Processo de adopção em Moçambique PDF

Em sede do ordenamento jurídico moçambicano um dos direitos fundamentais da criança é o direito de crescer no seio de uma família. Este direito por sua vez emana da CRM que estabelece que “Todas as crianças têm direito à protecção da família, da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral – no 1 do art. 121o.”

No entanto há situações de crianças que não têm família natural, que se encontram em situação de abandono ou de orfandade e nessas situações a lei consagra a possibilidade de “famílias prótese” e uma das formas da sua constituição é a adopção (vide art. 27.o da Lei 7/2008, de 9 de Julho).

A adopção pode ser definida como um vínculo legal e solene que se estabelece com uma criança que estava em regime institucional; por sua vez, visa a criação de laços de verdadeira família natural embora não haja laços de consanguinidade(no 1 do 36.o 72.o e 74.o todos da Lei 7/2008, de 9 de Julho).

À luz do direito moçambicano reúnem os requisitos para adoptar duas pessoas casadas ( homem e mulher) há mais de 3 anos, que não estejam separadas de facto, com idade superior a 25 anos mas não mais de 50 anos, com condições morais e materiais que possibilitem o desenvolvimento harmonioso do menor conforme o disposto no art. 393.o da Lei 10/2004 de 25 de Agosto.

A criança que passa pela adopção  torna-se filha legítima perante a Lei e tem os seus direitos como tal  efectivados nos termos do art. 390.o da Lei 10/2004 de 25 de Agosto.

As crianças colocadas para a adopção buscam esse vínculo familiar e almejam estar em um lar estruturado que destine afecto as mesmas, mas nem sempre  isso acontece pois ainda existe um grande contingente de crianças vivendo em instituições de apoio e por conta da idade não são escolhidas  pelas famílias.

A adopção de crianças com mais de 8 anos de idade é a designada Adopção Tardia, que revela um processo ainda mais complexo em relação ao de adopção de menores de 8 anos visto que envolve muitas situações e traumas.

Contextualizar sobre a Adopção Tardia significa enfatizar as principais causas da inserção  destas crianças e adolescentes em instituições de abrigo, que nas mais das vezes, resultam do abandono dos pais, abuso sexual, entrega das crianças ao cuidado do Estado por falta de condições para as criar, etc.

A maioria das crianças nesta situação ficam em lares temporários (Ex.: casas de abrigo) por um longo período, permanecendo a espera de família muitos chegam a adolescência e a fase adulta sem terem tido a oportunidade de conhecer um lar saudável e estruturado em virtude dos preconceitos em relação a Adopção Tardia.

Tais preconceitos levam ao sentimento de abandono, de exclusão e desamparo  afectivo, por um lado  face o abandono da família biológica que por motivos vários se vê impossibilitada de criar seus filhos, por outro lado ressentem-se do abandono da sociedade que ainda exclui segrega e estigmatiza essas crianças dificultando o seu direito a adopção.

A Lei Mãe do nosso país (CRM) consagra a estas crianças para além do direito à protecção e aos cuidados necessários a seu bem estar, estabelece a obrigação da Sociedade e do Estado protege-las contra qualquer forma de discriminação, maus tratos entre outros conforme o estabelecido no no 1 do art. 47.o  e no 2 do art. 121.o da CRM;

Pelo acima exposto, é importante desenvolver acções que viabilizem a Adopção Tardia, porque  pese embora o Estado tenha tentado solucionar estes problemas com a aprovação da Lei de Promoção e Protecção dos Direitos das Crianças, tal medida é ainda insuficiente, cabe também a Sociedade ser consciente, abstendo-se de preconceitos optando pela Adopção Tardia.

Contudo, a todas as crianças deve-se garantir o direito a um lar estruturado, relacionamento estável e contínuo, em um lar em que a criança é um filho e não apenas  mais uma criança abandonada, ou seja, direito a família que se lhes é consagrado não só na CRM como no no 1 art. 26.o da Lei n.o 7/2008 de 9 de Julho).

Advogada

Leonice Mutepua

Fontes:

Constituição da República de Moçambique;

Lei 10/2004 de 25 de Agosto – Lei da Família;

Lei n.o 7/2008 de 9 de Julho – Lei da Promoção e Protecção dos Direitos das Crianças;

Primeira parte

Não passa tanto tempo que a cantora Madonna conseguiu adoptar uma segunda criança no Malawi sob fortes vozes de contestação, levantadas por organizações locais defensoras dos direitos de criança.
A refutação resume-se no facto de as leis daquele país vizinho não admitirem a adopção de crianças por pessoas que não tenham lá residência.
O Supremo Tribunal do Malawi avançou para uma autorização excepcional por via do argumento de que estava em causa o supremo bem-estar da criança, que vivia num orfanato desde, quase, os primeiros dias de vida.
Esta notícia suscita em nós um pensar preventivo sobre a matéria, considerando que a orfandade de crianças se revela uma constância universal, numa era em que doenças como Hiv-Sida não param de enlutar famílias, deixando desgraças e desamparos desmedidos às crianças.
Na verdade, o objectivo deste artigo é visualizar o quadro normativo moçambicano sobre a matéria, trazendo a essência desta figura legal, para que se compreendam o conteúdo, as cautelas impostas por lei, os efeitos nos espectros sociais e jurídicos, e também para dissipar certas dúvidas quanto ao seu alcance prático.
Também se motivou este artigo numa curta mas aguda notícia decorrida na nossa paisagem de comunicação social, referindo que certo tribunal de Maputo terá permitido a adopção por uma pessoa não casada, questionando-se-lhe a legalidade.
Na história universal, delimitam-se duas faces conceptuais, justificando o progresso do instituto da adopção, pela dinâmica derivada nas preocupações da sociedade:
a) O rumo de salvação àqueles que não podem ter filhos biologicamente, dando-os essa oportunidade e
b) O itinerário de dar pais às crianças que os não podem ter, por diversas imposições circunstanciais.
A primeira face, predominantemente se alonga sob o interesse só dos adoptantes, olhando-se para uma satisfação egoística de quem procura ter filho.
Esta linha justificativa da adopção pode pecar se não considerar que é à criança que se deve investir mais, por esta representar um bem inestimável para a salvação da humanidade.
Não basta prover benesses materiais às crianças, sujeitando-as a todo o tipo de abusos psico-sociais que lhes aniquilam a honra e viciam o crescimento harmonioso, pelo contrário lhe escravizando de sofrimento interior que sobressairá no futuro, perigando a estabilidade da sociedade. Este tipo de adopção, não recíproca em vantagens, não favorece a humanidade.
Na segunda linha, depara-se a adopção, significando conceber um lar a uma criança que de outro modo não o teria por força de variadas circunstâncias, como orfandade ou desinteresse dos pais biológicos.
Numa outra perspectiva, a criança pode até ter um lar dos pais biológicos mas porque este, envolto de circunstâncias materiais e psicológicas profundamente sofríveis, se depare com a necessidade de transitar para uma outra família disposta a proporcionar um ambiente de convivência mais humana, para que ela desenvolva a sua personalidade com doses de amor e afecto.
A Lei da Família (veja-se, por todas as menções, os artigos 389 a 406) estabelece um princípio chave, condicionante para a adopção: igualdade entre as crianças biológicas e adoptadas.
Esta norma tem duplo alcance de vantagens à criança:
a) Quanto ao estatuto familiar, a criança adoptada, integra-se com os demais descendentes, fazendo-se menção no registo civil, podendo usar os apelidos dos adoptantes;
b) Quanto à herança, os adoptados passam a iguais direitos que os filhos naturais.
Para garantir a estabilidade da situação jurídica acima indicada, a lei fixa a irrevogabilidade da adopção, independentemente do acordo entre o adoptante e o adoptado (tal como, pai e filho nunca podem acordar que deixam de sê-los).
A lei posiciona-se vertical na garantia do princípio da não discriminação, impondo que a adopção deva ser feita por sentença judicial, incumbindo aos serviços da acção social fazer o acompanhamento permanente e periódico do menor até atingir a maioridade, e apresentar um relatório anual ao tribunal que tenha decretado.
Quanto à capacidade para adoptar, a lei define quatro blocos de pessoas:
a) Casados ou vivendo em união de facto há mais de três anos, não estando separados de facto, devendo ter mais de 25 anos de idade, possuindo condições morais e materiais que possibilitem o desenvolvimento harmonioso do menor
b) Por via de excepção, pessoas que mesmo não casadas, tenham mais de 25 anos de idade e possuam condições morais e materiais que dão garantias ao são crescimento da criança.
c) Quem tiver mais de 25 anos, sendo a pessoa a adoptar, filho do cônjuge do adoptante.
d) Indivíduo com mais de 25 anos, sendo a pessoa a adoptar, filho de pessoa com quem o adoptante, embora não casado, mantenha comunhão de vida, vulgo união de cama e mesa, há mais de 3 anos.
Veda-se a adopção por parte de quem tiver mais de 50 anos, excepto nos casos em que o menor for filho do seu cônjuge ou da pessoa com quem mantenha comunhão de vida.
Preconiza-se ainda que, entre o adoptante e o adoptado, a diferença de idades não deve ser inferior a 18 ou superior a 25 anos, olhando-se para este limite como ponto razoável que permita sustentável e afectiva comunicação entre as partes. Esta condição pode ser desconsiderada pelo juiz se sobressaírem razões supremas ao bem-estar da criança.

Segunda parte

Na primeira parte deste tema, foram trazidos à superfície os aspectos fulcrais sobre a adopção, retendo-se a atenção sobre o conteúdo e os requisitos impostos por lei para as pessoas que queiram adoptar.
Sublinhámos que a adopção insere em si uma dupla finalidade socio-jurídica: Por um lado, dar pais àquela criança que não pode tê-los e por outro, dar filho àqueles que não o podem ter ou mesmo tendo-o, se mostram interessados com mais uma criança em estado de desamparo, decidindo integrá-la na sua família.
A alma legal da adopção orienta-se pelo superior interesse da criança, traduzida na obrigatoriedade de todas as decisões serem tomadas na perspectiva do favorecimento da mesma.
A nossa ordem legal assenta nos pressupostos supraditos tal como podemos sumariar da Constituição da República, das Leis de Bases de Protecção da Criança (Lei 7/2008, de 9 de Julho) da Organização Jurisdicional de Menores (Lei 8/2008, de 15 de Julho) e da Família (Lei 10/ 2004, de 25 de Agosto).
Em todos os Diplomas expostos se fixa o ditame de que a criança deve ser o centro de gravidade para qualquer das opções sobre a adopção.
Aliás, o direito à convivência familiar é a cúpula orientadora para o crescimento harmonioso da criança, decorrendo daí que quando não existam condições para o seu crescimento em família natural, haja de se recorrer a meios alternativos, um dos quais objecto da nossa peça ? a adopção.
Quem pode ser adoptado?
Com referência aos artigos 395 e 396 da Lei da Família, deparámos que podem ser:
? Os menores filhos do cônjuge do adoptante, ou de quem com este viva em união de facto ou em comunhão de vida há mais de 3 anos, desde que aquele progenitor dê o seu consentimento;
? Os menores de 14 anos que se encontrem em situação de orfandade, de abandono ou de completo desamparo;
? Os menores de 14 anos, filhos de pais desconhecidos;
? Os menores de 18 anos que, desde idade não superior a 12 anos tenham estado à guarda e cuidados do adoptante.
A adopção deve ser consentida:
? Pelo próprio a adoptar; quando maior de 12 anos;
? Pelos pais naturais, mesmo não vivendo com o filho a ser adoptado;
? Pelos filhos do adoptante, quando maiores de 12 anos;
? Pelo cônjuge, não separado de facto, do adoptante.
De referir que a criança a adoptar, maior de 7 anos, deve ser ouvida pelo Tribunal, bem como os filhos do adoptante maiores de 7 anos. Esta norma do artigo 399 da Lei da Família reflecte a atenção que se atribui ao processo da adopção, para que redunde numa integração coesa da criança à nova família.
Processo de adopção ? linhas básicas

Nos artigos 97 e seguintes da Lei da Organização Jurisdicional de Menores, estampam-se os procedimentos para a adopção que as sintetizámos a seguir:
Requerimento do interessado dirigido ao tribunal da área de residência do menor, no qual devem ser justificadas e comprovadas as vantagens de que usufruirá o menor a adoptar.
Salienta-se a intervenção dos serviços da Acção Social, a quem incumbe realizar inquérito apropriado para aferir sobre a idoneidade dos requerentes, visando apetrechar o juiz de elementos bastantes para a apreciação do pedido.
Sublinhe-se que o processo de adopção é rodeado de um cuidado rígido e quando as circunstâncias o determinarem, pode ser necessário um período inicial de integração do menor à futura família, do qual podem os serviços da Acção Social concluir haver viabilidade ou não para o atendimento do pedido pelo juiz.
Os serviços da Acção Social são, para todos os efeitos, os padrinhos deste processo, assumindo a nobre tarefa de acompanhar a componente sócio afectiva da integração do menor à família adoptante.
Como referimos na primeira parte, o adoptado adquire a situação de filho do adoptante e integra-se com os demais filhos na família deste, extinguindo-se as relações com os pais naturais. Pela razão que antecede, proferida a sentença fixando a adopção, a certidão do facto deve ser remetida para averbamento junto ao registo de nascimento do adoptado.
Em conclusão, a adopção é um instituto sensível e nele é imperioso garantir a serenidade e severo controlo para que não se quede em situações em que haja sujeição do menor a um martírio serviçal e cruel, aonde a ideia central pode ser explorá-lo friamente, aproveitando o seu estado de necessidade.

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