É possível suceder por representação aquele que renunciou à herança?

No exato instante da morte de uma pessoa, a herança é transmitida a seus herdeiros, conforme art. 1784 do CC (droit de saisine). São sucessoras as pessoas indicadas em testamento, se houver. Nesse caso, a sucessão é chamada de testamentária. Inexistindo testamento, observa-se a lei (sucessão legítima).

Portanto, o primeiro passo deve ser conhecer acerca da existência ou não de testamento. Se há testamento válido e eficaz, o seu teor deve ser respeitado e os herdeiros são as pessoas, naturais ou jurídicas, nele indicadas.

Se não há testamento, a sucessão é legítima e os titulares da herança são as pessoas indicadas no art. 1829 do CC (lembrando que, se houver união estável, deve ser observado o que consta do art. 1790 do CC).

Há outras situações em que, apesar da existência de testamento, a sucessão deve ser, simultaneamente ou não, legítima (ex: existência de herdeiros necessários, o fato de o testamento ter caducado ou de não ter contemplado a totalidade da herança, entre outras hipóteses).

O art. 1829 referido dispõe sobre a ordem de vocação hereditária em quatro incisos. Estão arrolados, em primeiro lugar, os descendentes em concorrência com o cônjuge, desde que preenchidos determinados requisitos; em segundo lugar, os ascendentes (sempre em concorrência com o cônjuge sobrevivo); em terceiro lugar, o cônjuge, com exclusividade e, por último, os colaterais até 4o. grau.

O artigo sob comento divide os herdeiros em classes (descendentes, ascendentes, cônjuge e colaterais). Havendo herdeiros de uma determinada classe (ex: descendentes), não são chamados os sucessores das classes subsequentes.

E, de acordo com outra regra, os herdeiros de graus mais próximos excluem os de graus mais remotos. Por isso, se uma pessoa falece deixando filhos, todos vivos, os netos e bisnetos, que também são descendentes, não são contemplados com a herança. Todos os filhos herdam por direito próprio e recebem quinhões idênticos.

Há, entretanto, exceção a essa regra. Na linha reta descendente, se, p. ex., um dos filhos do autor da herança é pré-morto, seus descendentes poderão representá-lo na sucessão, recebendo a cota que àquele caberia (art. 1851 do CC). Nesse caso, herdam por representação (estirpe). A lei, portanto, admite em situações como essa, que herdeiros da mesma classe e de graus distintos percebam a herança simultaneamente.

O direito de representação existe na linha reta descendente; na ascendente, não. E para a aplicação do instituto é necessário que o representando seja pré-morto em relação ao autor da herança ou, ao menos, que tenham ambos morrido no mesmo instante (comoriência).

Na linha colateral (também chamada de transversal), o direito de representação defere-se apenas ao filho de irmão. Nos demais casos não há representação. É importante notar que, na linha reta, defere-se o direito de herdar por estirpe aos descendentes (expressão genérica), enquanto na colateral apenas ao filho do irmão (espécie restrita de descendente).

Se um herdeiro renuncia à herança, é como se nunca tivesse existido. Logo, seus descendentes não podem representá-lo. Apenas herdam por direito próprio se não houver outros sucessores do mesmo grau do renunciante.

Diferentemente, se um herdeiro é excluído por indignidade (ou deserdado), é como se fosse pré-morto e, nesse caso, são convocados os descendentes do indigno para representá-lo (art. 1816 do CC), porque os efeitos de tal exclusão são pessoais.

Além disso, se os representantes do excluído por indignidade forem incapazes (por falta de idade ou de discernimento), o indigno não terá direito ao usufruto (usufruto legal) ou à administração dos bens que forem destinados a seus descendentes, tampouco à sua sucessão. Mesmo que conserve intacto o poder familiar sobre os filhos menores, ou seja curador de um descendente eventualmente interditado.

Por fim, não há direito de representação na sucessão testamentária. Se um herdeiro testamentário é pré-morto em relação ao autor da herança (testador), os bens a ele destinados devem ser revertidos a outra pessoa indicada no testamento, ou no silêncio do ato de última vontade, aos herdeiros legítimos.

A qualidade de herdeiro é uma condição que não pode ser compulsoriamente imposta, seja pelo legislador, por terceiros ou por uma autoridade judicial. Justamente por isso é possível que o titular da vocação hereditária exerça o direito de abdicar ou declinar da herança por meio do instituto da renúncia.

A renúncia é, portanto,um ato jurídico unilateral e espontâneo pelo qual o herdeiro manifesta a sua vontade de não ser contemplado na herança. Ao contrário da aceitação da herança – que não exige formalidade – a renúncia é um ato solene, que depende de forma expressa. De acordo com o art. 1.806 do Código Civil, “a renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial”.Em outras palavras, não se admite renúncia tácita da herança, devendo o herdeiro manifestar a sua vontade por escritura a ser lavrada no Cartório de Notas ou por termo firmado perante o juízo do inventário. Caso o procedimento esteja sendo realizado pela via extrajudicial, a exigência adicional que se faz em relação à manifestação é a anuência do cônjuge:

Resolução n. 35, de 24.04.2007 – CNJ
Art. 17. Os cônjuges dos herdeiros deverão comparecer ao ato de lavratura da escritura pública de inventário e partilha quando houver renúncia ou algum tipo de partilha que importe em transmissão, exceto se o casamento se der sob o regime da separação absoluta.

Na prática, havendo a renúncia, considera-se como se os renunciantes nunca tivessem herdado. Ou seja, não remanesce nenhum direito do renunciante sobre o(s) bem(ns) objeto da renúncia. Esse efeito ocorre mesmo que a renúncia tenha ocorrido, por exemplo, no curso do processo de inventário. Dessa forma, podemos falar que ela se opera efeitos extunc, retroagindo à data da abertura da sucessão.

Além do requisito formal (escritura pública ou termo judicial), a renúncia depende da plena capacidade do renunciante. Isso quer dizer que somente quem detém plena capacidade civil pode abdicar dos direitos sucessórios. Nada impede, contudo, que essa disposição ocorra por meio de mandatário com poderes especiais[1], devidamente conferidos por escritura pública. Contudo, quando se tratar de renúncia feita por incapaz – menor de 18 anos, por exemplo –, a manifestação do assistente ou representante não será suficiente. Nessa hipótese caberá, nos termos do art. 178, II, CPC/2015, a intervenção do Ministério Público, de forma que é imprescindível a prévia autorização judicial.

Há, ainda, um requisito temporal decorrente da interpretação do art. 1.807 do Código Civil. De acordo com esse dispositivo, dentro de 20 (vinte) dias após a abertura da sucessão, osinteressados, diante da ausência de manifestação dos herdeiros acercada aceitação da herança, requeiram ao juiz que os notifiquem para queem 30 (trinta) dias se manifestem, se houver interesse na renúncia daherança. Presume-se aceita a herança por todos que não manifestaremsua renúncia.Assim, a renúncia deve ocorrer após a abertura da sucessão, antes que os herdeiros aceitem a herança, mesmo que presumidamente, nos termos do mencionado dispositivo. Se eventualmente o herdeiro falecer antes de declarar se aceita ou não a herança (ou se não praticar aqueles atos típicos de herdeiros, capazes de acarretar a aceitação tácita), a possibilidade de manifestar a aceitação ou renúncia é transmitida aos herdeiros dele.

Tanto a renúncia como a aceitação à herança são atos jurídicos puros não sujeitos a elementos acidentais. Essa éa regra estabelecida no caput do art. 1.808 do Código Civil, segundo o qual não se pode aceitar ou renunciar a herança em partes, sob condição ou termo. Por isso é que, segundo a jurisprudência e a doutrina, não há como haver renúncia parcial da herança.

(…) a lei veda que se renuncie ou aceite a herança em parte, sempre que deferida ao sucessor por um mesmo e único título. Assim, não poderá aceitar a herança relativamente a um imóvel quitado e renunciar a herança relativamente a um imóvel quitado e renunciar à mesma herança no que se refere a um imóvel com saldo a pagar. Também será vedada a renúncia ou aceitação que busque ver alcançada uma condição ou aquelas feitas com a previsão de valerem a partir de determinada data. (Comentários ao Código Civil Coord. Antonio Junqueira de Azevedo. v.20, 2007, p. 131-132).

RECONHECIMENTO DE RENÚNCIA PARCIAL DA HERANÇA. DESCABIMENTO. 1. Aceitação é o ato pelo qual o herdeiro demonstra seu interesse em receber os bens deixados pelo de cujus e consolida a transferência da referida herança que decorre do princípio da saisine. 2. A renúncia é o ato jurídico unilateral através do qual o herdeiro declara não aceitar a herança, despojando-se da sua titularidade, não entregando para ninguém a sua parte, isto é, ele simplesmente deixa de ser herdeiro, como se jamais tivesse sido chamado à sucessão. 3. Não é possível jurídicamente aceitar ou renunciar parcialmente a herança ou quinhão hereditário, pois é expressamente vedada pelo art. 1.808 do CC. Recurso desprovido.TJ-RS, AC: 70069735892 RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Data de Julgamento: 28/09/2016, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30/09/2016).

Assim, se Antônio se manifesta nos autos do inventário pretendendo renunciar apenas aos direitos decorrentes do imóvel em que vivia a sua genitora falecida, aceitando a transmissão em relação aos demais bens (fazenda, carros e outros imóveis), a pretendida renúncia deve ser tida como não realizada. Ademais, a renúncia é uma manifestação de vontade de caráter irretratável. Em nosso exemplo, se Antônio abdicasse totalmente da herança, não poderia, posteriormente, mostrar qualquer espécie de arrependimento. A exceção fica por conta de eventual vício de consentimento, desde que haja efetiva comprovação[2].

Outra limitação em relação à renúncia está no art. 1.813 do Código Civil:

Art. 1.813. Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante.
§ 1º A habilitação dos credores se fará no prazo de trinta dias seguintes ao conhecimento do fato.
§ 2º Pagas as dívidas do renunciante, prevalece a renúncia quanto ao remanescente, que será devolvido aos demais herdeiros.

No momento em que um herdeiro aceita a herança, fica claro que o seu patrimônio é acrescido, podendo satisfazer o crédito de seus eventuais credores. Por isso é que a lei civil, assim como a jurisprudência (REsp 1.252.353/SP) consideram que se houver tentativa do herdeiro de prejudicar credores, a renúncia será considerada ineficaz. Esse dispositivo não transfere propriamente aos credores a aceitação da herança, mas apenas cria a oportunidade se manifestação contrária se houver agravamento da insolvência patrimonial.

Quanto aos efeitos/consequências da renúncia, vimos que o renunciante é considerado como se nunca tivesse sido herdeiro ou legatário. Nesse ponto é importante tecermos a seguinte diferença: sendo a renúncia exercida pelos herdeiros legítimos, a porção renunciada voltará para a monta partilhável, integrando a universalidade de bens a ser dividida entre os demais herdeiros. No entanto, caso seja o sucessor testamentário o optante pela renúncia, a herança será transmitida aos herdeiros legítimos, salvo se, no testamento, o de cujus, antevendo a possibilidade de renúncia, indicar quem deverá receber a herança nesse caso[3].

Por fim, importa estabelecermos as diferenças entre as formas de renúncia, a partir da classificação da doutrina em (i) renúncia abdicativa e (ii) renúncia translativa. A primeira é aquela pela qual o herdeiro transfere bem ou bens a determinada pessoa. Não se trata de uma abdicação, mas de uma transferência da herança para alguém. A segunda, que é a renúncia propriamente dita, ocorre em benefício de todos os coerdeiros da mesma classe ou, na falta destes, da classe subsequente.

Quanto a intenção é de renunciar especificamente em favor de uma pessoa, estaremos diante, na verdade, de uma forma de cessão de direitos hereditários, que gera algumas consequências diversas da renúncia, como, por exemplo, a incidência de ITCMD sobre o que está sendo transmitido de um herdeiro ao outro. Nesse caso, o cessionário sub-roga-se na posição de herdeiro, assumindo, também os encargos da herança. Haverá, portanto, uma dupla incidência tributária: a primeira, decorrente do fato gerador da transmissão causa mortis; e a segunda decorrente do fato gerador correspondente à transmissão inter vivos(cessão).

Além disso, ao contrário da renúncia, a transmissão pela cessão por ser apenas parcial, ou seja, pode a cessão versar sobre todos os bens ou apenas parte deles. De toda forma, ainda que seja admita a cessão – que, repita-se, não configura propriamente uma forma de renúncia – o herdeiro deve dar preferência aos demais, como previsto no artigo 1.794do Código Civil, valendo essa regra somente para o caso de cessão onerosa.

Tatiane Donizetti


[1]A renúncia da herança é ato solene, exigindo o art. 1.806 do Código Civil, para o seu reconhecimento, que conste “expressamente de instrumento público ou termo judicial”, sob pena de nulidade (art. 166, IV) e de não produzir qualquer efeito, sendo que “a constituição de mandatário para a renúncia à herança deve obedecer à mesma forma, não tendo validade a outorga por instrumento particular” (REsp 1.236.671/SP, Rel. p/ Acórdão Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 09/10/2012, DJe 04/03/2013).

[2]AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO – RENÚNCIA DE HERANÇA – AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO – HIPÓTESE DE MERO ARREPENDIMENTO. FUNDAMENTOS DA SENTENÇA QUE DÃO SUSTENTAÇÃO ÀS RAZÕES DE DECIDIR – APLICAÇÃO DO ARTIGO 252 DO REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO – PRECEDENTES DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – DECISÃO MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO.(TJ-SP – AC: 10027332120208260001 SP 1002733-21.2020.8.26.0001, Relator: Erickson Gavazza Marques, Data de Julgamento: 07/02/2022, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/02/2022)

[3]SALLES, Diana Nagem Lima. Livro das Sucessões, Editora e Distribuidora Educacional: 2017, p. 45.

Elpídio Donizetti Sociedade de Advogados

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Como fica o direito de representação se o herdeiro renunciar a herança?

Se um herdeiro renuncia à herança, é como se nunca tivesse existido. Logo, seus descendentes não podem representá-lo. Apenas herdam por direito próprio se não houver outros sucessores do mesmo grau do renunciante.

É possível suceder por representação aquele que renunciou à herança o que pode fazer o credor prejudicado pela renúncia do herdeiro devedor?

Conforme o artigo 1.811, “ninguém pode suceder, representando herdeiro renunciante”. Como mencionado acima nunca haverá o direito de representação quando houver a renúncia, ou seja, a herança renunciada nunca irá para os herdeiros do renunciante.

Quando não cabe direito de representação?

Cumpre destacar que o direito de representação somente ocorre quando se trata de sucessão legítima, caso estejamos falando de sucessão testamentária, o direito de representação não se aplica. Contudo, na sucessão testamentária é possível que o testador apresente a substituição vulgar, conforme previsto no art.

O que acontece com a parte do herdeiro renunciante?

Na sucessão legítima, a parte do renunciante acresce à dos outros herdeiros da mesma classe e, sendo ele o único desta, devolve-se aos da subseqüente. Deste modo, considera-se que o renunciante nunca existisse. Somente se fala em renúncia ou aceitação apenas com a abertura da Sucessão.