Como a tecnologia pode ajudar na preservação do patrimônio cultural?

1. Introdu��o

Iniciamos nossa discuss�o, refletindo sobre as profundas altera��es sociais acarretadas pelas Tecnologias Digitais de Informa��o e Comunica��o (TDIC). Ao ser disponibilizada em ambientes digitais, a informa��o se torna acess�vel a todos que possuam um dispositivo e rede de acesso � Internet. O indiv�duo passa a ter o potencial de atuar n�o somente na recep��o do conhecimento (tendo � disposi��o in�meros canais de informa��o) como tamb�m em sua emiss�o. Nos anos 1990, se dizia que essa atua��o se d� a n�vel "glocal": um ambiente de comunica��o em tempo real e de justaposi��o entre o local e o global, pois o indiv�duo se encontra no espa�o f�sico local e, ao mesmo tempo, atua no espa�o virtual global (Virilo, 1993; Trivinho, 2001). Contudo, para os chamados “nativos digitais” (Palfrey & Gasser, 2011) - gera��es mais recentes, que tiveram contato com a Internet e os dispositivos m�veis desde a inf�ncia ou o nascimento -, essa distin��o entre o f�sico e o virtual j� n�o � mais percept�vel. O virtual se fundiu tanto ao cotidiano, que j� n�o � mais percebido como inst�ncia auxiliar.

Esse car�ter utilit�rio e complementar do virtual tamb�m � uma potente ferramenta para institui��es das mais variadas finalidades e propor��es. Na �rea do patrim�nio cultural, por exemplo, tem uso tanto para museus e outros espa�os de visita��o quanto para rotas culturais. E, estando o patrim�nio cultural ainda muito atrelado aos bens materiais, utilizamos o contexto das edifica��es hist�ricas para analisar a evolu��o da incorpora��o da computa��o � �rea de arquitetura.

Como apresentamos na Figura 1, adaptada de Pratschke (2019), nos anos 1980, iniciaram-se as aproxima��es da �rea de Arquitetura com a Computa��o; o que incluiu demandas pela cria��o de programas​ espec�ficos para a representa��o de edifica��es. Na d�cada seguinte, os esfor�os foram alinhados para o melhoramento do design das interfaces dos programas e a organiza��o e a visualiza��o da informa��o; ampliando a interatividade e a conectividade​. Nos anos 2000, viu-se a mudan�a de paradigma da computa��o com a melhoria da Internet, dos dispositivos m�veis e da compatibilidade entre os programas; per�odo em que se intensificou a virtualiza��o em tr�s dimens�es.


Figura 1
A evolu��o da incorpora��o da computa��o � �rea de arquitetura
Fonte: Adaptado de Pratschke (2019).

Nos anos 2010, o foco esteve na melhoria da performance das m�quinas, da rede e dos programas, dando impulso a simula��o, automa��o, otimiza��o e adapta��o. O Sistema de Informa��o Geogr�fica (do ingl�s, Geographic Information System - GIS) e os aparelhos com Sistema de Posicionamento Global (do ingl�s, Global Positioning System - GPS) nos permitem viajar ao redor do mundo sem mapas f�sicos. Programas baseados em Modelagem da Informa��o da Constru��o (do ingl�s, Building Information Modeling - BIM) permitem uma vis�o geral da edifica��o e do processo de constru��o, al�m de automatizar diversos c�lculos e permitir o trabalho colaborativo entre os diferentes atores que participam do processo. E os usos da Intelig�ncia Artificial (IA) v�m sendo ampliados nas mais diversas �reas, de modo a automatizar ou facilitar atividades, aumentando a performance dos programas e dos c�rebros humanos.

Cada vez mais, as tecnologias s�o desenvolvidas em dire��o � gest�o da informa��o e pela informa��o (minera��o e processamento de grandes volumes de dados, big data, open data, open source, crowdsourcing etc.). Sistemas inteligentes baseados em aprendizado de m�quina e Intelig�ncia Artificial v�m automatizando e potencializando processos antes dependentes do c�rebro humano e contribuindo para a tomada de decis�es por meio de conhecimento produzido artificialmente. A tecnologia contribui de forma cada vez mais complexa para os conhecimentos humanos, inclusive nas �reas culturais, como contextualizou Gilberto Gil, ent�o Ministro da Cultura:

Cultura digital � um conceito novo, que parte da ideia de que a revolu��o das tecnologias digitais �, em ess�ncia, cultural. O que est� implicado aqui � que o uso de tecnologia digital muda os comportamentos. O uso pleno da Internet e do software livre cria fant�sticas possibilidades de democratizar os acessos � informa��o e ao conhecimento, maximizar os potenciais dos bens e servi�os culturais, amplificar os valores que formam o nosso repert�rio comum e, portanto, a nossa cultura, e potencializar tamb�m a produ��o cultural, criando inclusive novas formas de arte (Gil, 2004 como citado em Pratschke, 2019, p. 3).

Em rela��o aos espa�os de mem�ria,

[...] a import�ncia da informa��o naquilo que se tornou quase uma tr�ade sagrada – informa��o, educa��o e entretenimento – foi completamente reconhecida, muito antes da populariza��o dos termos “sociedade da informa��o” e “tecnologia da informa��o”, durante as d�cadas de 1970 e 1980 (Briggs & Burke, 2004, p. 193).

A essa tr�ade informar-educar-entreter, diretamente relacionada � divulga��o na �rea do patrim�nio cultural, adicionar�amos ainda a import�ncia da informa��o e a utilidade das novas tecnologias em a��es de pesquisa, registro e conserva��o. At� os anos 2000, algumas das principais aplica��es tecnol�gicas difundidas entre as institui��es da �rea eram bibliotecas eletr�nicas (processos b�sicos, �ndices online, busca de textos completos, recupera��o e armazenamento de registros; armazenagem, recupera��o e disponibiliza��o da informa��o; digitaliza��o de livros etc.), bibliotecas digitais (concentram informa��es existentes apenas em formato digital) e bibliotecas virtuais (reproduzem virtualmente o ambiente f�sico, em duas ou tr�s dimens�es) (Marchiori como citado por Camargo & Santos, 2005). Por seu potencial como meio de divulga��o, os espa�os museol�gicos virtuais s�o cada vez mais comuns desde os anos 2000, como forma de ampliar o acesso da popula��o aos acervos de tais institui��es (Macdonald, 2006), n�o somente de livros, mas de quaisquer outros objetos.

A partir dos anos 2010, por conta dos avan�os do desenvolvimento computacional que comentamos, especialmente aqueles envolvendo tecnologias em 3D, muitos espa�os museais introduziram a Realidade Aumentada em suas a��es de educa��o patrimonial (como � o caso da Casa Batl�, na Espanha). No mesmo per�odo, com o intuito de promover maior engajamento e interesse do p�blico no �mbito patrimonial, museal e/ou tur�stico, outras iniciativas passaram a fazer uso de jogos educativos, serious games ou mesmo processos gamificados, isto �, utilizar elementos de jogos em contextos que, a princ�pio, n�o t�m qualquer rela��o com este universo.

Entendemos que tais tecnologias possuem grande potencial para a promo��o e a realiza��o de visita��o tur�stica. Por isso, a fim de desmistificar a complexidade de algumas tecnologias para incentivar seu uso entre gestores tur�sticos e patrimoniais, a seguir s�o apresentados projetos realizados pelos autores, que abrangem desde a disponibiliza��o de informa��es georreferenciadas em websites, at� tecnologias tidas como mais complicadas, como fotogrametria, realidade aumentada e gamifica��o.

Cabe aqui apresentar dois conceitos fundamentais que permeiam as discuss�es. Informa��o � entendida como o resultado do processamento de dados e, se absorvida de forma adequada pelo indiv�duo, � capaz de gerar conhecimento. Benef�cios ao desenvolvimento de uma sociedade s�o realizados como consequ�ncia do modo como o conhecimento � utilizado. Virtualiza��o � entendida aqui como processos de convers�o de dados, informa��es e conhecimentos anal�gicos em m�dias digitais – o que promove maior efici�ncia dos sistemas computacionais, possibilitando que os recursos sejam mais facilmente ajustados �s necessidades daqueles que os utilizam; por exemplo, maquetes virtuais intensificam o acesso e a gest�o da informa��o de bens edificados.

2. Mapas, roteiros tur�sticos e planejamento regional

O iPatrim�nio (www.ipatrimonio.org) � um projeto volunt�rio, sem v�nculo institucional e autofinanciado[1], que tem como miss�o o georreferenciamento de todo o patrim�nio cultural oficializado no Brasil. Atualmente, a plataforma re�ne informa��o sobre quase 13 mil bens protegidos por leis mundiais (Organiza��o das Na��es Unidas para a Educa��o, a Ci�ncia e a Cultura - UNESCO), regionais (Mercado Comum do Sul - Mercosul), nacionais (Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional - IPHAN), do Distrito Federal, de todos os Estados brasileiros e de quase 800 munic�pios (listas em: //bit.ly/ipatrimonio_listas).

Ao longo dos trabalhos realizados, constatamos que muitas institui��es de grande import�ncia para a sociedade n�o possuem sites ou informa��es de contato facilmente localiz�veis online. Ao procurar pelo contato das institui��es, as buscas n�o retornam sites oficiais e, como o link do iPatrim�nio � sugerido entre os primeiros resultados, o usu�rio opta por entrar em contato com a plataforma para solicitar hist�ricos escolares, certid�es de nascimento, casamento e falecimento e informa��o sobre sepultamentos; al�m de solicita��o de agendamentos de visitas e orienta��es de como chegar a museus e fazendas hist�ricas. O que demonstra a import�ncia de sites claros e completos, respectivamente, de escolas, igrejas, cemit�rios e institui��es de mem�ria. Sugerimos que as p�ginas online apresentem ao menos informa��es b�sicas de localiza��o, contato e dados sobre visita��o. As p�ginas podem ser websites ou mesmo redes sociais (de f�cil alimenta��o e divulga��o e com altas taxas de acesso). Outra iniciativa importante � manter atualizadas as informa��es retornadas pelo Google (Figura 2).


Figura 2
Ficha do Google para a busca pelo Museu Casa de Cora Coralina
Fonte: Montagem sobre Google.

Ao lado direito dos resultados da pesquisa, abre-se uma ficha com diversos dados. A institui��o mostrada na Figura 2 atualizou os dados recentemente (“Atualizado pela empresa 1 semana atr�s”); o que � realizado clicando em “Sugerir uma altera��o”. Abre-se uma janela suspensa com a op��o “Alterar o nome ou outros detalhes”, dentre os quais est� a localiza��o, que inclui mapa com visualiza��o do marcador.

A import�ncia das coordenadas geogr�ficas extrapola o contexto individual de cada bem tombado. Quando v�rios bens s�o georreferenciados sobre o mesmo mapa (como no iPatrim�nio, onde cerca de 8.500 bens est�o georreferenciados), o usu�rio pode visualizar o contexto de um determinado conjunto de bens. Por exemplo, na Figura 3, s�o mostrados tr�s bens tombados da �rea central de Macap�. Com essa informa��o visual, o turista pode tra�ar um pequeno roteiro particular. De forma an�loga, gestores p�blicos e institucionais poderiam criar mapas Google com bens de rotas culturais espec�ficas, criando mapas regionais de roteiros tur�sticos (Figura 3).


Figura 3
Tr�s bens tombados da cidade de Macap�-AP
Fonte: www.ipatrimonio.org/category/secult-ap.


Figura 4
Cria��o de mapa online no Google Maps
Fonte: Montagem sobre Google Maps (www.google.com.br/maps).

A partir de uma conta Gmail, clique em Importar imagen > Seus lugares > MAPAS > CRIAR MAPA. � poss�vel criar pontos e marcar �reas contendo descri��o, imagens, v�deos, �udios e rotas. Cada ponto � inserido individualmente, realizando busca pelo endere�o ou coordenada. Sugerimos que sejam criadas camadas com os diferentes tipos de bens ou rotas sugeridas; assim o turista pode escolher segundo temas de seu interesse. � preciso habilitar o compartilhamento e a visualiza��o p�blica do mapa. Al�m disso, os mapas podem ser colaborativos (com usu�rios espec�ficos ou aberto ao p�blico em geral). Ao permitir a inclus�o de diferentes m�dias a um determinado ponto, esses mapas auxiliam na difus�o de mem�rias e conhecimentos, al�m de entregar informa��o e experi�ncia para pessoas que n�o podem estar fisicamente presentes nesses locais.

O entendimento visual da distribui��o dos bens nesses mapas � �til tamb�m para a��es de planejamento urbano e regional na �rea do patrim�nio cultural, tais como a cria��o de roteiros e a estimativa de verbas de turismo a serem destinadas para cada localidade. Al�m disso, as �reas vazias do mapa instigam a realiza��o de levantamentos e invent�rios dos bens culturais existentes nessas regi�es. Um exemplo de planejamento regional na �rea do turismo com foco no patrim�nio cultural � o projeto “Arqueologia Social Inclusiva - Educar pelo patrim�nio nos Museus Org�nicos do Cariri”.

[...] Museus Org�nicos no Cariri que s�o express�es din�micas da criatividade humana, cen�rios ativos da cultura e do saber fazer popular, abertos nas casas dos mestres que os recebem da heran�a de seus ancestrais. Implementada na Regi�o do Cariri, Nordeste do Brasil, a ideia, [foi] gerada na Funda��o Casa Grande [...] (dos Santos, s.d., s.p.).

O projeto tem como principal objetivo criar uma rede sociocultural composta de lugares de mem�rias vivas, fomentando a troca de experi�ncias, fortalecimento de v�nculos comunit�rios, intercambiando conhecimentos, gerando conte�dos e oportunidade de gera��o de renda aos Mestres, seus familiares, agregados e comunidade, tendo como matriz principal a arquitetura do afeto e ativa��o de territ�rios criativos.

A valoriza��o da vida e obra dos mestres, somadas ao incentivo ao conhecimento da cultura popular e �s possibilidades para a indu��o da economia criativa, turismo social e experi�ncias comunit�rias, trabalham de forma org�nica em benef�cio da sustentabilidade do modo vida dos mestres; da exist�ncia dos terreiros e das tradi��es culturais (Mestre Dinha, s.d., s.p.).

O projeto j� implementou 10 dos 17 museus previstos, que se distribuem em tr�s categorias (museu-casa, museu-oficina ou museu-casa-oficina), a depender do uso dos espa�os cedidos pelos moradores / mestres dos saberes e custando menos de R$10 mil cada (Quindins & Sousa, 2021). Dentre eles est�o oficinas onde se mant�m modos de fazer selas (Mestre Espedito), m�scaras (Mestre Ant�nio Luiz), avi�es de brinquedo (Mestre Fran�uli), bacamartes artesanais (Mestre Nena) e redes (Mestra Dinha); e casas onde se preservam saberes como m�sica e dan�a do povo Kariri (Mestre Raimundo Aniceto) e dan�as populares (Mestra Zulene) (Barros, 2021). A Funda��o Casa Grande registrou alguns desses espa�os em v�deo 360� (exemplo em: //bit.ly/DonaDinha).

3. Fotogrametria e maquetes virtuais

A fotogrametria � uma tecnologia bastante difundida no setor do patrim�nio cultural para registro e divulga��o de elementos urbanos hist�ricos. Essa t�cnica pode ser realizada de modo profissional ou amador para “[...] a documenta��o precisa de pequenos objetos, de edifica��es ou mesmo de �reas urbanas, a depender do tipo de foto (terrestre, a�rea ou orbital) e da t�cnica utilizada [...]” (Arruda, 2013, p. 100-101). O Chafariz da Carioca, na cidade de Goi�s-GO - tamb�m conhecida como Goi�s Velho, foi virtualizado pelo projeto ReDigital (Figura 5).


Figura 5
Maquete virtual do chafariz da carioca gerada por fotogrametria
Fone: //labam.dev/Goyaz%20Digital/redigita.

O n�mero de imagens envolvidas � vari�vel, sendo [...] tomadas de �ngulos diferentes, com �rea de superposi��o, de modo a viabilizar a vis�o estereosc�pica (tridimensional), que possibilita uma maior acur�cia na restitui��o tridimensional do espa�o objeto (Brito & Coelho, 2002, p. 9). Os levantamentos fotogr�ficos devem circundar o elemento escolhido (Figura 6) e, se poss�vel, as fotografias devem ser tiradas em dias distintos, por volta do hor�rio do meio-dia com sol a pino, com c�u nublado ou ensolarado. Para a cria��o do objeto em ambiente virtual (Figura 7), as fotografias s�o colocadas em algum programa espec�fico que alinha automaticamente as fotos e identifica o posicionamento da c�mera (Figura 6) e gera (1) uma nuvem de pontos esparsa e, depois, (2) uma nuvem de pontos densa. Nesse �ltimo produto, um algoritmo identifica os pontos e extrai (3) uma malha, que � triangulada para formar pol�gonos. O produto visualmente mais real�stico constitui (4) um mapa de texturas formado por pequenos peda�os das fotografias com pontos de sobreposi��o e organizados sobre a malha tridimensional; gerando modelo tridimensional colorido e simula��o de textura. Os principais programas s�o Pix4D Mapper, AutoDesk ReCap, Agisoft PhotoScan e Agisoft Metashape 3D. Para iniciantes sugerimos Trnio ou Qlone.


Figura 6
Fotos realizadas para a digitaliza��o da Fonte da Pra�a do Coreto
Fonte: Acervo da pesquisa (2021).


Figura 7
Etapas da cria��o da Fonte da Pra�a do Coreto em ambiente virtual
Fonte: Acervo da pesquisa (2021).

Tais modelos virtuais s�o �teis para o levantamento f�sico-arquitet�nico de edifica��es, facilitando a obten��o de alturas e de medidas dos detalhes. Apresentamos compara��o entre os principais m�todos de levantamento no Quadro 1.

Quadro 1

Caracter�sticas dos tr�s tipos de levantamento f�sico-arquitet�nico

Levantamento Instrumentos Requisitos
Direto (longim�trico) Trenas, fitas m�tricas, n�veis, prumo etc. Todos os pontos de levantamento devem ser fisicamente acess�veis
Instrumental (topogr�fico) Teodolito, scanner laser, taqu�metro, esta��o total etc. Todos os pontos de levantamento devem ser vis�veis atrav�s dos instrumentos de levantamento
Indireto (fotogram�trico) M�quina fotogr�fica comum, programa de fotomodelagem e de desenho t�cnico Todo o plano a ser levantado deve estar vis�vel e enquadrado no fotograma, base do levantamento

Fonte: Adaptado de ConservaFAU, s.d., s.p.

Tais tecnologias permitem ao usu�rio uma experi�ncia remota sobre o patrim�nio cultural e as maquetes virtuais podem ser utilizadas em outras tecnologias, como ambientes virtuais com objetos de acervos museol�gicos, impress�o de maquetes dos objetos por meio de impressoras 3D (inclusive para pessoas com problemas visuais), produ��o de aplicativos de realidade aumentada ou jogos virtuais (gamifica��o).

4. Realidade aumentada

A tecnologia da Realidade Aumentada (RA) permite a constru��o de experi�ncias de maior imers�o. No caso de visitas a institui��es ou s�tios hist�ricos, a RA permite ao usu�rio “sobrepor”, em tempo real, o ambiente virtual ao espa�o f�sico onde se encontra, utilizando um dispositivo tecnol�gico, podendo usar a interface do ambiente real para manusear os objetos reais e virtuais (Silva, 2013). Os benef�cios espec�ficos para o patrim�nio cultural derivam do gerenciamento de informa��es ligado � RA, que permite armazenar e administrar grandes quantidades de dados, ben�ficos para a preserva��o do patrim�nio cultural e o monitoramento sustent�vel de sua conserva��o ao longo do seu ciclo de vida. Al�m disso, estas iniciativas podem promover ontologias de patrim�nio cultural com caracter�sticas de RA, permitindo que cidad�os e visitantes acessem prontamente um grande volume de informa��o que permite o entendimento de seu valor hist�rico no contexto mais amplo de um conjunto de bens.

A pesquisa ReRealidade foi embasada em revis�o bibliogr�fica sistem�tica nas principais bases indexadoras sobre a conceitua��o do uso da RA na arquitetura. Foram testados programas gratuitos (ARCore, ARKit e Vuforia) e elementos digitalizados por fotogrametria. As coordenadas do bem funcionam como marcador (Figura 8).


Figura 8
Teste do modelo da Fonte da Pra�a do Coreto em realidade aumentada
Fonte: //labam.dev/Goyaz%20Digital/ar

A RA permite criar simula��es de elementos e detalhes construtivos hist�ricos e de m�todos vernaculares de constru��o; permitindo valorar bens hist�ricos, no sentido de funcionar como fonte de informa��es sobre eles. Ao final do projeto, foi criado um aplicativo mobile para aumentar o alcance da divulga��o dos modelos escaneados (Figura 9). At� o momento, o aplicativo pode ser baixado no GooglePlay por meio da palavra “ReRealidade” e utilizado em celulares Android.


Figura 9
Telas do aplicativo ReRealidade
Acervo da pesquisa (2021).

A cria��o de um aplicativo de RA envolve, em termos gerais, duas tecnologias principais: para a constru��o da estrutura do aplicativo (como bot�es, textos, links etc.), foi utilizado o motor de jogos Unity; e para a cria��o dos experimentos em RA foi utilizado o programa Vuforia. Basicamente, o aplicativo l� um marcador no ambiente f�sico para acessar conte�do espec�fico hospedado online (Figura 10). O marcador pode ser uma imagem de qualquer tamanho, criada ou n�o para tal finalidade, por exemplo, um QR Code, uma logomarca, uma fotografia etc. No caso do projeto ReRealidade, os marcadores s�o as coordenadas geogr�ficas e o conte�do acessado s�o as maquetes virtuais dos elementos urbanos hist�ricos digitalizados durante o projeto ReDigital; de modo que o aplicativo pode ser utilizado de forma remota. No caso do aplicativo Pok�mon GO, exemplo mais conhecido do p�blico em geral, o marcador tamb�m eram as coordenadas geogr�ficas e o conte�do acessado eram as anima��es dos personagens do anime; mas s� poderia ser utilizado presencialmente.


Figura 10
Elementos de uma experi�ncia presencial com realidade aumentada
Fonte: Acervo da pesquisa (2021).

Essa tecnologia tem muitas utilidades na �rea do patrim�nio cultural. Inclusive, se integrada a outras tecnologias, a Realidade Aumentada pode ser utilizada para reconstruir virtualmente edifica��es destru�das por intemp�ries, pelo tempo, por cat�strofes naturais ou pela a��o humana e para disponibilizar visita virtual ou visita presencial aumentada �s mesmas. Dessa forma, a tecnologia auxilia, por exemplo, estudos e visitas que busquem o entendimento do cotidiano da �poca em que as constru��es ainda estavam �ntegras ou cumpriam suas finalidades originais.

5. Gamifica��o e Serious Games

A documenta��o patrimonial por meios digitais n�o elimina a necessidade dos meios tradicionais, mas contribui significativamente para maior efici�ncia do processo, seja pela redu��o dos custos, seja pela maior rapidez de execu��o. Nesse contexto, a gamifica��o (inclus�o de elementos caracter�sticos do universo de jogos nas mais diversas �reas, entre elas a patrimonial e tur�stica) se mostra uma poderosa ferramenta para aumentar o engajamento e a motiva��o dos visitantes. De modo semelhante, para melhorar a experi�ncia das pessoas em rela��o ao patrim�nio cultural e ao turismo por meio da ludicidade, pode-se contar tamb�m com os Serious Games, que, ao contr�rio da gamifica��o, possuem uma estrutura pr�pria de jogos, mas priorizam os fins educacionais, e, diferentemente dos jogos comuns, n�o t�m o objetivo prim�rio de entreter. Ou seja, tanto a gamifica��o quanto os Serious Games fazem a conex�o do universo dos jogos com o mundo real; o que muda s�o os fluxos, que seguem sentidos contr�rios (Figura 11).


Figura 11
Fluxo da conex�o do mundo real com o universo dos jogos por meio da gamifica��o e dos serious games
Fonte: Elaborado pelos autores.

Em rela��o � gamifica��o como um recurso para o ensino e aprendizagem no campo do patrim�nio cultural, um dos exemplos promissores � a plataforma Minecraft, sobretudo sua edi��o educacional (//education.minecraft.net), que tem se destacado como instrumento para a cria��o de diversas atividades l�dicas relacionadas a bens patrimoniais. Isso � poss�vel porque Minecraft � concebido como um sandbox game, tipo de jogo livre, colaborativo e aberto �s proposi��es de seus usu�rios.

Um exemplo � a aplica��o “No Centro do Patrim�nio: novos desafios digitais”, desenvolvida por Nascimento (2018), que prop�e que crian�as elaborem um modelo 3D do Mosteiro da Batalha (Porto, Portugal). A inten��o da autora � que, ap�s jogarem no mapa Minecraft do Mosteiro da Batalha, as crian�as despertem o interesse em visitar presencialmente o monumento com colegas e familiares.

Outra aplica��o da plataforma no contexto patrimonial � projeto Create Your Own Museum (//education.minecraft.net/OYmxf) que busca aumentar o envolvimento dos alunos com o conte�do das aulas sobre Martin Luther King Jr., identidade e Direitos Civis. Trata-se de uma atividade com muita liberdade de cria��o por parte dos alunos, estando condicionada apenas ao grau de profundidade de pesquisa feita por eles.

Aplicado de forma semelhante ao contexto museal, Great Fire 1666 (www.museumoflondon.org.uk/discover/great-fire-1666) foi encomendado pelo Museu de Londres por ocasi�o do 350� anivers�rio do grande inc�ndio que afetou a cidade. O jogo proporciona �s pessoas a possibilidade de reviver a hist�ria do inc�ndio, isto �, leva os jogadores a descobrir as causas do terr�vel evento; ajudar a combater o inc�ndio e, eventualmente, tentar reconstruir Londres.

E, finalmente, o projeto History Blocks (//education.minecraft.net/jME69) tem como objetivo orientar professores para que possam conduzir seus alunos na reconstru��o virtual de patrim�nios da Unesco. As metas de aprendizagem s�o: (1) conscientiza��o sobre os patrim�nios hist�ricos; e (2) compreens�o das quest�es est�ticas e culturais e das propor��es das edifica��es. Esse tipo de reconstru��o se baseia na observa��o de fotos antigas de monumentos destru�dos (seja por terrorismo, guerras, falta de cuidado ou trag�dias naturais). Mesmo n�o tendo o rigor t�cnico e cient�fico proposto pela Carta de Sevilha (Carta Patrimonial que trata dos princ�pios internacionais da arqueologia virtual), os projetos realizados com a edi��o educacional do Minecraft cumprem seu objetivo de conscientizar e educar a respeito do patrim�nio cultural, despertando o interesse e a curiosidade dos educandos.

Em rela��o aos Serious Games, D�az et al. (2014) relatam sobre a elabora��o e utiliza��o do jogo sueco de aventura O Mist�rio de Elin (Elins Mysterium), por meio de um aplicativo de dispositivos m�veis, para a intera��o com espa�os hist�ricos (Figura 12). O aplicativo faz uso de uma plataforma baseada em localiza��o para despertar a fantasia e a curiosidade das crian�as sobre o patrim�nio cultural. Conforme descrevem, o design de um jogo de mist�rio funciona como meio para transmitir conte�do de forma associada � explora��o m�vel, ao trabalho em equipe e � combina��o de mundos virtual e f�sico. Em Elins Mysterium, os jogadores usam recursos do aplicativo da plataforma e recursos do iPad, como b�ssola, GPS, reconhecimento de c�mera e imagem para resolver quebra-cabe�as, procurar s�mbolos, contar objetos e encontrar edif�cios, pra�as e parques.


Figura 12
Jogo Elins Mysterium - Tela de abertura e Interface do chat
Fonte: D�az et al. (2014).

Quando se trata de gamifica��o do turismo, Gunnarsson (s.d.) apresenta tr�s maneiras de gamificar um museu ou centro hist�rico utilizando basicamente papel e caneta, material gr�fico fornecido pelo museu, QR codes, tablets e/ou smartphones:

1. Crian�as em idade escolar e fam�lias em um museu ou centro de arte. Enredo: O local foi roubado na noite anterior e o seguran�a precisa de ajuda para descobrir o que foi roubado. Ao entrar no museu, o visitante recebe do seguran�a um bilhete com uma lista de tarefas, com espa�os para marcar � medida em que forem sendo finalizadas. O jogo termina com o cumprimento de todas as tarefas. Recompensas: Um pr�mio e uma lembrancinha, retirados na recep��o. Tecnologia e materiais: QR Codes impressos e colados em locais estrat�gicos. Observa��es: O aprendizado se d� a partir das pistas espalhadas pelo museu que permitem estudar artefatos para investigar o crime.

2. Crian�as em idade escolar em jardins bot�nicos. Enredo: Estamos em uma pandemia mundial e os jogadores precisam ajudar o cientista a criar uma vacina para salvar a ra�a humana. O cientista entrega uma lista com os nomes cient�ficos das plantas (em latim) de que precisa para a vacina. O visitante deve identificar onde elas podem ser encontradas nos jardins, anotar o nome popular delas e fazer um esbo�o de cada esp�cie para que o cientista tenha certeza de que s�o as plantas corretas. Din�mica: A proposta � organizada para ser jogada em grupos que competem entre si, e a equipe vencedora pode ser determinada pela velocidade ou qualidade dos desenhos feitos. Tecnologia e materiais: Embora n�o seja pensada originalmente para usar tecnologia no processo, a atividade pode ser adaptada e contemplar o uso de smartphones, tablets e QR Codes.

3. Adultos jogando orienta��o em um museu. Enredo: Os participantes est�o presos dentro do museu e a �nica sa�da � resolver sete quebra-cabe�as conectados a determinados artefatos. A parte divertida do jogo consiste em ser guiado por pistas (frases ou versos enigm�ticos) fornecidas por um quebra-cabe�a, que indicam o caminho para o pr�ximo artefato com a pr�xima pista. O jogo termina quando os sete artefatos forem coletados. Recompensa: O jogador ter� descoberto a palavra m�gica ou resolvido todos os quebra-cabe�as e dever� mostrar aos funcion�rios da recep��o para receber um selo ou algo que pode entregar no caf� do museu para uma bebida gratuita, por exemplo. Ou os vencedores t�m o nome inscrito na loteria anual do museu, ou recebem um passe de um ano para o museu, ou algum brinde como uma camiseta. Tecnologia e materiais: Os sete quebra-cabe�as podem ser diferentes e o visitante pode jogar usando papel e caneta ou um smartphone com tecnologia de posicionamento.

Uma Revis�o Sistem�tica da Literatura (RSL) sobre o potencial da gamifica��o para aumentar a competitividade dos destinos tur�sticos foi realizada por Souza et al. (2017). Segundo os autores, os primeiros trabalhos sobre gamifica��o foram publicados em 2011 e tiveram as primeiras abordagens expandidas ao setor do turismo a partir de 2012. Os autores apontam como principais influ�ncias positivas da gamifica��o nos destinos tur�sticos: (1) Aquisi��o de compet�ncias subjetivas, tais como tomada de decis�o, lideran�a e trabalho em equipe; (2) Aprendizagem via mobile; (3) Promo��o do turismo; (4) Descoberta da hist�ria, da vida e da identidade locais; (5) Forma��o e impacto � imagem de destinos/ empresas, forma��o e difus�o de modas e tend�ncias na ind�stria do turismo; e (6) Experi�ncia de novas atra��es e atividades de lazer, vivenciando um destino singular, aumento de visita��o, envolvimento dos visitantes e extens�o de sua estadia, engajamento e lealdade. Enfim, quando se trata de gamifica��o as possibilidades s�o diversas, mas tudo depender� do conhecimento a respeito das etapas e princ�pios do design de jogos, do tempo, criatividade e recursos dispon�veis.

6. Considera��es finais

Muitas s�o as tecnologias com grande potencial junto ao patrim�nio cultural. Contudo, sua utiliza��o no Brasil ainda esbarra em dificuldades de implanta��o e manuten��o de ambientes virtuais pelos �rg�os governamentais da �rea. Podemos dizer ent�o que existe um lapso na transfer�ncia da tecnologia - desenvolvida e testada nas universidades e empresas - para os espa�os e institui��es de mem�ria. O que inclui quest�es como o desconhecimento da exist�ncia das tecnologias; a falta de profissionais especializados para cria��o, implementa��o, alimenta��o/atualiza��o e manuten��o de tais tecnologias; e o pouco financiamento da Cultura em geral. Por isso, � essencial envidar esfor�os entre institui��es de mem�ria e grupos de pesquisa para que se coloque o conhecimento produzido na academia em pr�tica junto � sociedade.

Al�m disso, como afirma o soci�logo espanhol Manuel Castells (2015a), as gera��es mais jovens j� pensam de forma digital e s�o capazes de auto-informar-se, de auto-comunicar-se e de auto-organizar-se por meio da Internet. Sua aprendizagem est� dividida entre a escola (que frequentam para obter um diploma) e a Internet, onde se re�nem com grupos informais para aprender (Castells, 2015b). Ocorre um choque entre pensamento e ensino anal�gico x digital: o m�todo de ensino proveniente da Idade M�dia n�o � interativo, entedia os estudantes e 30% deles abandonam o ensino m�dio na Europa e nos EUA (Castells, 2015b). A capacidade atual dos estudantes de obter muitas informa��es simultaneamente reduz a concentra��o, mas tamb�m desenvolve habilidades de recombina��o de informa��es diferentes, base da criatividade que, por sua vez, leva � produ��o de ideias e conhecimentos novos (Castells, 2015b).

A mesma reflex�o � v�lida para as institui��es de mem�ria, por seu car�ter de ensino/aprendizagem. De modo que elas precisam atualizar sua metodologia pela incorpora��o das novas tecnologias a fim de manter o interesse de seus visitantes, principalmente os jovens por seu papel fundamental como futuros guardi�es do patrim�nio cultural coletivo.

Quando a tecnologia pode ser uma aliada para o patrimônio cultural?

A Tecnologia da Informação e Comunicação aliada ao patrimônio cultural, mostrou ser uma importante ferramenta de divulgação do patrimônio arquitetônico, podendo atuar como multiplicadora de conhecimento e ser utilizada em políticas de preservação e conservação do patrimônio cultural.

O que podemos fazer para preservar o patrimônio cultural?

A arquiteta e urbanista cita algumas ações que podem ajudar nesse sentido: facilitar e promover eventos, como feiras livres, esportes e atividades culturais são uma forma de estimular a diversidade e vitalidade nas áreas históricas.

Quando a tecnologia entra na história do patrimônio?

Em alguns momentos, somente as práticas convencionais, como restauração, digitalização, higienização adequada, etc., não são o suficiente para manter a cultura viva e em plenas condições para que o patrimônio seja visitado pelos turistas. Esse é o momento em que a tecnologia entra na história.

Qual a importância de se preservar o patrimônio cultural?

Por meio do patrimônio histórico cultural podemos conhecer a história e tudo que a envolve. Por exemplo, a arte, as tradições, os saberes de determinado povo. Preservar e valorizar os elementos culturais de um povo é manter viva a sua identidade. Trata-se, portanto, de um ato de construção da cidadania.

Toplist

Última postagem

Tag