É possível a denunciação da lide de acordo com o Código de Defesa do Consumidor?

Nos processos em que a responsabilização solidária do hospital depender da apuração de culpa do médico em procedimento que causou danos ao paciente, é possível, excepcionalmente, a denunciação da lide pelo estabelecimento, para que o profissional passe a integrar o polo passivo da ação.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou esse entendimento ao julgar recurso de um hospital em ação indenizatória movida por uma menor – representada por sua mãe – que teria sido vítima de erro médico em cirurgias cardíacas.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, com base na teoria da aparência, rejeitou a alegação de ilegitimidade passiva do hospital, por entender que, para a consumidora, o vínculo entre os médicos que fizeram as cirurgias e o hospital não é relevante, importando tão somente a satisfação do seu direito de reparação.

No recurso ao STJ, o hospital afirmou que não foram apontadas falhas em seus serviços, como enfermagem e hotelaria; por isso, a responsabilidade pelos danos à paciente só poderia ser imputada aos médicos, que utilizam suas instalações para operar, mas não têm vínculo com o estabelecimento.

Responsabilidade do hospital diante do erro médico

De acordo com a relatora, ministra Nancy Andrighi, os fatos narrados na ação, a princípio, não permitem afastar a legitimidade passiva do hospital, pois os procedimentos foram realizados em suas dependências, “sendo possível inferir, especialmente sob a ótica da consumidora, o vínculo havido com os médicos e a responsabilidade solidária de ambos – hospital e respectivos médicos – pelo evento danoso”.

A ministra esclareceu que, segundo a jurisprudência do STJ, o hospital responde objetivamente pelas falhas nos seus próprios serviços auxiliares, mas não tem responsabilidade por danos decorrentes do trabalho do médico que com ele não tenha nenhum vínculo – hipótese em que a responsabilidade é subjetiva e exclusiva do profissional.

Por outro lado, havendo vínculo de qualquer natureza entre ambos, o hospital responde solidariamente com o médico pelos danos decorrentes do exercício da medicina, desde que fique caracterizada a culpa do profissional, nos termos do artigo 14, parágrafo 4º,  do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

“Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima, de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição”, comentou a relatora.

Investigação indispensável sobre a culpa do médico

Como a ação imputou ao hospital a responsabilidade por atos dos médicos que atuaram em suas dependências – eles próprios não foram incluídos no processo –, Nancy Andrighi destacou a necessidade de se apurar a existência de vínculo entre a instituição e os profissionais, bem como se houve negligência, imperícia ou imprudência na conduta médica.

Segundo a magistrada, a discussão sobre a culpa dos médicos não serve apenas para que o hospital possa ajuizar ação de regresso contra eles (para se ressarcir de uma condenação na ação indenizatória), mas, principalmente, para fundamentar a responsabilidade do próprio hospital perante o consumidor, pois é uma condição indispensável para que o estabelecimento responda solidariamente pelos danos apontados.

A ministra ressaltou que, para a jurisprudência, “a vedação à denunciação da lide estabelecida no artigo 88 do CDC não se limita à responsabilidade por fato do produto (artigo 13), sendo aplicável também nas demais hipóteses de responsabilidade por acidentes de consumo (artigos 12 e 14)”. O que se pretende com esse entendimento, segundo a magistrada, é evitar que o consumidor seja prejudicado com a demora e a ampliação desnecessária do objeto do processo.

No entanto, ela mencionou precedente no qual a Terceira Turma já admitiu a denunciação da lide, em caso semelhante ao do recurso em julgamento (REsp 1.216.424).

“Em circunstâncias específicas como a destes autos, na qual se imputa ao hospital a responsabilidade objetiva por suposto ato culposo dos médicos a ele vinculados, deve ser admitida, excepcionalmente, a denunciação da lide, sobretudo com o intuito de assegurar o resultado prático da demanda, a partir do debate acerca da culpa daqueles profissionais, cuja comprovação é exigida para a satisfação da pretensão deduzida pela consumidora”, concluiu a ministra.

Denunciação da lide e chamamento ao processo são formas previstas no Código de Processo Civil para que incluídas em um dos polos da ação um terceiro integre a demanda. Contudo, cada um dos institutos apresentam particularidades próprias que os diferenciam.

A denunciação da lide tem previsão nos artigo 125 a 129 do Código de Processo Civil, PODENDO SER PROVOCADA PELO AUTOR OU PELO RÉU visando exercer um direito de regresso.

Já o chamamento ao processo é disciplinado do artigo 130 ao 132 do Código de Processo Civil em que APENAS O RÉU poderá requerer a intervenção de um terceiro para integrar o polo passivo da demanda em litisconsórcio em razão da configuração de solidariedade.

DENUNCIAÇÃO DA LIDE

De acordo com THEODORO JÚNIOR (2017, p. 379)

“[...] quando se exercita a denunciação, promove-se um cúmulo sucessivo de duas ações, pois ‘a denunciação da lide faz surgir uma ação secundária e conexa entre denunciante e denunciado, que impõe julgamento simultâneo com a ação principal’”.

· HIPÓTESES DE CABIMENTO

Art. 125, CPC. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes:

I - ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam;

II - àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.

No caso do inciso I, aquele que adquiriu um bem que está sendo demandado poderá denunciar o vendedor para que integre a ação a fim de garantir que o valor pago pelo bem seja reavido. Já quanto ao inciso II, contempla a possibilidade a denunciação da lide ser manejada a fim de incluir um terceiro em que o denunciante terá direito de regresso a ser exercido contra o denunciado.

· Na hipótese de configuração de uma das situações previstas para denunciação da lide o seu uso é obrigatório?

NÃO!!!!

Na forma do § 1º do artigo 125 do Código de Processo Civil o direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida.

Conforme o § 2º do artigo 125 do Código de Processo Civil o denunciado poderá também indicar um terceiro que tenha relação com a questão posta e contra quem tenha também direito de regresso, mas este último não poderá adotar a mesma prática, uma vez que é VEDADA A DENUNCIAÇÃO DA LIDE SUCESSIVA.

Segundo THEODORO JÚNIOR (2017, p. 383)

“[...] o direito de regresso da parte não é prejudicado pela ausência de denunciação da lide, nem mesmo pelo seu indeferimento. Apenas na hipótese de a intervenção ter sido julgada improcedente pela sentença é que à parte não mais caberá ação autônoma para pleitear o direito de regresso.”

· Quando requerer a denunciação da lide?

Art. 126, CPC A citação do denunciado será requerida na petição inicial, se o denunciante for autor, ou na contestação, se o denunciante for réu, devendo ser realizada na forma e nos prazos previstos no art. 131 .

Requerida pelo Autor: Petição Inicial

Art. 127, CPC. Feita a denunciação pelo autor, o denunciado poderá assumir a posição de litisconsorte do denunciante e acrescentar novos argumentos à petição inicial, procedendo-se em seguida à citação do réu.

Requerida pelo Réu: Contestação

Art. 128. Feita a denunciação pelo réu:

I - se o denunciado contestar o pedido formulado pelo autor, o processo prosseguirá tendo, na ação principal, em litisconsórcio, denunciante e denunciado;

II - se o denunciado for revel, o denunciante pode deixar de prosseguir com sua defesa, eventualmente oferecida, e abster-se de recorrer, restringindo sua atuação à ação regressiva;

III - se o denunciado confessar os fatos alegados pelo autor na ação principal, o denunciante poderá prosseguir com sua defesa ou, aderindo a tal reconhecimento, pedir apenas a procedência da ação de regresso.

Parágrafo único. Procedente o pedido da ação principal, pode o autor, se for o caso, requerer o cumprimento da sentença também contra o denunciado, nos limites da condenação deste na ação regressiva.

· Cabe recurso da decisão que acolhe a denunciação da lide?

SIM!!!

A denunciação da lide poderá ser questionada pela mesma sistemática das decisões em geral, de forma que em se tratando de uma decisão interlocutória será o Agravo de Instrumento a medida a ser adotada, na forma do artigo 1.015, inciso IX do Código de Processo Civil , já em se tratando de decisão firmada em sentença será a Apelação o instrumento competente para questionar a denunciação da lide, nos moldes do artigo 1.009 do Código de Processo Civil.

CHAMAMENTO AO PROCESSO

Como anteriormente mencionado, o chamamento ao processo só pode ser exercido pelo réu.

· HIPÓTESES DE CABIMENTO

Art. 130, CPC. É admissível o chamamento ao processo, requerido pelo réu:

I - do afiançado, na ação em que o fiador for réu;

II - dos demais fiadores, na ação proposta contra um ou alguns deles;

III - dos demais devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns o pagamento da dívida comum.

· A PREVISÃO DO ART. 1.698 DO CÓDIGO CIVIL

Além das hipótese elencadas no artigo 130 do Código de Processo Civil o chamamento ao processo poderá ocorrer ainda no caso de alimentos em que o devedor não tem condições de arcar como pagamento, os parentes de grau imediato são chamados ao processo a fim prestar alimentos.

· O chamamento ao processo é obrigatório?

NÃO!!! Assim, como no caso da denunciação da lide, não sendo promovido o chamamento ao processo o réu poderá pleitear em ação autônoma a parte que cabia aos terceiros que não integraram o processo.

· Quando requerer a denunciação da lide?

Art. 131, CPC A citação daqueles que devam figurar em litisconsórcio passivo será requerida pelo réu na contestação e deve ser promovida no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de ficar sem efeito o chamamento.

Parágrafo único. Se o chamado residir em outra comarca, seção ou subseção judiciárias, ou em lugar incerto, o prazo será de 2 (dois) meses.

Conforme THEODORO JÚNIOR (2017, p. 397)

“Haja ou não aceitação do chamamento, pelo terceiro (chamado), ficará este vinculado ao processo, de modo que a sentença que condenar o réu terá, também força de coisa julgada contra o chamado.”

Vale ressaltar que uma vez que a dívida é paga por um dos devedores este se sub-roga nos direitos do credor, podendo cobrar a proporção que cabe a cada um que integrou o polo da ação.

APLICABILIDADE DOS INSTITUTOS PERANTE O CDC

Uma questão importante de se destacar quando da análise dos dois institutos se refere a aplicabilidade destes quando a demanda em questão versar sobre relação de consumo, pois nessa situação, a denunciação da lide NÃO PODERÁ ser utilizada, ao passo que o chamamento ao processo SERÁ ADEQUADO. Assim, vejamos os termos estabelecidos nos artigos 88 e 101, ambos do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 88, CDC. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, VEDADA A DENUNCIAÇÃO DA LIDE.

Art. 101, CDC. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas:

I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor;

II - O RÉU QUE HOUVER CONTRATADO SEGURO DE RESPONSABILIDADE PODERÁ CHAMAR AO PROCESSO O SEGURADOR, VEDADA A INTEGRAÇÃO DO CONTRADITÓRIO PELO INSTITUTO DE RESSEGUROS DO BRASIL. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil. Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este.

Assim, ambas as modalidades de intervenção de terceiros podem ser consideradas como uma forma de garantir que o vencido, havendo participação de terceiros na demanda posta, não fique em uma posição de desproporcional em razão do encargo que irá suportar, bem como permite que seja visualizada uma forma de economia processual considerando que com a denunciação da lide ou o chamamento ao processo não se faz necessária uma ação autônoma para discutir as questões que uma vez utilizado um dos institutos seriam solucionadas de forma incidental.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF, 12 de set. 1990.

______. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, 11 de jan. 2002.

______. Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF, 17 de mar. 2015

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil -Vol. III. 50. ed. rev. atual., Rio de Janeiro: Forense, 2017. 1 v.

ANA BEATRIZ DA SILVA

Pode ocorrer a denunciação da lide em uma ação que trate de relação de consumo?

A vedação da denunciação da lide nas ações judiciais assentadas em relação de consumo (art. 88 do CDC) tem por finalidade evitar que o consumidor seja prejudicado pela extensão da demanda e o consequente retardamento da prestação jurisdicional.

Quem pode fazer a denunciação da lide?

A denunciação da lide tem previsão nos artigo 125 a 129 do Código de Processo Civil, PODENDO SER PROVOCADA PELO AUTOR OU PELO RÉU visando exercer um direito de regresso.

É cabível o instituto da denunciação da lide?

Atualmente, a denunciação da lide não é mais uma obrigatoriedade, como constava no Código de Processo Civil de 1973. A redação do novo código, que entrou em vigor em 2016, expressamente menciona o instituto como uma possibilidade (artigo 125 do CPC 2015).

Como funciona denunciação à lide?

A denunciação da lide é uma forma de intervenção provocada em que o terceiro (denunciado), que mantém um vínculo de direito com a parte (denunciante), é chamado para litigar em conjunto com o denunciante, que contém contra o denunciado uma pretensão indenizatória, de reembolso, caso seja condenado.