Aluno precisa de espaço para se expressar e de acompanhamento durante educação formal
Devem ser direcionadas atividades criativas às crianças. Foto: reprodução
Guiada pela concepção de que qualquer criança pode aprender, a psicóloga Patrícia Vaz de Lessa investigou, durante um ano, o cotidiano de uma escola municipal no Paraná com o objetivo de introduzir uma proposta de avaliação psicológica no contexto educacional. Ela observou o que poderia ser feito de diferente no acompanhamento psicológico infantil, atualmente ainda muito pautado por testes e avaliações objetivas, sem a devida preocupação com a singularidade e as experiências sociais das crianças. Além disso, pensou em como poderia acompanhar crianças em seu processo de ensino-aprendizagem de modo que, mesmo apresentando dificuldades de alfabetização, pudessem se desenvolver. Ao final do trabalho, construíu uma proposta com orientações que podem aprimorar a atuação de psicólogos no âmbito escolar, sem um modelo fixo de avaliação psicológica a ser seguido.
Desenvolvido como tese de doutorado de Lessa no Instituto de Psicologia da USP, o estudo questiona explicações individuais que culpabilizam os estudantes pelo fracasso escolar, assim como a aplicação de testes para medir a aptidão intelectual das crianças, que geram laudos capazes de aplicar rótulos às crianças ainda no início do processo de escolarização. A pesquisadora acredita que o psicólogo deve conversar e intervir, mediando e oferecendo abertura para a criança se expressar. Segundo ela, a avaliação das dificuldades escolares precisa necessariamente incluir elementos sociais, econômicos e culturais que constituem o cotidiano da sala de aula.
Durante o desenvolvimento do estudo, a pesquisadora acompanhou uma classe do 3º ano do ensino fundamental, que geralmente conta com crianças de 8 a 9 anos. Além de assistir às aulas e acompanhar a rotina de estudos, desde o início da pesquisa, Lessa encontrou e orientou pais e professores, e observou o histórico escolar e psicológico dos alunos. Percebeu haver uma grande confusão de teorias e métodos de ensino no projeto pedagógico da escola, não existindo uma linearidade didática. “As professoras, mesmo com experiência, apresentavam certa angústia e dúvidas sobre as formas de ensinar, não sabiam a melhor forma de agir em sala de aula”, afirma.
No segundo semestre, quando as crianças já estavam mais habituadas à presença da psicóloga, além de reuniões em grupo, ela realizou encontros individuais com as crianças com dificuldades escolares. Nesses encontros, psicóloga e aluno conversavam e participavam de atividades relacionadas à memória, atenção, concentração, percepção e sensação utilizando desenhos, classificação de cores e figuras, memorização de palavras, jogos, histórias. Também era aberta a discussão com a criança, que expunha seus interesses e sua visão sobre a escola.
A pesquisadora afirma que a atuação do psicólogo escolar é essencial para propiciar mudanças no processo de aprendizagem. Seu trabalho deve ser pautado por observações do contexto escolar; acompanhamento da sala de aula; conversas com as professores, pais, coordenador pedagógico e diretor; encontros com os estudantes individualmente e em grupo; participação de reuniões e conselho de classe; além de encontros com pais e familiares. Tais ações foram colocadas em prática durante a trajetória de pesquisa da psicóloga.
Para Lessa, uma proposta interventiva de avaliação piscológica precisa considerar a importância do contexto histórico e cultural que constituiu a dificuldade de escolarização expressada pela criança. O psicólogo deve auxiliar o aluno através da convivência, analisando seu histórico e suas particularidades: “Ele deve ir à escola, deve fazer parte de todo o processo de aprendizagem, procurando perceber o que a criança consegue fazer sozinha e em que ele pode ajudar. Independente de sua condição social, cultural ou biológica, qualquer criança pode aprender e o psicólogo deve mostrar isso a ela”. A pesquisadora defende que o profissional de psicologia acredite na potencialidade dessas crianças, sob a ótica de desenvolvimento e de formação de seres humanos, visando superar um olhar medicalizante dos processos educacionais.
Continue lendo sobre o tema na matéria Psicologia escolar na formação dos docentes contribui para entender escolarização, publicada pela AUN em maio de 2015.
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Postado em 07/06/2018
O Psicologia em Foco foi mediado por Délcio Guimarães, conselheiro e coordenador da Comissão de Avaliação Psicológica do CRP-MG. “Trata-se de um tema bastante polêmico, que nos instiga ao pensamento e novas reflexões, principalmente neste contexto atual das nossas crianças. Temos que pensar e refletir sobre nosso compromisso enquanto profissionais de Psicologia”, afirmou o conselheiro.
Acolhimento e empatia – A primeira convidada a se apresentar foi Fernanda Pontes. Ela contou que inicialmente as demandas eram de crianças que não conseguiam aprender, mas hoje chegam questões de cunho emocional para serem avaliadas. “Nossos meninos são muito cobrados, exigidos, e por isso temos percebido casos de transtornos de ansiedade e de bullying. Esses processos causam muitos prejuízos para as crianças e as escolas estão com dificuldades de lidar. Então entra a avaliação psicológica como instrumento fundamental de conhecimento amplo”, explicou. Antes de encerrar, a psicóloga colocou como chave do processo a escuta acolhedora dos pais: “não é só fazer o teste, temos que entender o assunto recebendo os pais com o pedido de socorro. Para isso temos que ter o máximo de empatia e fazer uma anamnese muito detalhada”, concluiu.
Para Juliana Alves, a avaliação psicológica no contexto escolar é um trunfo por se tratar de um processo estruturado de investigação. “A escola vive em constante urgência e esse é um instrumento que nos dá suporte para garantir assertividade”, pontuou. A psicóloga chamou a atenção sobre o real papel da psicologia escolar: compreender a estratégia de ensino e verificar as relações no ambiente escolar. Para ela, é preciso ter muita clareza disso para não ser absorvido por tantas demandas. “Aí entra a avaliação psicológica com a missão de promover a inclusão e buscar a melhor forma de aprendizagem sem rotular nem excluir”, disse, antes de passar para a fase de debates com o público presente no Psicologia em Foco.