O que significa dizer que morar na periferia e se condenar 2 vezes a pobreza

Introdução e problematização: questões teórico-analíticas

1Segundo relatórios recentes da Organização Mun­dial de Saúde (OMS) e do Fun­do das Nações Unidas para In­fância (UNICEF), há mais da metade da população mundial (4,2 bilhões) com dificuldades de acesso pleno ao Saneamen­to Básico. Essa dificuldade envolve vários elementos, que vai desde o acesso a água tratada e potável – em geral servida por de redes de água, até a inacessibilidade de ins­talações básicas - como vasos sanitários e bicas para lavar às mãos. O referido estudo ainda aponta para a presença de inú­meras assimetrias no acesso. A renda e a diferença de classe podem afetar na oferta e co­berturas dos serviços de sane­amento. Assim, o estudo reco­nhece que a oferta de água e esgotamento sanitário “é pelo menos duas vezes maior” para pessoas mais ricas em detri­mento as mais empobrecidas.

2A disparidade no aces­so à água e ao esgotamento sanitário não está associada apenas a disponibilidade hí­drica ou causas naturais, con­siderados fatores determinan­tes pela visão mais tradicional “visões dominantes sobre se­gurança hídrica” (LOFTUS. 2021). Mas, grande parte destes problemas está relacio­nado a questões econômicas e políticas que constroem infra­estruturas inadequadas e desi­guais no acesso a esses servi­ços que, na maioria das vezes, está “enraizada no poder, na pobreza e na desigualdade” (UNDP, 2006, apud LOFTUS, ibidem, p.6).

3Neste sentido, se tor­na primário compreender as nuances deste acesso desigual que compõem o que inúme­ros autores vão chamar de “ciclo hidrossocial” da Água (SWYNGEDOUW, 2004; SWYNGEDOUW, KAIKA, CASTRO, 2002; BAKKER, 2012; IMBELONI & FELI­PE, 2020; BRITO, FORMI­GA-JHONSON, CARNEIRO, 2016; CASTRO, 2010, entre outros). O termo “ciclo hidrossocial” remete a compre­ensão de que o ciclo da água não se relaciona apenas a uma dinâmica do estado físico da água (ciclo da água), sobre­tudo pela íntima relação po­lítica, econômica e cultural que envolve o uso da água e as implicações de seu acesso. O termo é amplamente utili­zado nas pesquisas no campo da ecologia política, de matriz crítica de língua anglo-saxã e tem adquirido espaço estudos e investigações de pesquisa­dores brasileiros e latino-ame­ricanos sobre a iniquidade do acesso à água e ao esgotamen­to sanitário.

4Nestes termos, enten­demos que Alex Lotus (ibi­dem, p.8) faz um apontamento metodológico para compreen­der os quadros de iniquidade do acesso aos serviços relacio­nados à água. “Para entender melhor o envolvimento das sociedades humanas na for­mação do ciclo hidrossocial, é necessário um esforço para historicizar e espacializar um conjunto distinto de relações socionaturais.” (grifo nosso).

5Por isso, percebe­mos que, inevitavelmente, os quadros de desigualdades de acesso a esses serviços são territorializados. Isso se faz porque esse acesso à água e ao esgotamento se realiza, co­mumente, na dotação de in­fraestrutura técnica ou socio­técnicas (QUINTSLR, 2018), com de redes (canos, dutos) que dão sentidos aos fluxos de abastecimento. Diferenciando o espaço em sua instalação, entre aqueles que possuem e não possuem o acesso. Os flu­xos relacionados à água são também “fluxos de poder” (SWYNGEDOUW, 2004). Concordamos, portanto, com Claude Raffestin (1993, p.204) quando indica que “As redes fazem e desfazem às prisões do espaço, tornado território, tanto libera como aprisiona”, porque as redes de água e es­gotamento sanitário demarcam os territórios de uso destes ser­viços, diferenciando nos espa­ços as pessoas que poderão ter acesso a tais serviços.

6Outrossim, na pista de compreender o ciclo hidros­social a partir de sua espacia­lização, não podemos ignorar as marcas desiguais de pro­dução do espaço (SANTOS, 1976), onde as diferenciações perfilam sua forma de orga­nização (SMITH, 1988), que está implicado com modelo de produção capitalista na qual os lugares estão relacionados (HARVEY, 2006). Sendo, na contemporaneidade o espaço urbano o lócus do modo de pro­dução capitalista (CORREA, 2001), seu arranjo espelhará as contradições e diferencia­ções inerentes a esse modelo de produção. Implicando por consequência, na reprodução de quadros de iniquidade nos acessos à esses direitos/servi­ços no âmbito do espaço urba­no, marcando assimetrias dos mais diferentes matizes. Essas diferenciações espacializadas tenderiam a formar caraterísti­cas dos lugares.

7As periferias, por exemplo, seriam espaços que qualitativamente expressariam quadros mais agudos de desigualdade. Mas numa análise apurada para o ciclo hidrossocial para pensar as iniquidades no acesso à água e ao esgota­mento sanitário, seria correto pensar numa espécie de homo­geneização dessa oferta?

8Neste sentido, o pre­sente texto coloca como ques­tão: em que medida o acesso as redes técnicas de água e esgotamento sanitário, permi­tem pensar as assimetrias na produção do espaço? Como a Baixada Fluminense, como parte da periferia metropoli­tana poderia servir de empiria para refletir tais problematiza­ções?

9Para tentar trazer à tona algumas respostas aos ques­tionamentos, o presente artigo traz na primeira parte do texto notas teóricas sobre diferen­ciação espacial e a caracteriza­ção das periferias, contextuali­zadas nas dinâmicas do acesso as redes de água e esgotamen­to sanitário. Na segunda parte, procuramos trazer elementos empíricos a partir da realida­de da Baixada Fluminense, interpretando-a como parte integrante da periferia, e dan­do ênfase aos municípios lo­calizados na porção oeste da metrópole que estão inseridos com a totalidade de seus ter­ritórios na Bacia do Guandu: Itaguaí, Seropédica, Japeri, Paracambi e Queimados. Nes­ta parte apresentamos também dados sobre a iniquidade no acesso à água e esgotamento sanitário nestes municípios periféricos. Essa parte da pes­quisa é composta de análise de dados quali-quantitativos oriundos da pesquisa explo­ratória com informações de bases de dados do IBGE - Ins­tituto Brasileiro de Geografia e Estatística (censo 2010), do Sistema Nacional de Informa­ções sobre Saneamento – SI­NIS, usados para elaboração de gráficos, mapas e quadros que complementam a análise proposta.

As periferias, a diferenciação espacial e o saneamento

“Morar na Periferia é se condenar Duas vezes à pobre­za” (SANTOS, 2007, p.143).

10Sendo o espaço, tomado como produto das relações so­ciais e historicizadas, quando compreendido diante do atual modelo produtivo passa a ser o “mesmo espaço que une e que separa os homens” (SANTOS, 2004, p.33). Essa produção espacial revela, uma face di­ferenciadora, que ao sabor das dinâmicas produtivas, do papel dos atores econômicos, das in­tervenções do Estado e da pre­sença e diferenciação das políticas públicas, reproduz um modelo de fragmentação-ex­clusão de algumas áreas e a in­clusão de outras.

11As chamadas periferias, conhecidas popularmente no Brasil como lugar de destino da população empobrecida (SAN­TOS, 2007), são reflexos desta produção espacial. São ao mes­mo tempo uma forma-conteú­do. Ela é uma forma, na medi­da da compreensão clássica da geografia urbana, que identifica que a periferia, “é aquilo que está no entorno de algo”. Esse pensamento sugeriria que a pe­riferia seria a porção geometri­camente distante do centro. Ela é forma também, porque possui uma espacialidade oriunda da sua dimensão de reprodução social e econômica, que inevi­tavelmente, nos impele a sua dimensão qualitativa. No Brasil e nos países latino-americanos, as periferias urbanas assumiram a condição de espaço da mora­dia da população trabalhadora ou popular (SEABRA, 2003) que abrigaria condições des­favoráveis a uma condição de vida digna, marcada por ausên­cia de infraestrutura básica de urbanização (CORRÊA, 2005) – o que incluiria a estrutura de saneamento básico e suas redes técnicas de água e esgotamento sanitário.

12Sobre está caraterística de infraestrutura, Roberto Lo­bato Corrêa reforça que:

“A Periferia é resultado da justaposição de inúmeros loteamentos que acabam formando um mosaico irregular cujo conteúdo em termos de equipamento coletivo é extremamente precário (...) transparece nas ruas sem calçamento, na precária iluminação e na inexistência de redes de escoamento de águas pluviais e de esgoto. A precariedade ou falta de posto de saúde, hospitais, escolas poli­ciamento e praças arborizadas em geral. As valas negras e os mosquitos acabam fazendo parte do cotidiano da periferia” (CORREA, 2005, p.161) [Grifo nosso]

13A estrutura precária relacionado ao saneamento é uma característica singular das periferias. O papel que ele ad­quiriu está ancorado na dotação de equipamentos que, são na prática, de “consumo coletivo”. Esses serviços envolvem pavi­mentação de ruas, escoamento e drenagem de águas pluviais, estrutura de redes de abasteci­mento, tratamento e captação de água e locais de tratamento coleta e tratamento de esgoto, e mais recentemente, baseado na lei que atualiza o novo marco legal do Saneamento, inclui-se nestes serviços a limpeza urba­na e o manejo de resíduos só­lidos. Todos esses componentes são marcados pela ausência ou pelas precárias condições de ofertas nas áreas periféricas, cooperando para o imaginário e a materialidade de reprodução destas localidades. Os serviços de saneamento são, portanto, elementos que permitem dis­tinguir e diferenciar os espaços. Por isso, à forma inclusiva ou excludente que tais serviços são distribuídos, remetem ne­cessariamente a uma economia política do espaço com relações intimas de uma ecologia políti­ca da Água (LOFTUS, 2021). Por isso podemos pensar cate­goricamente em (des)ecologias excludentes do saneamento nas periferias, que cooperam para reforçar a forma-conteúdo da periferia.

14A periferia, é também na concepção de Roberto Lo­bato Correa (ibidem) uma for­ma-conteúdo que caracteriza a segregação de inúmeros fatores no atual modelo de produção (HARVEY, 1975; 2009). Fato­res econômico e sociais, como a diferença de renda, por exem­plo, são elementos que diferen­ciam o acesso aos serviços de água e esgotamento sanitário (OMS, 2007; LOFTUS, ibidem). Harvey (1975) compreende que a diferenciação de renda não marca apenas o local de mora­dia, mas os atributos que esse local apresenta. Por isso Correa indica, a partir da releitura de David Harvey que “a segrega­ção, quer dizer, diferenciação residencial segundo grupos, significa diferencial da renda real” (CORREA, 2005, p.133). Em termos práticos, essa dife­renciação incute no maior aces­so que determinados grupos podem possuir a determinados elementos da vida urbana, que vai desde melhores serviços educacionais, hospitais até ser­viços de água e esgotamento sanitário.

15Assim, compreendemos com melhor clareza que para determinados grupos terem acesso a elementos básicos no cotidiano urbano necessitam desprender de maior quantia de recurso financeiros, isso é a “renda real”. Assim, popula­ções mais pobres, que moram em lugares de difícil acesso e desprovido de estrutura, quando não ofertados de forma digna – o que na maior parte das vezes ocorre – necessitam gastar mais para que tenham acessos aos serviços básicos ou essenciais. A partir desta ideia, passamos a entender os custos que mui­tas populações possuem para ter acesso à água, que pode ser exemplificado nos gastos com ou chamados carros-pipa ou com criações de estruturas técnicas próprias, como os cha­mados poços artesianos. Nestes termos, passamos a dar sentido a epígrafe desta seção, quando Milton Santos (2007) aponta os problemas de morar nas perife­rias, dando a clara dimensão do que é “se condenar duas vezes à pobreza”. A pobreza duplicada se realiza, pelo dispêndio dos custos básico necessários para manter a reprodução social e a dignidade da vida nas peri­ferias, sobretudo para manter uma cidadania incompleta.

16Nestes termos, para compressão do ciclo hidrossocial é inexorável compreender as estruturas de diferenciação e segregação espacial, porque ele indica a diferenciação no acesso as redes de água e esgotamento sanitário. Portanto, diferencian­do pessoas neste contexto.

17É muito comum pensar­mos nas assimetrias espaciais na produção do espaço urba­no, a partir do binômio centro­-periferia, onde já estaria posta uma condição subjacente e de quadros de pobreza e miséria, relacionadas eminentemente às supostas áreas periféricas. É importante ressaltar que quando estamos pensando na periferia metropolitana, não estamos tra­tando de uma área com homo­geneidade econômica e produ­tiva, mas em heterogeneidade, sobretudo pela intensificação das relações complexas do pe­ríodo da globalização que tor­nam as assimetrias ainda mais complexas. As periferias são na atualidade espaços altamente heterogêneos como indicam os estudos de Caldeira (2000), que chegam a ser dotadas de áreas elitizadas e com maior acesso a serviços básicos, ao mesmo tempo ainda marcadas com áre­as empobrecidas e com extrema vulnerabilidade social. Isso nos impele a perceber as diferencia­ções internas existentes na pró­pria periferia.

18O acesso à água e o ao esgotamento sanitário, podem servir como pistas para verificar e comprovar as diferenciações espaciais internas, uma vez que tanto esses serviços além de essenciais a qualidade de vida das populações são parte da­quilo que podemos chamar de “condições gerais de produção” (MARX, 2022), porém enqua­dradas com o perfil de ligação “indireta” à essa produção (LE­CIONI, 2007). Isso porque os serviços que envolvem redes com ligações de água e esgota­mento sanitário são em maior parte associados à subsistência e atendimento das massas de população, sobretudo trabalha­dora, que participa do modo de produção. Todavia, necessita­mos compreender que em al­guns setores tais redes estarão ligadas aos mecanismos diretos dos sistemas produtivos (pen­sando aqueles em que a água é um elemento essencial no perfil produtivo como empresas do ramo alimentício, cervejeiro, tecelagem e químicos)

19Por se tratar de um con­junto de serviços, cujas redes técnicas atendem de modo in­direto os ciclos produtivos, ela estaria relegada aos sabores da diferenciação da renda, do his­tórico geral de ocupação dos es­paços, e da necessidade de do­tação de serviços que atendam o chamado “consumo coleti­vo”. Essas variações implica­riam em compreender de fato, as redes de água e esgoto para além da trama produtiva, sen­do em nossa concepção redes essenciais da manutenção da vida e dignidade humana, que é relegada na maioria dos espa­ços periféricos. Portanto a dinâ­mica de presença-ausência das redes técnicas de saneamento, e dos fluxos que elas carregam (ou deveriam carregar), indi­cam elementos para pensarmos a produção e diferenciação dos espaços periféricos.

Caracterização de uma periferia e os quadros de desigualdade no acesso à água e esgoto

20A periferia como for­ma-conteúdo, é parte do pro­cesso de diferenciação espacial que se realiza na dinâmica inter­nas das cidades. Apesar de uma condição singular que permi­te classificar uma periferia, os conteúdos sociais, os processos históricos e as estruturas que relacionam modos de produção e lógicas de poder, permitem diferenciar os lugares. Por isso, o onde (ou o lugar/local) é um passo metodológico fundamen­tal, para uma releitura da “his­tória concreta de nosso tempo” (SANTOS, 2002 p.315)

21A possibilidade de refle­tirmos sobre processos singula­res da periferia, da diferencia­ção espacial e das iniquidades no acesso ao saneamento, a partir da Baixada Fluminense, urgem como uma possibilida­de de empiricizar tais questões para posicionar nas relações espaço-temporais os marcos das desigualdades e do ciclo hidrossocial desigual. A Baixa­da Fluminense, é de fato hoje relacionada a uma conjuntura social e urbana periférica, mar­cada por trezes municípios que estão na porção oeste da baía de Guanabara. Essa área é territo­rialmente atravessada por duas importantes bacias que servem de abastecimento da Região metropolitana do Rio de Janei­ro. Sendo a principal delas a Bacia do Guandu (ver mapa 1).

MAPA 1 – Localização da Baixada Fluminense – Periferia da Região Metropolitana do Rio de Janeiro – e Região Hidrográfica II – Guandu

O que significa dizer que morar na periferia e se condenar 2 vezes a pobreza

Fonte: ROCHA; OLIVEIRA (2022)

22Em primeiro lugar é im­portante considerar que a área conhecida como Baixa­da Fluminense é considerada uma “periferia por excelência” (ALBUQUERQUE, 2020), que possui íntima relação de relações de trabalho com a ca­pital (LAGO, 2007) que foi marcada pelo processo espa­cial de incorporação à célula urbana do Rio de Janeiro, que criaram ambientes com pai­sagem e estruturas urbanas de precariedade social, posto pela substituição acelerada de áreas agrícolas (pomares) para lotea­mentos urbanos sem a devida dotação de estrutura habitacio­nal (SEGADA SOARES,1962; GEIGER E SANTOS, 1954; ABREU, 2006). Essa área tam­bém é caracterizada pelos in­dicadores sociais de violência e miséria (ALVES, 2003) que qualificam esse espaço-territó­rio em estigma e representação (ROCHA, 2014; ENNE, 2013). São esses atributos de forma e conteúdo, que permitiram ver a Baixada como periferia e fi­zeram geógrafos como Roberto lobato Correa (2005), usarem essa região como exemplo de caracterização para esse con­ceito nos estudos urbanos.

23Em segundo, no que tange ao pensar um ciclo hidrossocial desigual, a história de organização territorial da Baixada Fluminense sempre esteve associada à grandes obras de saneamento e à necessi­dade de superação dos desafios de habitabilidade posta em sua condição natural (ROCHA, 2014b). A própria nomenclatu­ra Baixada Fluminense, remete à essa associação, como uma “área baixa, limítrofe ao mar”. Porém essa concepção mais alargada poderia remeter a uma regionalização mais ampla, vis­ta por exemplo nos planos de saneamento do primeiro quarto do século XX - que incluiria os territórios do sul fluminense ao norte do estado do Rio de Ja­neiro (GOES, 1934). Todavia, sabe-se que o termo Baixada Fluminense, remete-se aos mu­nicípios periféricos metropoli­tanos da porção oeste da Baía de Guanabara.

24As obras de saneamento que se desenrolaram nos sécu­los XIX e início do XX, privi­legiaram intervenções na cha­mada Baixada da Guanabara e serviram de viabilizadores à ocupação da região. Essas obras obtiveram atenção direta do go­verno federal que atuou tanto na execução como na elabora­ção de corpo técnico destinado a pensar ações de drenagem, abastecimento, minimização de enchentes e estrutura urbana vi­ável (FADEL, 2006, SOUZA, 2006). Pensando numa história mais recente, após a segunda metade do século XX, as po­líticas de saneamento também continuaram assumindo um pa­pel importante na construção de áreas urbanas na Baixada (BRI­TO, JHONSON, CARNEIRO, 2016), incluído na tentativa de dirimir enchentes e aprimorar técnicas para o abastecimento de água e coleta de água na re­gião.

25Ainda, se faz importante re­fletir sobre essa região periféri­ca porque ela está intimamente ligada a segurança hídrica e ao abastecimento metropolitano no Rio de Janeiro (RIBEIRO, 2021), pois nela estão as prin­cipais nascentes e sistemas de abastecimento da metrópole: Acari – Guandu – Lajes (por­ção centro e oeste da metrópo­le) o sistema Inumana – Laran­jal (porção leste da metrópole). A localização dessas áreas de captação levou a criar inúme­ras ações que pudessem solu­cionar o abastecimento metro­politano desde o século XIX (ABREU,1992). Tais sistemas, estão associados diretamente a uma estrutura técnica – redes, estações de tratamento, unida­des de elevação – porém estão intrinsicamente relacionados a disponibilidade dos corpos hí­dricos na região: bacias, rios e nascentes, que permitem a cap­tação de água na região. Neste sentido, a conservação e a via­bilidade de estruturas técnicas que permitiriam o tratamento e a coleta de esgoto na Baixa­da, está diretamente associada a “segurança hídrica”, não ape­nas da periferia, mas de toda a metrópole.

26Por isso, pensar as po­líticas de saneamento, em espe­cial de coleta de esgotamento sanitário se realiza como um desafio ao desenvolvimen­to metropolitano segundo o PDUI-RMRJ - Plano de De­senvolvimento Urbano Inte­grado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (2018). Ana Lucia Britto e Suyá Quintslr (2020) indicam que houveram muitos investimentos na região da Baixada, porém tais investi­mentos acabam por concentrar em alguns municípios e não conseguiram dar conta da de­manda histórica da região. Por isso os impasses permanecem até os dias atuais no tocante a acessibilidade e tratamento do esgotamento sanitário e ao atendimento pleno com água.

27O que nos chama aten­ção, a partir dos trabalhos cita­dos, é que há uma seletividade espacial das políticas públicas (ROCHA, 2012), que se mani­festa na grande concentração de ações e intervenções de sanea­mento na chamada “Baixada Iguaçuana” que está relaciona­da a porção de municípios for­temente conurbados à estrutura urbana do Rio de Janeiro. Estes também estão inseridos na ba­cia hidrográfica da Guanabara, que receberam ao longo dos anos ações no entorno dos Rios Botas, Iguaçu e Sarapuí. Essa seletividade, coloca em par­te uma questão importante, na diferenciação na própria peri­feria. Assim, é possível pensar­mos que a própria disposição territorial das políticas públicas estaria implicitamente produ­zindo uma “periferia da peri­feria”. Desse modo os municí­pios da Baixada que estariam inseridos na Bacia do Guandu (Paracambi, Itaguaí, Seropédi­ca, Japeri e Queimados) e os municípios alocados na porção central e leste da Baia de Gua­nabara (Magé e Guapimirim), tenderão a possuir indicadores mais precários.

28Cabe aqui um indicati­vo sobre o papel especial da Chamada Bacia-Hidrográfi­ca do Guandu (RH-II). Essa é considerada uma das maiores bacias para abastecimento ur­bano, responsável pelo abaste­cimento de aproximadamente 8 milhões de habitantes. No con­texto desta bacia estão alocados dois importantes sistemas de abastecimento: o Sistema-Lajes e o Sistema-Guandu. Segun­do Christina Ricardo Ribeiro (2021, p.9):

Sistema Guandu, que é o responsável pelo atendimento de uma população esti­mada em 8.629.039 habitantes em 2010, equivalente a 89,35% da população ur­bana das sedes municipais abastecidas. Os municípios de Belford Roxo, Duque de Caxias, Japeri, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados e São João de Meriti e uma parte do Município do Rio de Janeiro são abastecidos pelo Sistema Guandu. Já os municípios de Itaguaí, Japeri, Nova Igua­çu, Paracambi, Queimados e Seropédica e uma parte do Município do Rio de Ja­neiro são abastecidos pelo Sistema Lajes.

29Todavia os territórios da Baixada que estão integralmen­te inseridos na Bacia do Guan­du são os territórios alocados na porção oeste, que apresentam comparativamente os piores indicadores de acessibilidade à água e o esgotamento sanitá­rio. Neste sentido, as reflexões sobre uma ecologia política de Alex Loftus (2021) encontram respaldo no fato de que não se trata de um problema de “es­cassez” de ordem natural, mas de ordem econômica e técnica, social e política. Neste sentido, reitera um ciclo hidrossocial desigual no contexto metropo­litano que diferencia territórios, e tornam agudas as precarieda­des da periferia.

30Essa diferenciação se torna perceptível quando com­paramos os dados de acesso as redes de água e esgoto nos municípios da Baixada, que são disponibilizado pelo SINIS - Sistema Nacional de Infor­mação sobre Saneamento (ver mapa 2 e 3).

MAPA 2 – Mapa do percentual de população da Baixada não atendida com esgoto (2018) em relação a estimativa da população em (2021).

O que significa dizer que morar na periferia e se condenar 2 vezes a pobreza

Fonte: SINIS-2018/ IBGE -2021 – Organizado pelo Autor.

31Neste caso dos municípios da Baixada que estão mais a oeste – Itaguaí, Seropédica, Paracambi, Queimados e Jape­ri - e que estão territorialmente inseridos na Bacia do Guandu, servem aqui de um bom exem­plo. Tomando uma proposta para compreender os percentu­ais da população não atendida com água e esgotamento sani­tário na Baixada, elaboramos os mapas 2 e 3. Esses mapas revelam as assimetrias terri­toriais nessa periferia, desta­cando que os municípios da Baixada que estão na chamada borda metropolitana estão com piores indicares de atendimen­to, a saber: Itaguaí, Seropédi­ca, Magé Japeri e Guapimirim. No mapa 2, é visualizado que os três primeiros apresentam respectivamente percentuais superiores 60% de sua popula­ção sem acesso ao esgotamen­to sanitário, sendo que Japeri e Guapimirim não assinalaram informações na base do SI­NIS. Porém, segundo dados do Censo de 2010, a realidade de atendimento destes municípios era bastante precária (ROCHA; OLIVEIRA, 2020).

32O município de Para­cambi é o melhor neste aten­dimento: apenas 30,88% não possui atendimento de esgoto sanitário, porém apresenta 22 pontos percentuais a mais [em relação a população sem aces­so ao esgotamento sanitário] que a capital – Cidade do Rio de Janeiro. Assim, embora te­nha um melhor indicador den­tre os municípios periféricos inseridos na Bacia do Guandu, apresenta um pior indicador se comparado a capital. O efeito do esgotamento sanitário territorializa portanto os efeitos da desigualdade centro-periferia numa tendência de igualização e diferenciação de desenvolvi­mento desigual (SMITH,1988). Ainda reforça-se o quadro de possíveis problemas de ordem ambiental e das qualidades das águas da região – incluindo às águas subterrâneas (poços, len­ções freáticos), que diretamente pode afetar a sustentabilidade da própria Bacia do Guandu.

33O mesmo efeito de di­ferenciação se reflete nos dados da população não atendida com água. O mapa 3 reafirma a ten­dência de diferenciação interna na periferia, marcando nova­mente os municípios da bor­da metropolitana como aqueles que possuem maior percentual de suas populações sem aces­so à água. E importante consi­derar que Seropédica, Itaguaí e Paracambi (na porção oeste), juntamente com Magé e Guapi­mirim (porção centro-leste), apresentam os indicadores segundo os quais mais de 25% da população sem acesso a água. Entre esses, os com pior indicadores são Guapimirim 32,22% (marcan­do a porção leste da Baixada) e Paracambi com 31,03%, Japeri, 29,20% e Seropédica, 29,22% (marcando a porção Oeste). Queimados e Itaguaí apre­sentariam uma melhor proporção nesta “periferia da periferia” tendo, respectivamente, 17,54% e 23,30% de suas populações sem acesso à água. Porém, to­dos os municípios que estão na Bacia do Guandu possuem proporções maiores de pessoas sem acesso à água em relação à capital, cidade do Rio de Ja­neiro (3,84%), e aos municí­pios de urbanização já consoli­dada como Nilópolis (2,72%), Mesquita (3,77%), Nova Igua­çu (7,59%), São João de Me­riti (8,69%), Duque de Caxias (16,87%).

MAPA 3 – Mapa do percentual de população da Baixada não atendida com água (2018) em relação a estimativa da população em (2021)

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Fonte: SINIS-2018/ IBGE -2021. Organizado pelo Autor.

34Ao analisarmos espacial­mente o mapa 3, também é possível observar a ní­tida diferenciação territorial na periferia, marcando o Oeste, com os municípios inseridos na Bacia do Guandu, e o Leste com os municípios de Magé e Guapimirim, como aqueles em situação crítica em relação ao acesso à água. A periferia vai se consolidando, revelan­do suas agruras na moradia da população mais empobrecidas. É importante também consi­derar a “complexidade hidrossocial” amplamente desigual desta área, pois a presença próxima de importantes bacias e mananciais não garantem o atendimento pleno às popula­ções de forma “regular e confi­ável” (COSTA & IORIS, 2015, p.115). Na prática a ausência de plena condição de acessibi­lidade além de promover uma diferenciação espacial, está igualando essa periferia sob o estigma da miséria. A identida­de de uma periferia como lugar “eminente da população pobre” na qual aponta Milton Santos (2007), pode ser interpretada também como lugar do (des) acesso à água e da sede – como marcas que se impõe ao morar na periferia.

35Não bastando os pro­blemas no acesso à água e es­gotamento sanitário, segundo dados do Painel do Saneamento 2020 (SINIS), os municípios da Baixada inseridos na Bacia do Guandu apresentam índice de coleta de esgoto baixos e pagam mais caro pela coleta de água e esgoto, que a média nacional e regional (Sudeste) [Gráfico 1 e quadro 1].

36O índice de coleta de esgoto revela que os municípios, com exceção de Paracambi, estão com indicadores abaixo da média do Sudeste (73,55%), sendo que os piores da­dos são observados nos municípios de Seropédica (30,37%) e Quei­mados (35,56%) que estão abai­xo da média nacional (60.27%) e do estado do Rio de Janeiro (64,13%). A mesma realidade destes poderia ser conferida para Japeri [diante do quadro socioespacial existente]. A au­sência do dado para esse mu­nicípio é fruto de um constante problema de preenchimento das informações do SINIS por parte da administração municipal.

37É importante destacar que, implicitamente, a infor­mação do gráfico 1 revela um certo disparate entre as “redes técnicas” de água e de esgoto. Como lembra Gabriel Dupuy (1984), essas redes são muitas vezes “invisíveis” por estarem alocadas em sistemas subterrâ­neos, mas estão revelando sua íntima relação na estruturação das cidades, por conduzirem fluxos que integram e diferen­ciam lugares. Ou seja, o dado revela em síntese que o volume de água que chega – via redes técnicas de água -, não é coleta­da de volta – via redes técnicas de esgotamento sanitário.

38Desse modo se deduz ao menos duas hipóteses. Ou a população possui um consumo inveterado de água, produzindo perdas diretas na natureza, ou de fato se materializa um pro­blema sociotécnico de ausência de redes e infraestrutura para esgotamento sanitário. Na prática, o que se verifica a partir da conjuntura de informações aqui apresentadas é que o sistema de redes técnicas de esgotamento sanitário é deficitário na região, reforçando assim os desafios encontrando no PDUIR-RMRJ (2018) para o desenvolvi­mento metropolitano, reite­rando condições gerais de produção assimétricas na pe­riferia (ROCHA & OLIVEI­RA, 2022).

GRÁFICO 1 – comparativo do índice de coleta de esgoto entre municípios da Baixada inserida na Bacia do Guandu em relação ao estado e ao Brasil (2020)

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Fonte: SINIS (2020). Organizado pelo Autor

QUADRO 1 – Comparativo da tarifa média de água/esgoto entre municípios da Baixada inserida na Bacia do Guandu em relação ao estado e ao Brasil (2020)

O que significa dizer que morar na periferia e se condenar 2 vezes a pobreza

Fonte: SINIS (2020). Elaborado pelo autor

39Além de problemas de acesso aos referidos serviços, o custo para ter acesso aos mesmos são mais caros que a média nacional (ver quadro 1). Isso reforça as assimetrias e diferenças internas que quali­ficam e potencializam os pro­blemas dos que moram na pe­riferia.

40É importante destacar que o debate sobre a precifica­ção dos serviços relacionado à água e esgotamento sanitário não é novo. Para Ana Lucia Brito (2014) se torna cada vez mais nítido que as populações mais empobrecidas, morado­ras das favelas e periferias so­frem com os custos efetivos para acesso a um componen­te básico essencial – a água. O quadro 1 é revelador deste disparate, pois se constata que o valor pago na periferia da metrópole (a Baixada que está inserida na Bacia do Guandu), é maior se comparado às mé­dias do preço pago por R$/m³ em nível nacional, regional (levando em consideração o Sudeste) e, inclusive, é mais caro que a média estadual para quatros mu­nicípios listados.

41Em relação ao custo médio nacional (4,25 R$/m³), um morador de Queimados e Japerí teriam que pagar, res­pectivamente 1,10 R$/m³ e 1,51R$/m³ a mais. Por sua vez o citadino residente em Para­cambi teria que arcar com o valor de 2,16 R$/m³ a mais em sua conta de água e esgoto. A situação fica ainda mais com­plicada para os moradores de Seropédica e Itaguaí que ne­cessitaram custear, respectiva­mente, 3,60 R$/m³ e 4,67 R$/ m³ a mais dos valores da média nacional. Isso representaria, no caso de Itaguaí, pagar mais de duas vezes pela mesma conta.

42Itaguaí e Seropédica seriam os municípios desta pe­riferia com o maior custo de m³ pagos pelos serviços de água e esgoto comparativamente com os demais municípios e em relação às médias nacional, regional e estadual. Por exem­plo, o valor pago por um mo­rador de Itaguaí (8,92 R$/m³) chega a ser 100% mais caro que média do sudeste (3,86 R$/m³) custando 5,06 R$/m³ a mais pelo mesmo serviço. Se comparado à média paga no estado do Rio de Janeiro (5,35 R$/m³) um itaguaiense paga­rá 3,57 R$/m³ a mais. O cus­to médio do estado do Rio de Janeiro é maior que as médias nacionais e da região sudeste, mesmo assim, o único municí­pio descrito no quadro 1 com valor de custo para os serviços de água e esgoto equivalente é Queimados. Todos os demais municípios periféricos neces­sitam pagar mais pelos mes­mos serviços prestados.

43A descrição deste fato, confere, na prática o alto custo de se morar na periferia. Além do estigma existente, se materializa a pobreza inata da precariedade dos serviços e dos custos envolvidos para obtê-los. Isso faz com que o pobre se condene duas vezes a pobreza (SANTOS, 2007).

Conclusões finais

44Os estudos sobre as regiões periféricas metropolitana assu­mem um papel extremamente relevante, além das mesmas abrigarem porções considerá­veis da população, superar as contradições inerentes as condi­ções gerais de produção destas áreas, marcadas precariedade e contrastes estruturais em que se encontram, são de fundamental importância para novos rumos do desenvolvimento metropo­litano. O tema do saneamento é revelador de como as con­dições gerais de produção das periferias estão intrinsicamente associadas à construção de redes técnicas que possam garantir o abastecimento de água e a coleta de esgotamento sanitário. Esses elementos são, na essência, es­truturas de consumo coletivo, porém nitidamente marcados por uma seletividade espacial, que diferencia o espaço, inclu­sive revelando assimetrias in­ternas.

45As periferias não são homogêneas porque, apesar de um certo grau de similitude de pro­cessos que materializam qua­dros de desigualdades, guar­dam diferenciações. A diferenciação das próprias periferias, quando as entende­mos como forma-conteúdos sociais, adquirem em seu inte­rior resquícios das condições gerais de produção. Neste sen­tido, concordamos com Neil Smith (1988) quando destaca uma complexa relação de igua­lização e diferenciação, que assume a roupagem do desen­volvimento desigual do espaço. Por isso, buscar elementos ana­líticos que possam revelar es­sas assimetrias são, na essência, fundamentais para avançarmos na construção de uma justi­ça espacial nas cidades (HAR­VEY, 2009).

46Essa justiça no espaço urbano-metropolitano neces­sita ser pensado em diferentes frentes. O desafio de superar os problemas relacionados a estru­tura complexa do saneamento básico, a partir da universaliza­ção do acesso às redes de água e do esgoto, incita a avaliarmos as condições de produção das periferias e de sua condição de habitação. Não se trata apenas de pensar em “lugares distan­tes”, mas lugares que quali­ficam pessoas que tem maior probabilidade de terem proble­mas relacionados a qualidade da água no contágio de doen­ças de vinculação hídrica ou propícias a habitar áreas com alta susceptibilidades de en­chentes, diante da ausência de políticas eficazes na drenagem de água pluviais. Além disso, o custo efetivo empregado para ter acesso aos serviços de água e esgoto podem ser mais ca­ros pelo simples fato de residir na periferia – como visto nos municípios da Baixada Flumi­nense, que estão inseridos na bacia do Guandu. Por isso Mil­ton Santos (2007) tem razão ao expor que “há cidadãos e cida­dãos”, pois o lugar de moradia pode indicar, mesmo na própria periferia, um diferencial sobre a qualidades de direitos e servi­ços obtidos.

47Outrossim, a exemplificação sobre acessibilidade desigual da água e do esgoto na periferia da metrópole flu­minense, sobretudo daqueles localizadas na “periferia da periferia” (Seropédica, Itaguaí, Paracambi, Queimados e Jape­ri) exemplificam a complexida­de hidrossocial, reafirmando a hipóteses de autores críticos das ideias tradicionais de “escassez hídrica” (LOFTUS, 2021). Se torna perceptível que a inaces­sibilidade não é decorrente de falta de recursos hídricos.

48Na Baixada Flumi­nense, periferia da região me­tropolita, estão localizadas as nascentes e corpos hídricos responsáveis pelo abastecimen­to metropolitano do Rio de Ja­neiro - como é o caso da Bacia do Guandu que abastece mais de 8 milhões de habitantes. Porém, um número considerável de sua população não tem acesso à água, chegando a ter em tor­no de 30% de seus moradores desprovidos deste serviço (são os casos de Paracambi, Sero­pédica e Japerí). Além disso, quando possuem esses serviços pagam quase o dobro do valor (ou mais) da média nacional (4,35 R$/m³), como é o caso de Itaguaí e Seropédica que che­gam a pagar, respectivamente, a mais 4,67R$/m³ e 3,60R$/m³ pelos mesmos serviços. Isso coloca em questão uma econo­mia política que torna de fato a água uma mercadoria. Isso pode ter consequência sociais graves e amplificar os efeitos da segregação socioespacial e, consequentemente, do viver nas periferias.

49Se torna nítida a neces­sidade de pensar conjuntamen­te aspectos da urbanização e consolidação destas áreas no contexto metropolitano, com a espacialidade das injustiças no acesso a estes serviços de sane­amento.

50Em primeiro lugar por­que compreender aspectos sensíveis do saneamento nos permitirão pensar políticas públicas que busquem atender as populações residentes destas áreas. Neste caso, permite am­pliar o debate sobre a constitui­ção de políticas públicas que tentem promover a equidade e amparo de cidades saudáveis, mas também em promover ações que possam mitigar a po­breza inata das periferias mar­cadas nas condições precárias de urbanização e das habitações que não possuem uma estrutu­ra básica mínima que garantam a dignidade humana. Em se­gundo, porque estamos agora diante de uma nova conjuntura para as políticas de saneamen­to, postos diante do novo marco legal, sobretudo da atualização posta pela Lei Nº 14.026, de 15 de Julho de 2020. O novo marco legal do saneamento traz modificações profundas na ter­ritorialização de projetos de saneamento, em especial por tornar possível a privatização destes serviços e a criação de blocos regionais/territoriais para concessão de serviços. Em termos práticos, isso poderia implicar em uma “exclusão” de áreas e populações pelo não in­teresse da iniciativa privada em arrendar tais blocos e territórios – sobretudo para aqueles muni­cípios periféricas e sem dotação de estrutura técnica-produtiva consolidada de saneamento.

51Os municípios da Bai­xada Fluminense inseridos na Bacia do Guandu, experimen­taram no ano de 2021 os efeitos desde novo marco. Com a pri­vatização da CEDAE (Compa­nhia Estadual de águas e esgoto do Rio de Janeiro), esses muni­cípios juntamente com porções da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro formaram o chama­do Bloco 3. Esse bloco não foi arrematado na primeira seção de concessão de 30/04/2021, sendo adquirido somente em dezembro do mesmo ano, numa segunda rodada, pela Águas do Brasil por 2,2 milhões de reais. Alguns críticos são categóricos em afirmar que o não interesse na primeira rodada advinha de problemas técnicos e financei­ros (rentabilidade) que a con­cessão do então bloco 3 poderia remeter. É importante destacar que a venda só ocorre depois da inclusão de outros territórios no Bloco. Isso por si só é um in­dicador da necessidade de um profundo debate que envolve pensar a relação do saneamen­to na construção das periferias diante na nova conjuntura que se anuncia.

O que significa morar em periferia e se condenar duas vezes?

Morar na periferia é se condenar duas vezes à pobreza. À pobreza gerada pelo modelo econômico, segmentador do mercado de trabalho e das classes sociais, superpõe-se a pobreza gerada pelo mode- lo territorial. Este, afinal, determina quem deve ser mais ou menos pobre somente por morar neste ou naquele lugar.

O que significa morar em periferia?

Existe ainda o uso desse termo por pessoas que vivem no Brasil, nesse caso, muitos costumam usar “periferia” para se referirem as favelas, os bairros mais pobres, loteamentos clandestinos, resultado da má distribuição de renda numa determinada região. Geralmente, esses locais são afastados dos grandes centros.

Quais são as vantagens e desvantagens de morar na periferia?

Menor custo de vida Uma das principais vantagens de viver fora das grandes cidades está relacionada com os menores custos da habitação. Dependendo da zona escolhida, poderá ser mais fácil e mais barato encontrar uma casa com maiores áreas (interiores e exteriores) na periferia do que no centro de uma cidade.