Pensando nas diferenças existentes entre o senso comum e atitude filosófica

Na história da filosofia, o problema do senso comum sempre foi um ponto de enorme importância e grandes debates. Os filósofos clássicos, como Sócrates, Platão e Aristóteles, dedicaram-se a refletir sobre isso e situar esse tema dentro dos problemas que interessam à reflexão filosófica.

Grosso modo, o sentido mais profundo da expressão “senso comum” remete ao tipo de experiência que é propriamente humana, isto é, a experiência do sofrimento ou a experiência tradicional. Um dos elementos que tornam o homem diferente das outras criaturas é a sua capacidade de refletir sobre o sofrimento, de saber que vai morrer, que pode ser acometido por catástrofes, doenças, etc. A experiencia tradicional nos dá os elementos para a compreensão de nossa condição de seres falíveis. As tragédias antigas (tão valorizadas por Aristóteles) davam conta dessa experiência. A literatura moderna e contemporânea também o faz.

Sendo assim, o senso comum é o tipo de saber que busca fornecer orientação ao homem e não deixá-lo repetir os erros do passado. Por intermédio da experiência, o homem pode exercer virtudes, como a prudência e a paciência, e aprender a não se deixar levar por aventuras emocionais, que o desviam para a irracionalidade, bem como não se deixar levar por “sonhos racionais” de progresso a qualquer custo. Como disse o pintor espanhol Goya, “O sonho da razão produz monstros”.

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O conceito de senso comum sofreu certa desvalorização após o período do Renascimento. O humanismo renascentista foi a última corrente de reflexão que levava em conta o potencial orientador do senso comum. A partir do século XVII, sobretudo com o desenvolvimento da ciência moderna e da filosofia racionalista cartesiana, o senso comum passou, de forma geral, a ser identificado como “falta de rigor metodológico” e a ser rivalizado com o “senso crítico” ou “senso científico”. Dessa forma, até o início do século XX, eram poucas as defesas filosóficas que se faziam do senso comum, haja vista que a expressão havia sido alijada de seu sentido tradicional.

Os filósofos ligados à fenomenologia e à hermenêutica do século XX, como Heidegger e Gadamer, passaram a refletir novamente sobre o senso comum, colocando-o diante do problema da historicidade, isto é, da experiência histórica humana. Autores de outras tradições, como o católico leigo G. K. Chesterton, também passaram a fazer, ao seu modo, a defesa do senso comum, sobretudo recuperando o seu sentido tradicional.

O senso comum é um tipo de pensamento que não foi testado, verificado ou metodicamente analisado. Geralmente, o conhecimento de senso comum está presente em nosso cotidiano e é passado de geraçãoa geração. Podemos afirmar que esse tipo de conhecimento é, categoricamente, popular e culturalmente aceito, o que não garante a sua validade ou invalidade.

O senso comum, por ser obtido a partir de um movimento de repetição cultural, pode estar correto ou não. Não é possível confiar nesse tipo de conhecimento como se confia na ciência, mas também não podemos invalidá-lo de imediato, pois o fato de não se estabelecer métodos e testes comprobatórios, não significa, necessariamente, que o tipo de conhecimento popular está errado.

O senso comum é movido, geralmente, pela opinião. Podemos elencar estudos filosóficos sobre o senso comum desde a Grécia Antiga. A Filosofia surgiu como uma maneira de contrapor aquele tipo de conhecimento popular não rigoroso.

Saiba mais: O que é Filosofia?

Tópicos deste artigo

  • 1 - Características do senso comum
  • 2 - Senso comum e ciência
  • 3 - Senso comum e senso crítico
  • 4 - Cultura e senso comum
  • 5 - Exemplos de senso comum

Características do senso comum

O filósofo italiano Antonio Gramsci (intelectual contemporâneo que contribuiu para a disseminação do anarquismo na Itália e, no campo filosófico, dedicou-se a entender o conhecimento e a cultura) estudou e escreveu sobre o senso comum. Para o pensador, o senso comum tem a sua característica estritamente positiva, sendo um conhecimento popular que todos têm e produzem. Porém, para se chegar a um conhecimento mais elaborado, mais estruturado e mais seguro, é necessário ir além do senso comum.

Silvio Gallo, filósofo, educador e professor de Filosofia da Faculdade de Educação da UNICAMP, afirma que, nesse sentido, o senso comum é um bom ponto de partida, mas que, muitas vezes, os conhecimentos sistematizados e testados, como a Filosofia e a ciência, são necessários para se obter um conhecimento de maior confiança e validade.

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Para o sociólogo, escritor e professor português Boaventura de Sousa Santos, podemos chamar de senso comum aquele conhecimento vulgar e prático que nos orienta cotidianamente.

Ao longo do tempo, foi-se criando uma ideia comum (senso comum) de que as mulheres eram inferiores, o que foi se estabelecendo como uma verdade cultural (apesar de não ser uma verdade estrita). Podemos pensar, por isso, que nem sempre o senso comum é positivo ou está certo, afinal, sabemos que as mulheres não são menos inteligentes, mais frágeis ou subalternas aos homens. Isso atesta também o fator repetitivo que circunda a denominação do senso comum: é algo que, de tanto ser repetido, acaba sendo encarado como uma verdade.

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Senso comum e ciência

Em uma leitura apressada, podemos pensar que o senso comum e a ciência são sumariamente opostos e sem conexão alguma. Porém, existem diferentes concepções, algumas delas apresentam uma complementaridade entre ciência e senso comum.

O positivismo, uma doutrina filosófico-política desenvolvida pelo pensador francês Auguste Comte, estabelece rumos para o progresso social por meio do progresso científico e da ordem política. Sendo assim, essa doutrina admite somente a ciência como fonte de conhecimento verdadeiro. Essa concepção exclui, inclusive, a Filosofia, a qual teria cedido o seu lugar, de acordo com Comte, aos modelos científicos para a explicação da realidade. Nessa concepção, o senso comum está totalmente descartado.

Pedro Demo, sociólogo brasileiroe professor emérito da UnB, uma referência nos estudos sobre conhecimento científico e aprendizagem no Brasil e autor de mais de 90 livros, também parte de concepção parecida, ao afirmar que a prevalência de conhecimentos não testados pode levar o ser humano a pensamentos incoerentes, por exemplo, acreditar que o Sol movimenta-se em torno da Terra.

De fato, a ciência é a fonte de conhecimento mais segura que temos, mas a validade do senso comum, em alguns casos, é notável. Se pensarmos que grandes pesquisas científicas que levaram a grandes descobertas farmacêuticas partiram do conhecimento de senso comum de plantas medicinais, por exemplo, temos um elemento para considerar o senso comum como um bom ponto de partida para impulsionar a ciência.

Senso comum e senso crítico

Ao passo que há uma certa complementaridade entre Filosofia, ciência e senso comum, visto que as duas primeiras partem deste, parece não haver ligação entre senso comum e senso crítico. Enquanto no senso crítico prevalece a desconfiança, o ceticismo, a crítica e a análise; no senso comum prevalece a aceitação do conhecimento dado e repetido.

Um cientista ou um filósofo pode partir do senso comum, desde que tenha uma visão crítica daqueles elementos que está analisando. Nesse sentido, permanecer no senso comum é estagnar, enquanto adotar uma visão crítica (ou um senso crítico) é avançar rumo a um conhecimento mais profundo.

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Cultura e senso comum

A cultura é o principal elemento constituinte do senso comum (afirmação que também se evidencia na sua forma oposta, pois o senso comum é um dos principais elementos da cultura). Nesse sentido, senso comum e cultura são elementos complementares.

As afirmações propostas pelo senso comum acabam tornando-se elementos culturais, na medida em que a repetição as tornam verdadeiras. A cultura popular está cheia de elementos do senso comum. Temos, por exemplo, a afirmação causal “se pegar friagem, ficará gripado”. Essa afirmação, repetida, geralmente, pelas pessoas mais velhas, não é necessariamente verdadeira, mas enraizou-se em nossa cultura pela repetição.

Exemplos de senso comum

Podemos elencar vários exemplos de senso comum. Alguns deles estabelecem nexos causais (não necessariamente verdadeiros), outros dizem respeito a valores sociais. O fato é que o conhecimento de senso comum adquire validade mediante repetição.

Tomemos como exemplo uma pessoa que sente algum tipo de dor óssea crônica. Essa pessoa observou que sempre que a dor ficava mais aguda, chovia ou o tempo era tomado por uma frente fria. Não há um nexo causal necessário e nem elementos científicos que liguem a dor à chegada da chuva ou da frente fria, mas essa pessoa passa a dizer, por força da repetição de experiências, que “quando a dor chega, é sinal de que vem chuva ou frio”.

Outro exemplo pode ser encontrado nas plantas medicinais. Por milênios, o ser humano busca se tratar de mazelas por meio de plantas e outros elementos da natureza. Ao descobrir que o peumus boldus (conhecido como boldo) é uma planta com propriedades que estimulam a digestão e desintoxicam o sistema digestório (descobriram isso pela observação e pela repetição), passaram a utilizá-la como planta medicinal.

Na sabedoria popular, apenas o senso comum atesta essa relação, porém, estudos farmacêuticos já comprovaram a eficácia do boldo para tratamento de indigestões e intoxicações, o que resultou no desenvolvimento de fármacos à base da planta.

As ideias comuns de que mulheres são frágeis, que asiáticos são mais inteligentes, que muçulmanos são terroristas ou que índios são indolentes também são exemplos de conhecimento de senso comum, mas não têm qualquer indício de validade e são afirmações preconceituosas.

Por Francisco Porfírio
Professor de Filosofia

É possível diferenciar entre senso comum e atitude filosófica?

Parte de ideias próprias, enquanto o senso comum e crítico recebem a informação para depois ou projeta-la sem análise ou questioná-la, a consciência filosófica parte de questionamentos que ocorrem no interior do indivíduo.

O que é senso comum e filosofia?

O Senso Comum é a soma dos saberes do cotidiano e é formado a partir de hábitos, crenças, preconceitos e tradições. Na filosofia, o termo é utilizado para explicar as interpretações feitas pelos indivíduos à realidade que os cercam sem estudos prévios ou provas científicas.

Qual a diferença entre o senso comum?

O senso comum associa-se aquele conhecimento que não passa por reflexão, sendo aceito pela maioria das pessoas sem questionamentos. Por sua vez, o senso crítico é fortemente baseado em procedimentos de crítica e reflexão, além de passar pelo crivo do método científico e na pesquisa.

Como a filosofia pode nos ajudar a entender as ideias de senso comum?

Resposta: A filosofia pode superar o senso comum instigando os indivíduos a conhecerem a si mesmos e a sociedade que os rodeiam investigando as coisas ao seu redor e se valendo de outros conhecimentos, como o científico por exemplo.