� Ol�mpico Internacional como um todo, foi o crescente gigantismo dos Jogos Ol�mpicos. A necessidade de uma ampla infra-estrutura para realiza��o das competi��es, bem como a acomoda��o de milhares de atletas, turistas e t�cnicos de apoio atrelaram a realiza��o dos Jogos � boa vontade governamental dos pa�ses no qual eles ocorressem. Essa din�mica foi mantida at� o Jogos de 1976. Montreal apresentava a particularidade de ser uma cidade representativa da por��o franc�fona canadense e, portanto, minorit�ria dentro do pa�s. As diferen�as entre as comunidades e as rivalidades pol�ticas levaram o governo federal a advertir os organizadores dos Jogos que nenhum centavo seria destinado a obras para essa finalidade. Embora recebesse 34,5 milh�es de d�lares pelos direitos de transmiss�o pela televis�o, o governo local amargou um preju�zo de aproximadamente 1,7 bilh�o de d�lares, transformado em impostos que a comunidade quebecoise pagou at� o ano de 2000 (L�pez, 1992; Cardoso, 2000)

Depois dessa experi�ncia era certa a necessidade de buscar novas estrat�gias para o futuro dos Jogos Ol�mpicos, que come�ava a ganhar novos contornos com os boicotes promovidos pelos Estados Unidos e seus aliados em 1980 e, posteriormente, pela Uni�o Sovi�tica e pa�ses do bloco socialista em 1984 e com a elei��o de Juan Antonio Samaranch para a presid�ncia do COI em 1980.

A entrada de grandes empresas no financiamento dos Jogos parecia inevit�vel diante das necessidades impostas � cidade-sede. Los Angeles-1984 serviu como um laborat�rio para essa experi�ncia. Naquela ocasi�o, apesar do boicote, o governo norte-americano n�o retirou nenhuma quantia dos cofres p�blicos para a realiza��o de obras. Por sua vez o marketing esportivo mostrava sua raz�o de existir promovendo a capta��o de recursos suficientes para cobrir todas as despesas e ainda render lucro a seus organizadores. Abrira-se o caminho para novos rumos ol�mpicos que n�o haveria de ter volta.

Nos Jogos de Seul-1998 atletas e equipes experimentaram ousar sua capacidade de fazer brilhar a marca de seus patrocinadores, mas foram os Jogos Ol�mpicos de Barcelona-1992 que apresentaram o s�mbolo da profissionaliza��o do esporte: o time de basquete norte-americano, chamado de dream team. Origin�rios de um pa�s com uma institui��o chamada NBA (National Basketball Association) que promovia um campeonato com 27 times e pagava os mais altos sal�rios do planeta para atletas, Michael Jordan, Magic Johnson e Larry Bird entre outros participaram dos Jogos Ol�mpicos n�o para ganhar uma medalha de ouro, que ningu�m duvidava que fosse deles, mas para divulgar ao mundo um grande campe�o de vendas, o campeonato norte-americano de basquetebol.

Embora fosse apresentado como o s�mbolo da profissionaliza��o dos Jogos Ol�mpicos outras modalidades associadas ao mundo do esporte profissional tamb�m foram admitidas pela primeira vez em Barcelona. Foi o caso de ciclistas envolvidos em provas como a volta da Fran�a, dona do maior pr�mio em dinheiro da modalidade, e dos tenistas melhores colocados no ranking mundial, que deixaram de se hospedar em hot�is luxuosos para se hospedar na vila ol�mpica.

Vale lembrar que Pierre de Coubertin, no Congresso Ol�mpico de Praga, em 1925, buscou sintetizar as quest�es relacionadas ao amadorismo apontando que profissionalismo n�o era apenas o ato de ter seu desempenho esportivo pago com dinheiro, mas tamb�m receber benef�cios, como hospedagem em locais por demais luxuosos.

Na l�gica interna do esporte contempor�neo especializa��o e profissionaliza��o s�o inevit�veis. Desde que a capacidade atl�tica em uma variedade de esportes tornou-se incompat�vel com a alta performance, a especializa��o tornou-se inevit�vel. Dentre os aspectos mais perversos que a busca de resultados tem proporcionado para o movimento ol�mpico, o doping tem despontado como a quest�o principal a ser superada no momento contempor�neo.

A origem da utiliza��o do termo doping no esporte � contada por Cagigal (1996) como estando relacionado �s corridas de cavalos, primeiro esporte em que se utilizou f�rmaco clandestinamente para conseguir que um determinado cavalo corresse mais lento e perdesse. Hoje este termo designa a ingest�o de medicamentos usados por certos atletas para conseguir justamente o contr�rio: tentar ganhar.

Espera-se que uma competi��o seja pautada pela igualdade de oportunidades, baseada no desinteresse para al�m da competi��o em si mesma, onde vence o melhor, aquele que re�ne mais compet�ncias e quem mais trabalhou para alcan�ar o resultado. Na atualidade essas expectativas nem sempre s�o verdadeiras: a utiliza��o de subst�ncias dopantes e o seu refinamento, que leva � inviabiliza��o de sua detec��o, desvirtuam o sentido de igualdade que norteia a competi��o.

Existem diferentes motivos competindo pelo comportamento do indiv�duo, e aquele ao qual for atribu�do maior significado passar� a influenciar sua atitude. Uma vis�o que tem prevalecido no esporte � a de que as metas dos atletas se concentram na competi��o e na conquista de marcas sempre superiores. O corpo deste individuo � considerado somente um instrumento para conseguir estes fins (Rodr�guez, 1987). Isso vem ao encontro da proposta do esporte atual que privilegia a competi��o. Quando um atleta tem determina��o por vencer a qualquer pre�o e a institui��o e equipe que o cercam compartilham desse esp�rito, alguns excessos podem ser cometidos, fazendo com que valores �ticos sejam preteridos. Assim, a auto-manipula��o hormonal mostra-se como um meio eficaz para a supera��o dos obst�culos que se apresentam (Miah, 2003.a.; 2003.b.). H� uma id�ia no esporte de alto rendimento a respeito do perfil do atleta que busca subst�ncias proibidas: envolvido com o objetivo, o primeiro compromisso desse tipo de atleta � consigo mesmo, depois com os demais e por �ltimo, com o regulamento, inviabilizando qualquer aplica��o do princ�pio de fair play (Calderon, 1999).

A raz�o f�sica para o uso de drogas e mais recentemente, pela remodela��o gen�tica (Miah, 2003.b.) � melhorar o desempenho, dando-lhe um maior poder competitivo. A raz�o psicol�gica de dopar-se reflete em sua raiz um alto grau de exig�ncia (intr�nseca e extr�nseca) e de responsabilidade, que leva o atleta a utilizar estimula��o artificial optando por uma conduta que lhe fa�a se sentir menos inseguro, diante das pr�prias expectativas e de muitas outras pessoas, principalmente pertencendo a uma sociedade que criou como par�metro produtivo a realiza��o de resultados - e no esporte essa l�gica � imediata e evidente. Al�m disso, quando um atleta faz uso de subst�ncias proibidas ele busca n�o somente a vit�ria e o prazer que esta lhe proporciona, mas o pareamento com retribui��o financeira e prest�gio social. 

Com o fim do amadorismo, o esporte converteu-se em um meio de vida, uma atividade profissional: homens de excepcionais dotes para a luta ou para a corrida passam a receber altas somas financeiras comprometendo-se a realizar determinadas atua��es. Buscando responder a essas exig�ncias, nos �ltimos anos os campe�es do esporte passaram a ser transformados em rendosas mercadorias que s�o vendidas e negociadas em diversos pontos do planeta (Thomas, Haumont e Levet, 1988; Rubio, 2002.b; Silva e Rubio, 2003).

Os atletas de alto n�vel, igual aos demais profissionais destacados em suas profiss�es, permanecem em uma luta constante por sua posi��o; o que os difere de demais categorias, � a interdepend�ncia entre seu rendimento, o qual t�m de maximizar em curtos per�odos de tempo, e a capacidade de seu corpo, considerando a brevidade de suas carreiras (Gonz�lez, Ferrando e Rodr�guez, 1998).

Na transforma��o da pr�tica da condi��o amadora para a profissional, n�o foram apenas os valores nobres e aristocr�ticos que se perderam. A cria��o de uma nova ordem ol�mpica indicava que o mundo do s�culo XX havia passado por grandes e profundas mudan�as tanto do ponto de vista pr�tico como moral. O atleta profissional n�o � apenas aquele que tem ganhos financeiros pelo seu trabalho. Ele � tamb�m a representa��o vitoriosa de marcas e produtos que querem estar vinculados � vit�ria, � conquista de resultados.

Para Guttmann (1976) o profissional deve ser definido como aquele que recebe uma compensa��o pecuni�ria pelo que faz por ter sua vida direcionada para a pr�tica do esporte. Por muito tempo a especializa��o (codinome da profissionaliza��o) foi o resultado das tens�es geradas pela necessidade de disfar�ar a condi��o amadora sob forma de ganhos secund�rios como bolsas de estudos, apoio governamental e generosidade patronal ao inv�s de sal�rio.

O Movimento Ol�mpico no Brasil

Como visto anteriormente a cristande muscular formada nas public schools inglesas levou as empresas e a cultura inglesa, inclusive o esporte, para v�rios pontos do mundo onde o imp�rio pudesse se instalar fosse na Am�rica, na �frica ou na �sia.

Um epis�dio no continente europeu facilitou a chegada inglesa em territ�rio brasileiro. Diante do descumprimento do bloqueio continental (exig�ncia de n�o comercializa��o de produtos ingleses com as na��es europ�ias) imposto por Napole�o Bonaparte, o reino de Portugal se viu amea�ado de ser invadido. E assim, sob a prote��o de uma esquadra inglesa toda a corte portuguesa, incluindo nobres, ministros e funcion�rios embarcou rumo ao Brasil trazendo importantes documentos, bibliotecas, cole��es de arte e as riquezas de particulares e da coroa.

A chegada da fam�lia real portuguesa ao Brasil, em 1808 levou D. Jo�o a executar v�rias medidas econ�micas e pol�ticas. A primeira delas foi a permiss�o para o livre com�rcio com os pa�ses amigos, situa��o que n�o ocorria anteriormente. Esse ato ficou conhecido como Abertura dos Portos e permitiu que o capital e os produtos da Inglaterra, ent�o �nica na��o amiga de Portugal, chegassem em terras brasileiras de forma legal. Nessa esteira vieram os bancos, as empresas do setor t�xtil, as companhias de minera��o e el�tricas, de cabotagem e ferrovi�ria respons�veis por um grande contingente de empregados, mas n�o em n�mero suficiente para a operacionaliza��o de todas as tarefas. Foi assim que os brasileiros, contratados como empregados, se aproximaram dos valores ingleses e tomaram contato com v�rios elementos da cultura brit�nica, inclusive o esporte.

Rufino dos Santos (1981) afirma que em fun��o dessa din�mica come�ou a despontar nas cidades brasileiras com presen�a inglesa clubes de criket e de squash a partir de 1850, geralmente ao lado de uma grande f�brica ou no interior das ch�caras, espa�os dedicados ao encontro da comunidade brit�nica no estrangeiro.

Mas, n�o foi apenas a comunidade brit�nica que trouxe para o Brasil as pr�ticas esportivas. A substitui��o da m�o de obra escrava pela dos imigrantes europeus e asi�ticos favoreceu o contato com atividades desconhecidas da popula��o brasileira, possibilitando a cria��o de clubes e times de diversas modalidades esportivas, em diversas regi�es brasileiras, principalmente no sul e sudeste (Jesus, 2001; Francheschi Neto, 1999).

A Rep�blica foi o per�odo no qual se iniciaram as diversas modalidades esportivas no Brasil, que j� vinham sendo disputadas e praticadas em outros pa�ses. Exerceu papel fundamental nesse processo a chegada ao pa�s da Associa��o Crist� de Mo�os, institui��o de car�ter internacional que tinha o esporte como um elemento de grande import�ncia nos processos sociais e pedag�gicos da juventude (Santos, 2000; Tubino,1992).

No final do s�culo XIX j� se praticava de maneira regular o remo, a nata��o, o basquetebol, o t�nis, o futebol e a esgrima.

Conta Penna Marinho (1979) que o remo era praticado desde o Imp�rio, principalmente no Rio de Janeiro, onde foram fundados, em 1892, o ‘Union des Conotiers’, o Club de Regatas Fluminense e o Clube de Regatas Botafogo e no Rio Grande do Sul o ‘Rude Werein Germania’ e o Grupo de Regatas Rio-grandense. Com a cria��o de v�rios clubes em outros estados foi poss�vel em 1895 ser criada a Federa��o Brasileira de Sociedades de Remo.

A nata��o, embora praticada nas escolas militares, veio a ter car�ter competitivo apenas em 1898, com uma prova de 1.500m, no Rio de Janeiro.

O basquetebol, por sua vez, chegou ao Brasil em 1898, trazido dos Estados Unidos por August Shaw para o Col�gio Mackenzie de S�o Paulo e para a ACM do Rio de Janeiro. O primeiro torneio realizado da modalidade aconteceu em 1915.

De todas as modalidades esportivas, aquela que mais manteve sua origem e tradi��o aristocr�ticas foi o t�nis. Sua implanta��o no Brasil est� associada ao Tennis Clube Walhafa de Porto Alegre, em 1898 e o primeiro torneio realizado, sob os ausp�cios da Liga Metropolitana de Esportes Terrestre, aconteceu em 1915.

Mas, dentre todas as modalidades de origem inglesa, nenhuma outra se adequou tanto � cultura brasileira como o futebol. Rufino dos Santos (1981) afirma que um brasileiro de ascend�ncia inglesa de nome Charles Miller, que n�o gostava de criket, organizou o primeiro team football do Brasil, o S�o Paulo Athletic Club, em 1895. Em 1902 surgiu, no Rio de Janeiro o Fluminense, em 1903, o Fuss-Ball-Club e o Gr�mio Foot-Ball Porto Alegrense, no Rio Grande do Sul, em 1904, o Sport Club de Belo Horizonte, quase que como uma rea��o em cadeia.

Essas s�o indica��es de que no Brasil se produzia um movimento de organiza��o do esporte, consonante com outras na��es, seguindo proximamente o modelo de esporte aristocr�tico. Tubino (1992) aponta dois fatos merecedores de registro que marcaram o in�cio do esporte brasileiro. O primeiro deles foi a outorga do diploma ol�mpico de m�rito do Comit� Ol�mpico Internacional a Santos Dumont, uma das mais c�lebres condecora��es do COI, tendo sido conferida anteriormente apenas ao presidente norte-americano Theodore Roosevelt e ao explorador noruegu�s Fritjof Nansen. Esse honraria tinha como inten��o premiar aqueles que tivessem servido � causa do esporte ou concorrido para a propaga��o do ideal ol�mpico. A segunda foi a primeira participa��o brasileira em Jogos Ol�mpicos na cidade de Antu�rpia, em 1920. Naquela ocasi�o, apesar das poucas condi��es materiais da delega��o brasileira, foi poss�vel conquistar tr�s medalhas ol�mpicas: uma medalha de ouro, com Guilherme Paraense no Tiro (pistola tiro r�pido), uma de prata com Afr�nio Costa tamb�m no tiro (Pistola livre) e uma de bronze na pistola livre por equipe com os atletas Afr�nio Antonio da Costa, Guilherme Paraense, Sebasti�o Wolf, Dario Barbosa e Fernando Soledade.

A participa��o efetiva do Brasil no Movimento Ol�mpico, conforme Franceschi Neto (1999), ocorreu em maio de 1913 quando o ent�o ministro do Brasil na Su��a, Raul do Rio Branco, filho do Bar�o de Rio Branco, foi convidado pessoalmente por Pierre de Coubertin a participar do Congresso Ol�mpico Internacional em Lausanne e posteriormente a fazer parte do Comit� Ol�mpico Internacional na condi��o de representante brasileiro.

Seu pouco conhecimento sobre a realidade esportiva brasileira e as muitas tarefas como diplomata n�o foram argumentos suficientes para convencer o Bar�o de Coubertin da impossibilidade de aceitar o convite. O argumento derradeiro utilizado pelo Bar�o foi a inclus�o do Brasil em um cen�rio internacional j� compartilhado pelas grandes na��es. Embora na Su��a, Raul do Rio Branco fez contato com diversos dirigentes esportivos no Brasil informando sobre sua nova condi��o. Nessa mesma carta sugeriu a cria��o de um Comit� Olympico Nacional (CON), solicitou informa��es sobre a condi��o do esporte brasileiro e pediu sugest�es de nomes de outras pessoas que pudessem vir a compor o quadro de dirigentes do Comit� Ol�mpico Internacional.

Afirma Franceschi Neto (1999) que o diplomata tomou uma atitude de cautela quanto � organiza��o do Movimento Ol�mpico Brasileiro, chegando a sugerir que fosse feito inicialmente a divulga��o dos ideais ol�mpicos para somente ent�o discutir a participa��o brasileira nos Jogos Ol�mpicos.

O Comit� Olympico Nacional, juntamente com a Federa��o Brasileira de Sports que passaria a se chamar Confedera��o Brasileira de Desportos (CBD), foi criado em 8 de junho de 1914, na sede da primeira entidade organizada do esporte brasileiro, a Federa��o Brasileira das Sociedades de Remo, no Rio de Janeiro. Essa reuni�o realizada por iniciativa da Liga Metropolitana de Esportes Atl�ticos contou com a participa��o de representantes de sociedades esportivas brasileiras atuantes na �poca e levou a cria��o do primeiro Comit� Nacional Ol�mpico da Am�rica do Sul. Era uma tentativa, ainda que incipiente, de organizar institui��es e praticantes de esporte que come�ava a ganhar espa�o e destaque nas atividades sociais da �poca e de viabilizar a participa��o do Brasil nos Jogos Ol�mpicos.

O Comit� Olympico Nacional foi constitu�do por representantes de v�rias entidades esportivas de car�ter nacional e contou com a participa��o dos seguintes dirigentes: Automobilismo, Drs.Fernando Mendes de Almeida e Ernani Pinto; Hipismo e Equita��o, Coronel James Andrew, Raul de Carvalho e Tenente Armando Jorge; Turismo, Dr.Candido Menezes de Almeida; Avia��o: Comandante Jorge Moller e Tenente Ricardo Kirck; Sports Athleticos, Dr. Alvaro Zamith, Dr.Mario Pollo e G.de Almeida Brito; Nata��o e Remo, Comandante Raul Oscar de Faria Ramos, Capit�o Ariovisto de Almeida Rego, Dr.Antonio de Oliveira Castro e Alberto de Mendon�a; Tiro, Major Bernardo de Oliveira e Dr.Alberto Pereira Braga; Gymnastica, Pesos e Alteres, J. Pinheiro Barbosa e J.Pedro Dias.

O passo seguinte foi constituir a diretoria que iria assumir a responsabilidade de fincar as bases do Movimento Ol�mpico no Brasil. Ela ficou assim composta:

Quadro 1. 1ª gest�o do Comit� Olympico Nacional

Presidente

Dr.Fernando Mendes de Almeida

1� Vice-presidente

Dr. Alvaro Zamith

2� Vice-presidente

Capit�o Ariovisto de Almeida Rego

Secretario Nacional

Almeida Brito

Secretario de Acta

J. Pinheiro Barbosa

Tesoureiro

Raul de Carvalho

Vale ressaltar que os senhores Almeida Brito e Ariovisto de Almeida Rego viriam fazer parte tamb�m da Confedera��o Brasileira de Desportos, fundada em 1916, afirmando a proximidade e converg�ncia de interesses que existia entre as duas institui��es.

No entanto esse Comit�, presidido por Fernando Mendes de Almeida, n�o chegou a exercer plenamente suas fun��es devido ao cancelamento dos Jogos Ol�mpicos de Berlim previstos para 1916 em virtude da eclos�o da Primeira Guerra Mundial.

Os Jogos Ol�mpicos de Antu�rpia em 1920 levaram a uma mobiliza��o dos dirigentes e atletas para organizar uma equipe que pudesse representar o Brasil. O Comit� Ol�mpico Internacional enviou o convite ao Comit� Ol�mpico Nacional, que por sua vez atribuiu � Confedera��o Brasileira de Desportos a incumb�ncia de preparar os atletas para a competi��o. A rela��o amistosa entre a CBD e o CON n�o tardou a ser abalada, embora a delega��o brasileira que foi a Antu�rpia contasse com a presen�a do senador Mendes de Almeida, presidente do Comit� Ol�mpico Nacional e de Ariovisto de Almeida Rego, presidente da Confedera��o Brasileira de Desportos (Franceschi Neto, 1999).

� poss�vel afirmar que parte das diverg�ncias que marcaram essa rela��o estivesse no fato de a CBD ter sido organizada como uma entidade ligada ao governo, enquanto o CON tivesse nascido e se desenvolvido como uma entidade de car�ter privado, desatrelado das pol�ticas governamentais.

Os estatutos da CBD atestam essa disposi��o.

“Art.1� - A Conderera��o Brasileira de Desportos, fundada em 08 de Junho de 1914, com a denomina��o de Federa��o Brasileira de Sports, � constitu�da por todas as Federa��es, Ligas e Clubs, que nos Estados dirigem os respectivos desportos.    

Paragrapho 1� - Em cada Estado e no Districto Federal, � propor��o do desenvolvimento desportivo, existir�o tres institui��es, uma de desporto terrestre, outra de desporto aquatico e a terceira de desportos aereos, e s� estas ser�o filiadas � Confedera��o.

Paragrapho 2� - � Confedera��o poder�o ser filiadas sociedades desportivas isoladas, desde que no respectivo Estado n�o exista outra sociedade do mesmo desporto.

Art.2� - A C.B.D. ter� as seguintes attribui��es: 

1� - Representar os desportos nacionaes junto aos poderes constituidos.

2� - Representar os desportos nacionaes no estrangeiro.

3� - Promover o desenvolvimento e congra�amento dos desportos.

4� - Servir de tribunal de ultima instancia para derimir as quest�es que surgirem entre federa��es ou sociedades desportivas directamente filiadas.

5� - Procurar uniformisar os regulamentos e codigos desportivos.

6� - Fazer conven��es, tratados e rela��es com sociedades desportivas estrangeiras.” (p.75)

A diverg�ncia tornou-se expl�cita quando da composi��o da delega��o brasileira que foi aos Jogos de Paris, em 1924. Novamente incumbida da prepara��o dos atletas e gozando de grande prest�gio em fun��o das medalhas obtidas em Antu�rpia, a CBD recebeu do governo a quantia de 350 contos de r�is para custear a representa��o brasileira. Disputas internas e interesses pol�ticos fizeram essa verba ser suspensa levando a CBD a retirar a inscri��o dos atletas brasileiros. Inconformado com essa situa��o o presidente da Federa��o Paulista de Atletismo Antonio Prado Junior, respons�vel pela forma��o da equipe de atletismo promoveu uma campanha para arrecadar a verba, juntamente com um jornal paulista, buscando angariar os fundos necess�rios para a inscri��o e custeio dos atletas na capital francesa.

Documento do COB (1977) confirma essa situa��o:

“Entretanto a Federa��o Paulista de Atletismo, fundada em fevereiro de 1924, resolveu angariar fundos, por meio de subscri��o p�blica, patrocinada pelo Jornal “O Estado de S�o Paulo” e dentro de algumas semanas obtinha o numer�rio suficiente para as despesas de viagem e de estada da pequena, por�m selecionada, delega��o. E assim, no dia 27 de maio de 1924, embarcaram em Santos, no navio Or�nia e em segunda classe, com destino a Cherbourg, na Fran�a, dez integrantes da sele��o da delega��o paulista de atletismo.”(p. 56)

De posse da verba era preciso gest�es junto ao Comit� Ol�mpico Internacional para que a delega��o brasileira fosse readmitida. E assim Antonio Prado J�nior e Jos� Ferreira dos Santos, mesmo sem a CBD e o CON foram capazes de sensibilizar o COI para que os atletas brasileiros pudessem participar dos Jogos de Paris-1924.

Mas n�o foi apenas a equipe de atletismo que representou o Brasil em Paris. Os remadores Carlos e Edmundo Castelo Branco tamb�m participaram dos Jogos, entretanto sem vincula��o com os demais integrantes da delega��o brasileira, prerrogativa desconhecida nos tempos atuais. Essa situa��o � justificada no mesmo documento do COB (1977).

“A presen�a do remo, classificada em 4� lugar na categoria de double-sculls, n�o integrante da equipe chefiada pelo Dr. Am�rico R. Netto, � justificada pelo fato de que, n�o existindo COB a participa��o de desportistas credenciados poderia fazer-se desde que houvesse o benepl�cito da CBD.”(p. 56)

Esses epis�dios e outros interesses levaram os tr�s embaixadores do Olimpismo no Brasil o pioneiro, Raul do Rio Branco, mas, mais efetivamente Arnaldo Guinle e Jos� Ferreira dos Santos a iniciarem um movimento de cria��o e legaliza��o junto ao Comit� Ol�mpico Internacional do Comit� Ol�mpico Brasileiro, em 1927, o que atesta as diverg�ncias citadas anteriormente. Enquanto o primeiro havia sido convidado pessoalmente por Pierre de Coubertin, os outros dois foram indicados pelo Conde Henri Baillet-Latour, presidente do COI no per�odo de 1925 a 1942, atestando a proximidade desse grupo com a comunidade ol�mpica internacional.

A funda��o efetiva do Comit� Ol�mpico Brasileiro aconteceu em 20 de maio de 1935, na sede da Federa��o Brasileira de Football por iniciativa de representantes de v�rias institui��es esportivas nacionais, sob a coordena��o de Arnaldo Guinle e Jos� Ferreira dos Santos. Essa iniciativa contou com o apoio irrestrito e o incentivo do ent�o presidente do COI Conde Henri de Baillet-Latour. Subscreveram a ata de cria��o do Comit� a Uni�o Brasileira de Esgrima, bem como as Federa��es Brasileiras de Athletismo, Basketball, Remo, Nata��o, Tennis, Vela e Motor e da Cyclista.

A mesma iniciativa tomou a CBD fundando em 1� de junho de 1935 um segundo COB com o apoio do governo brasileiro.

As raz�es que levaram � cria��o do COB foram sintetizadas por Arnaldo Guinle ao evocar o artigo 17� dos estatutos do COI conforme a ata de instala��o e funda��o:

“N�o t�m raz�o os esp�ritos menos avisados que procuram confundir, em meio �s disen��es esportivas internas as verdadeiras finalidades dos Comit�s que a grande honra de declarar com o apoio das entidades esportivas nacionaes presentes � reuni�o e perfeito entendimento e solidariedade de seus colegas, delegados do C.I.O., no Brasil, fundado e installado.” (COB, 1977: 23)

Depois de aprovados os estatutos foi eleito para o cargo de presidente o senhor Antonio Prado Junior, organizador da equipe que representou o Brasil nos Jogos de Paris em 1924, e a Comiss�o Executiva composta por Renato Pacheco, Antonio Prado Junior, �lvaro Prata, coronel Newton Cavalcanti, comandante Attila Ach�, Oswaldo Palhares, Bededicto Montenegro, Campos L�bero, Mas de Barros Erhart, Herbert Moses, Octavio da Rocha Miranda e Erasmo Assump��o Junior.

O presidente eleito, ap�s a sess�o, proclamou os resultados, referiu-se ao apoio e colabora��o de todos os presentes e fez constar da ata de funda��o uma situa��o pouco amistosa com rela��o a CBD que traria desdobramentos � composi��o da equipe nacional nos pr�ximos Jogos Ol�mpicos. Consta o texto:

“[...] e agradece aos representantes em particular e, de modo geral �s suas entidades a coopera��o prestada na funda��o e instala��o do Comit� Olympico Brasileiro, lamentando, com sinceridade, n�o ver entre os presentes o representante da Confedera��o Brasileira de Desportos, apesar do convite que teve a honra de enviar ao seu digno presidente e dos esfor�os empregados pelo seu colega doutor J. Ferreira dos Santos para a mesma entidade se fizesse representar na reuni�o de hoje” (COB, 1977; 24).

Um dos principais epis�dios das diferen�as entre as duas institui��es se deu nos Jogos de 1936 quando duas delega��es chegaram a Berlim: uma do Comit� Ol�mpico Brasileiro, reconhecida pelo Comit� Ol�mpico Internacional e oficial representante do pa�s, e outra da Confedera��o Brasileira de Desportos, apoiada pelo governo brasileiro. J� em solo alem�o e com a intermedia��o das autoridades ol�mpicas para que os dirigentes entrassem em acordo foi poss�vel inscrever os 72 atletas brasileiros sob organiza��o do Comit� Ol�mpico Brasileiro.

Desde sua constitui��o oficial em 1935 o Comit� Ol�mpico Brasileiro foi presidido por sete diferentes pessoas, cujos mandatos variaram de alguns meses a v�rias d�cadas.

Quadro 2. Presidentes do COB

Per�odo do mandato

Presidentes

1935-1946

Antonio Prado J�nior

1947-1950

Arnaldo Guinle

1951-1962

Jos� Ferreira Santos

1963 (janeiro a outubro)

Almirante Attila Ach�

1963-1990

Major Sylvio de Magalh�es Padilha

1990-1995

Andr� Gustavo Richer

1996 at� o presente

Carlos Arthur Nuzman

Embora os atletas brasileiros n�o registrassem resultados marcantes nas competi��es ol�mpicas, a presen�a brasileira no Comit� Ol�mpico Internacional e nas suas inst�ncias deliberativas � registrada desde o in�cio do s�culo. Vale lembrar que os membros do Comit� Ol�mpico Internacional s�o representantes do Movimento Ol�mpico em seus pa�ses e n�o delegados de seus pa�ses no Comit�, o que destitui essa participa��o de qualquer car�ter pol�tico nacional. Esses representantes n�o devem e n�o podem aceitar de seus governos ou de qualquer outra organiza��o ou indiv�duos, instru��es que, em qualquer sentido, possam interferir na independ�ncia de seu voto.

Os brasileiros a ocupar o cargo de embaixadores do Movimento Ol�mpico no Brasil foram os seguintes:

Quadro 3.  Representantes brasileiros no COI

Representante

Per�odo

Cargos exercidos

Raul do Rio Branco 1913 a 1918 Membro
Arnaldo Guinle 1923 a 1961 Membro
Jos� Ferreira dos Santos 1923 a 1962 Membro da Comiss�o Executiva de 1960 at� seu falecimento em 1962
Antonio Prado Junior 1938 a 1955 Membro
Jo�o Havelange De 1963 at� o presente Membro vital�cio
Major Sylvio de Magalh�es Padilha De 1964 at� seu falecimento em 2003 Foi Primeiro Vice-presidente de 1975 a 1979. Ocupou a Comiss�o Executiva por tr�s mandatos a partir de 1970

Vale ressaltar que os membros do COI t�m grande respeito por seu protocolo, cumprindo com rigor a ordem de preced�ncia conforme os membros mais antigos. Ainda que existam membros vital�cios entre seus quadros, destacados como tal de acordo com o antigo regimento, atualmente o regulamento foi alterado impondo o afastamento compuls�rio do Comit� quando da idade de 75 anos, momento em que esses participantes s�o convertidos em membros honor�rios, com direito a participar das discuss�es da entidade, sem, no entanto, ter direito a voto.

Considera��es finais

Se a organiza��o do esporte moderno revela as condi��es sociais em que ele foi produzido – Inglaterra s�culo XIX – de maneira an�loga se processa esse fen�meno no caso brasileiro.

Confundido entre a condi��o de colonia e vice-reinado o Brasil do s�culo XIX buscava a afirma��o de sua identidade nacional por meio de medidas que iam da via diplom�tica e amplia��o territorial. A inten��o de Pierre de Coubertin de transformar o Movimento Ol�mpico em um fen�meno de car�ter internacional contribuiu para a sensibiliza��o daqueles que vislumbravam a participa��o brasileira no cen�rio pol�tico internacional.

A entrada de Raul do Rio Branco no Comit� Ol�mpico Internacional refor�a essa id�ia uma vez que o cl� Rio Branco j� havia protagonizado medidas de afirma��o da territorialidade brasileira como na gest�o da incorpora��o do territ�rio do Acre e de outras iniciativas diplom�ticas. Por meio dessa medida a entrada do Brasil no COI se deu muito mais pelo esfor�o pol�tico, do que pela massifica��o das pr�ticas esportivas, revelando a mesma origem aristocr�tica do esporte europeu. Isso se refletir�, de maneira inequ�voca, na composi��o das primeiras delega��es brasileiras em Jogos Ol�mpicos.

Se o Movimento Ol�mpico Brasileiro surgiu como um desdobramento dessa ‘tradi��o inventada’ em solo europeu, o que se observa � que no decorrer do s�culo XX buscou sua pr�pria identidade. Dessa maneira experimentou em parte os conflitos sociais vividos na Europa – esportes de elite e populares – em parte refletiu nas suas pr�ticas as peculiaridades da organiza��o social brasileira.

Ou seja, a participa��o brasileira inicial em Jogos Ol�mpicos foi marcada pela presen�a de militares e da aristocracia, grupos sociais que detinham as condi��es b�sicas para a pr�tica de uma atividade que previa em suas regras a impossibilidade do exerc�cio de qualquer atividade profissional remunerada de seus praticantes, afastando assim a classe trabalhadora de seus quadros.

No que se refere a manuten��o de c�nones do esporte europeu, no caso o amadorismo e o fair play, o que se observa � que os mesmos valores que permearam o esporte do norte valeram para o esporte brasileiro. Isso quer dizer que as modalidades ol�mpicas, organizadas e sistematizadas conforme as regras mundiais, passaram a ser praticadas por atletas de fam�lias tradicionais, que tiveram a oportunidade de estudar na Europa e conhecer de perto o significado dessa atividade. Com isso refor�ou-se no Brasil um modelo de pr�tica esportiva ol�mpica elitista e excludente que s� se transformar� ap�s a II Guerra Mundial. Foge a essa regra o futebol, visto que desde o final do s�culo XIX, mesmo quando ainda representava uma modalidade essencialmente aristocr�tica, ele j� havia sido descoberto pela popula��o das periferias de S�o Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. A partir da� rapidamente o futebol foi organizado em clubes e, mesmo diante da resist�ncia das agremia��es de elite, ele se profissionalizou, destacando-se das demais modalidades ol�mpicas que permaneceram amadoras at� a d�cada de 1980.

A trajet�ria do esporte ol�mpico brasileiro seguiu de perto o movimento ol�mpico internacional no que se refere a organiza��o burocr�tica de suas institui��es (Federa��es e Confedera��es esportivas) reproduzindo em �mbito nacional os rumos do esporte mundial.O fortalecimento de uma elite dominante, o desenvolvimento de mecanismos de controle pol�tico das institui��es, a perman�ncia por longos per�odos de tempo � frente das organiza��es esportivas e o afastamento dos atletas dos �mbitos de poder tamb�m se deram no Brasil como na grande maioria dos Comit�s Ol�mpicos Nacionais espalhados pelo mundo, refor�ando um modelo institucional fechado, burocratizado e autorit�rio. A diferen�a maior entre o Brasil e os pa�ses europeus reside na for�a do poder econ�mico dos pa�ses do norte que assim como no princ�pio do s�culo XX continuam a proporcionar as condi��es materiais, na atualidade cada vez mais necess�rias para a obten��o de tempos e marcas, raz�o de ser do esporte contempor�neo.

Se do ponto de vista num�rico o Brasil consegue na atualidade participar de Jogos Ol�mpicos em condi��es de igualdade com as grandes pot�ncias do esporte mundial levando �s �ltimas edi��es de Jogos algumas centenas de atletas, isso ainda n�o espelha, do ponto de vista qualitativo, a realidade de uma pot�ncia esportiva, visto que a propor��o entre n�mero de atletas participantes e medalhas obtidas em Jogos Ol�mpicos, � ainda bastante reduzida.

Se do ponto de vista regional o Brasil representa uma inspira��o e uma preocupa��o para outras na��es latino-americanas, por apresentar um modelo e resultados que o aproximam das principais pot�ncias do esporte mundial e por ser o �nico pa�s com cinco t�tulos mundiais no futebol, por outro est� ainda muito distante do profissionalismo cada vez mais necess�rio na gest�o e no treinamento esportivos.

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© Copyright Katia Rubio, 2005
© Copyright Scripta Nova, 2005

Ficha bibliográfica:
RUBIO, K. Da Europa para a América: a trajetória do Movimento Olímpico brasileiro.
Geo Crítica / Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de noviembre de 2005, vol. IX, núm. 200. <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-200.htm> [ISSN: 1138-9788]

Quais as causas da colonização inglesa?

Os colonos visavam aos lucros na comercialização dos produtos agrícolas que eram vendidos na Europa. Esse tipo de colonização foi semelhante ao das colônias portuguesas, que eram utilizadas com a finalidade de fornecer riquezas para os colonizadores através, por exemplo, da prática do trabalho escravo.

Por que a colonização da Nova Inglaterra se processou de modo distinto em relação ao antigo sistema colonial?

Foram os puritanos que fundaram a cidade de Plymouth em 1620. Em segundo lugar, o clima no norte não era tão propício à agricultura, por isso não atraía os latifundiários. Daí dá para perceber que a colonização inglesa foi muito diferente da colonização portuguesa, por exemplo.

Qual foi o principal fator que impulsionou a colonização inglesa?

A perseguição religiosa, a superpopulação do Reino Unido a necessidade de expandir as produções e mercados foram os maiores fatores que estimularam a ida de ingleses para a América do Norte.

Como foi impulsionada a colonização pelos ingleses?

Em termos populacionais, a colonização inglesa em termos setentrionais foi impulsionada, principalmente, pelo seguinte: promoção de uma política de miscigenação entre ingleses e indígenas. Proibição de migrações de populações não inglesas. Imigração de puritanos perseguidos na Inglaterra.