“Contudo, os processos que ocorrem na consciência das massas não são nem autônomos nem independentes. Independente da ira dos idealistas e ecléticos, a consciência é, todavia, determinada pelas circunstâncias. Nas condições históricas que formaram a Rússia, sua economia, suas classes, seu Estado, na ação de outros estados sobre ela, devemos ser capazes de encontrar as premissas tanto da Revolução de Fevereiro quanto da de Outubro, que a
substituiu. (…)” Em 1845, Marx e Engels dedicaram-se a elaboração de uma crítica a filosofia alemã, em particular a filosofia da autoconsciência, mais precisamente à forma como esta compreende a realidade, a relação entre os indivíduos e, em especial, a forma como compreende o próprio homem. O fruto de tal crítica é a obra A Ideologia Alemã que, infelizmente, como diz o próprio Marx, foi relegada a “crítica roedora dos ratos”. Mas,
para nossa sorte, esta obra não foi perdida e em 1932 é publicada pela primeira vez. Mais comumente conhecida como a obra em que Marx elabora sua teoria sobre ideologia ou o seu materialismo histórico (não vamos entrar nesse aspecto, pois seria necessário um artigo para tratar tais temas), vemos, ao longo das páginas do livro, desenvolver-se uma ácida crítica, tão mortal quanto rigorosa, à forma como a filosofia, em seu desenvolvimento, tratou o problema da consciência e que apresenta seu
ápice no idealismo alemão. O pensamento filosófico, desde seu nascimento, reservou um espaço especial à consciência (ainda que em vários momentos não utilize tal nomenclatura). Isso porque para várias correntes da tradição filosófica – e isso inclui algumas da atualidade – a consciência representa a possibilidade efetiva do conhecimento e o traço distintivo do homem frente a natureza. Ou seja, muitos filósofos assumiram a separação interioridade e exterioridade como base de compreensão do mundo,
e deram ao campo subjetivo preponderância com relação ao objetivo. Assim, temos o reconhecimento da consciência como realidade efetiva e autônoma e, por isso, privilegiada. A capacidade do homem de reconhecer a si e de se distinguir dos demais “outros” é a base que sustenta tal separação e caracteriza certas correntes. Estas atribuem tal capacidade à natureza humana e determinam a natureza humana a partir de tal capacidade. A filosofia desenvolveu-se, assim, tendo em seu seio, dentre
outras avaliações, a compreensão de que o ponto de partida de toda compreensão do mundo é a consciência. Logo, o que garante a realidade do mundo exterior ao homem, é a consciência. Certamente, temos clareza de que existem variações e matizes distintas dentro desta compreensão, porém de Platão a Hegel, passando por Plotino, Santo Agostinho e Kant, é tratada desta maneira, de forma a sempre possuir autonomia frente ao mundo material. Portanto, o conjunto das capacidades cognitivas gerais do homem
são postas em destaque no interior da filosofia, em suas mais diferentes variações, como forma de explicar o próprio homem e o mundo ao seu redor. Temos, portanto, a vontade, a razão, o pensamento e, em última instância, a consciência como alavanca que descortina os mistérios do mundo, que garante a verdade e validade do conhecimento acerca dele. A cisão homem-mundo, que começa a se aprofundar nas correntes filosóficas pós-aristotélicas é fonte para a consolidação das mediações cognitivas. Como desdobramento mais acabado do processo de autonomização da consciência, a filosofia alemã dos séculos XVIII e XIX compreende os processos da vida humana como processos atrelados ao desenvolvimento da própria consciência. Ou seja, é o desenvolvimento da consciência que atribui significado aos vários aspectos do desenvolvimento humano. A filosofia, a história e a própria sociedade, dessa maneira, são explicadas pela consciência. O progresso social atrela-se necessariamente ao
desenvolvimento desta e a sua percepção de si. Portanto, tanto Hegel – precursor do entrelaçamento história e consciência -, quanto os jovens hegelianos – denominação dada por Marx e Engels em seu livro para Feuerbach, Bruno Bauer e Max Stiner -, analisam a história da Alemanha, seu desenvolvimento social e sua política a partir da consciência. Mesmo Feuerbach, que empreende uma crítica a Hegel e lança algumas bases de algum modo identificadas com o materialismo, também é alvo de nossos autores
por ainda atribuir um espaço privilegiado à consciência. Logo nas primeiras páginas do livro, em uma crítica direta a Feuerbach, nosso autores destacam quatro “aspectos das relações históricas originárias” que são pressupostos do desenvolvimento da sociedade humana. Todos eles envolvem as necessidades humanas de reprodução e perpetuação da espécie. Assim, desenvolve a crítica posterior:
Ou seja, a partir do momento em que se retoma as bases que constituem a vida material do homem, suas necessidades mais imediatas e como estas impulsionam o desenvolvimento da vida em sociedade, compreende-se que a consciência, que antes aparecia como pura forma, é na verdade fruto das próprias relações sociais e que se desenvolve no interior desta. Se para os alemães, ela é uma forma pura, própria do sujeito racional, agora ela é componente de uma realidade dinâmica, sujeita as mesmas transformações do mundo humano. A complexificação da sociedade impacta diretamente a consciência e esta se manifesta, assim, de forma distinta. Por isso, prossegue:
Da mesma forma que o processo de desenvolvimento humano relaciona-se intimamente com sua separação da natureza, a consciência como produto desse processo também apresenta-se, e pode apresentar de forma autônoma. O homem, desde sua mais primitiva forma de organização social, parte de suas necessidades mais prementes para se mover e constituir laços tanto entre os homens, quanto com a natureza. E a consciência acompanha esse processo. Se no desabrochar da humanidade, ela se apresenta quase como um instinto, na modernidade vemos a preponderância que adquire e o trato autônomo que recebe, como se as bases materiais que a constituem fosse a sua deformação. No entanto, sem as bases materiais não é possível compreendê-la. Não é possível compreender como uma determinada sociedade se vê e se justifica. É o caso de todas as teorias que tentavam justificar o atraso da Alemanha através da consciência da burguesia alemã que, naquele momento, estava aquém da consciência francesa e inglesa. Ora, sem compreender o processo de desenvolvimento da Prússia e dos demais estados, sem compreender os processos socio-economicos que se desenvolveram ali, não é possível compreender a consciência alemã. Assim, começa a desenvolver-se a noção da necessidade da transformação nas bases materiais para que a consciência se transforme. Assim, lemos:
Diferente do que se difundia no movimento comunista alemão à época, e das inúmeras teorias emancipatórias, que dedicavam páginas a fio para estabelecer critérios de emancipação da consciência, seja por meio de sua determinação religiosa ou política arcaica, seja de elementos que contaminavam a consciência pura, como a matéria, nossos autores defendem a necessidade da revolução como única forma de transformação da sociedade e, consequentemente, da consciência. Para eles, esta só poderia libertar-se de suas amarras se a dominação de classe se extinguisse. Ao compreender as bases reais em que se assenta o indivíduo, seu vínculo com a natureza e a sociedade, além de seu próprio desenvolvimento com o passar do tempo, não é possível conceber a consciência sem suas bases materiais. Justamente porque, para nosso autores:
Assim, enquanto persistirem determinadas relações sociais, a consciência geral necessariamente será resultado dessas formas sociais. Enquanto o capitalismo gerar uma infinidade de relações as quais todos os homens estão imersos, a consciência necessariamente se encontrará nos limites das relações burguesas de produção. Assim, a filosofia, a moral, a religião e a política serão a filosofia, a moral, a religião e a política burguesas, aceitas pela massa dos indivíduos que constituem a sociedade. A consciência de uma época histórica será a consciência de sua classe dominante. A forma como os indivíduos que compõem a sociedade a veem e a justificam é a forma como socialmente se consolidou a explicação de tal sociedade e que invariavelmente as gerações já encontram pronta ao longo de sua existência. No entanto, é importante que fique claro que a consciência de uma época corresponde a de uma classe dominante não apenas pelo fato de ser difundida por esta, mas por coadunar com a própria forma de sociedade que esta domina.
A consciência não é um fato que explica o processo de desenvolvimento histórico, não explica as características de uma época histórica, mas é explicada pelo desenvolvimento histórico. Só compreendemos a consciência de uma época se compreendermos a gestação desta época, seus fatores fundantes que ditaram a tônica de uma dada forma de explicar o mundo.
Ou seja, são as próprias “condições de vida” o fator decisivo na forma como a realidade se configura e igualmente decisivo na forma de compreensão dessa realidade, além de ser a base que possibilita impulsionar uma transformação verdadeira. Simplesmente defender a necessidade de uma ideia não a transforma em atividade real, uma vez que o que determina efetivamente a sua penetração nas massas são as condições de vida e as suas necessidades. Assim, o movimento intelectual alemão, que se fixou na consciência como o caminho para a libertação humana, esbarra naquilo que, nos dizeres de Marx, lhe era odioso: as condições materiais. Por isso,
A consequência efetiva de se assumir a consciência como forma de explicação de uma época histórica é assumir a forma imaginativa em que os homens dessa época se veem. A autonomia da consciência gera uma parcialidade de compreensão da realidade ao assumir sua forma fantasmagórica de manifestação. A inversão mistifica as relações e autonomiza as formas de materialização das relações efetivas. As lutas de classe, a forma de produção, as relações sociais de uma dada forma de sociedade são o conteúdo efetivo das ideias produzidas para explicá-las. Justamente por tal inversão, nossos autores se viram na obrigação de enfrentar a moda alemã, e adentrar nos fundamentos filosóficos que justificavam o idealismo na Alemanha. Concluímos compreendendo que,
Referências MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007. MARX, Karl and ENGELS, Friedrich. The German Ideology, ed. Christopher J. Arthur. New York: International Publishers, 1989. O que significa a frase não é a consciência que determina a vida mas a vida que determina a consciência?Marx afirma que “não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”. Segundo suas próprias palavras, “os filósofos se limitaram a interpretar o mundo, o que importa é transformá-lo.”
O que determina a vida?Atualmente não há consenso quanto à definição de vida. Uma definição popular é que os organismos são sistemas abertos que mantêm a homeostase, são compostos de células, têm um ciclo de vida, sofrem metabolismo, podem crescer, se adaptar ao ambiente, responder a estímulos, reproduzir e evoluir.
Qual é a filosofia de Karl Marx?Na base do pensamento de Marx está a idéia de que tudo se encontra em constante processo de mudança. O motor da mudança são os conflitos resultantes das contradições de uma mesma realidade. Para Marx, o conflito que explica a história é a luta de classes.
O que significa o conceito de alienação para Karl Marx?A alienação (do latim, alienatio) significa estar fora de algo, estar alheio a algo. No caso da alienação do trabalho, ela é o efeito do trabalhador não ter acesso aos bens que ele mesmo produz.
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